sexta-feira, outubro 17, 2014

O Califado Islâmico entre mitos passados e ilusões presentes

Prezados Irmãos, 

Assalamu Alaikum: 

O “califado islâmico” é promovido pelos seus advogados, alegando que era um sistema ideal de governo islâmico no passado, que pode ser igualmente adequado e bem sucedido para o presente e futuro. O fato é que esta forma de governo é completamente inadequada para uso, sem falar que é impossível de implementar. Mas a história do califado islâmico também mostra que este estava longe de ser a imagem que é dada não só pelos seus apoiantes de hoje, mas também nas mentes de outros muçulmanos que não estudaram a história cuidadosamente. 

O califado islâmico é um dos conceitos que sofreu do que eu chamo a abordagem “puritana” para entender e apresentar a história Islâmica. Quando usado com qualquer aspecto desta história, esta abordagem infalivelmente produz uma narrativa que é extraordinariamente arrumada e despreocupada mas, ao mesmo tempo, largamente contra a história. Isto aplica-se a coisas como a lei Islâmica, os ahadith do Profeta (p.e.c.e.), a história política do Islão, e por aí fora. O califado é outra vítima de tal perspectiva ingénua e pouco crítica da história do Islão. A abordagem puritana é o resultado de confundir Islão e Muçulmanos. O califado islâmico é invenção de muçulmanos e não um conceito islâmico genuíno. 

O termo “califa” vem da palavra árabe “khalīfa” que significa “sucessor,” em referência a suceder ao Profeta Muhammad (p.e.c.e.) enquanto líder dos Muçulmanos. Este conceito não existe no Alcorão, apesar do termo “khalīfa” ser usado diferencialmente para se referir a qualquer humano que represente Deus na terra. Os dois elementos principais de um Califado Islâmico são uma liderança política que governe todos os Muçulmanos ou pelo menos um número substancial deles e a aplicação da lei islâmica através dessa liderança. Vou focar-me na questão da liderança dos Muçulmanos, tendo em conta a sua história para projectar o seu futuro. 

Os Muçulmanos Sunitas, al-Khulafā’ al-Rāshidūn ou os “Califas Justos” que lideraram o estado Muçulmano depois da morte do Profeta (p.e.c.e.) em 11 da Hégira (632 Era Cristã), foram os primeiros califas. Estes foram Abu Bakr (11-13 H), ʿUmar bin al-Khaṭṭāb (13-23 H), ʿUthmān bin ʿAffān (23-35 H), e ʿAlī bin Abī Ṭālib (35-40 H). Os muçulmanos xiitas, no entanto, acreditam que ʿAlī devia ter sucedido o Profeta (p.e.c.e.) e que os primeiros três não foram califas legítimos. Argumentam que o Profeta (p.e.c.e.) nomeou ʿAlī como seu sucessor, e que a Reunião dos Companheiros do Profeta que teve lugar em Saqīfat Banī Sāʿida e que apontou Abū Bakr foi deliberadamente marcada, enquanto ʿAlī estava a preparar o enterro do Profeta (p.e.c.e.). Os Sunitas, pelo seu lado, argumentam que ʿAlī deu a sua bênção às nomeações dos três primeiros califas. Vários estudiosos e grupos acederam diferenciadamente e contrastaram argumentos e relatos históricos, daí as divergências sobre o que realmente aconteceu. 

Independentemente da visão que cada um tenha sobre a legitimidade destes três califas, ninguém pode argumentar contra a existência de mais do que uma versão da história. Do mesmo modo, ninguém pode contestar o fato de estas divergências serem impossíveis de resolver de uma forma conclusiva, devido à falta de evidências indiscutíveis. Mas, deixando estas questões de lado, há fatos concordantes, e estes não são menos importantes. 

O primeiro é que três dos quatro primeiros califas foram mortos. De fato, Abū Bakr governou apenas dois anos, então, é pertinente especular que, se ele tivesse governado mais tempo também teria sido morto. Estes assassinatos, certamente não foram sinal de estabilidade e consenso. Também indicam que os primeiros califas não estavam rodeados da proteção que os califas, mais tarde, tiveram. 

As políticas e as nomeações de ʿUthmān causaram corrupção administrativa e favoritismo, provocando a fúria pública. Então, o segundo fato significativo é que na altura ʿAlī tomou posse do Califado depois do assassinato de ʿUthmān, e a situação política do estado Muçulmano piorou, significativamente, ao ponto de se tornar ingovernável pacificamente. Enquanto os três primeiros califas expandiram o estado islâmico através de conquistas, ʿAlī foi forçado a entrar em guerras civis. 

No seu Segundo ano (36 H), ʿAlī teve de derrotar um exército comandado pelos Companheiros Ṭal-ḥa bin al-Zubair e al-Zubair bin al-ʿAwwām, ambos mortos na batalha. O nome da batalha, “al-Jamal” (O Camelo), indica por si só a gravidade da instabilidade política. O nome vem do fato de uma das esposas do Profeta (p.e.c.e.), ʿᾹ’isha, ladeada por Ṭal-ḥa e al-Zubair, ter caminhado no seu exército às costas de um camelo. 

Mas a Guerra que verdadeiramente mudou a direção da história do Islão, surgiu três anos mais tarde. ʿAlī tentou substituir Muʿāwiya bin Abī Sufiān que fora indicado por ʿUmar como governador da Jordânia e Damasco, e a quem ʿUthmān estendeu, mais tarde, o seu poder para incluir a Síria. Muʿāwiya usou o pretexto, de que ʿAlī não levou os assassinos de ʿUthmān à justiça, para rejeitar o califado de ʿAlī e a sua decisão de o demitir da sua função. Isto fez com que os dois se defrontassem na Batalha de Nahrawān em 39 H. O fim inconclusivo desta batalha, mais tarde, enfraqueceu o califado de ʿAlī. Sem surpresa, o quarto califa foi assassinado um ano depois. Após a morte de 'Alī, o seu filho e neto do Profeta al-Imam al-Hassan foi escolhido para sucedê-lo como califa, mas em 6 meses foi forçado a demitir-se e entregar o poder a Mu'awiya. Depois de frustrada a tentativa de 'Alī para reformar o Estado islâmico e ter conseguido tomar o poder, Mu'awiya passou a introduzir a monarquia hereditária para os muçulmanos, estabelecendo o primeiro califado dinástico, o Umayyad (Omíadas) (41-132 H). 

Esta é uma extremamente breve descrição da história mais antiga do califado islâmico, mas serve para mostrar a quão desarrumada a história é.

Mais detalhes do que aconteceu só podem tornar a imagem ainda mais confusa. Os califas que sucederam, com raras excepções, não foram muito melhores do que Mu'awiya. O último líder político a levar o título de califa foi Mehmed VI, o último sultão otomano. Em Novembro de 1922, a Grande Assembleia Nacional Turca, sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk, aboliu o sultanato e enviou o último sultão para o exílio. O primo do último, Abdül-mecid Efendi, foi nomeado califa, que é um líder religioso, mas sem poder político. Em Março de 1924, este título, agora totalmente sem sentido, também foi finalmente abolido. 

Quando o Profeta Muhammad (p.e.c.e.) estava vivo, ele era o líder incontestado e único, tanto espiritual e político, de todos os muçulmanos. Isso é natural, é claro, uma vez que a própria definição de "muçulmano" implica a crença na origem divina da missão do Profeta e obediência a ele como indicado, repetidamente, no Alcorão, aos muçulmanos que "obedeçam a Deus e ao Mensageiro" (por exemplo, 3:32). Qualquer rejeição da liderança espiritual e política do Profeta (p.e.c.e.) não teria sido vista como uma quebra entre os muçulmanos, porque teria resultado na perda rejeitadora da sua identidade islâmica, ou seja, tornar-se-ia não-muçulmano. A própria definição de muçulmano foi derivada de aceitar e seguir o Profeta (p.e.c.e.). 

Mas o mesmo não pode ser dito sobre os sucessores do Profeta. Se alguém rejeitasse a nomeação de, digamos, Abu Bakr (r.a.), como califa, em seguida, não seria automaticamente afastado da sua identidade islâmica ou excluído da comunidade muçulmana. Uma pessoa pode acreditar que Abu Bakr era a pessoa errada para liderar os muçulmanos e ainda assim ser um muçulmano. Obviamente, se alguém acreditasse que o Profeta (p.e.c.e.) tinha escolhido o seu sucessor, mas rejeitasse a sua decisão, então, teria sido um ato extremamente grave de desobediência, mas nenhum dos que apoiava ou contestava a nomeação de qualquer dos primeiros califas disse que agiam contra a decisão do Profeta (p.e.-c.e.). Todos argumentaram que estavam a seguir o que o Profeta (p.e.c.e.) queria. 

Os xiitas argumentariam que ‘Alī (r.a.) foi, a este respeito, mais como o Profeta do que os outros califas, porque o Profeta (p.e.c.e.) escolheu-o explicitamente a ele para sucedê-lo, política e espiritualmente. No entanto, o fato da maioria dos muçulmanos não ter e não partilhar esta crença, significa que o caso de 'Alī não é o mesmo que o do Profeta. A liderança do Profeta (p.e.c.e.) era indiscutível, e isso é um ponto crítico na discussão atual. 

Para o bem do argumento, vamos supor que os três primeiros califas foram aceites por unanimidade por todos os muçulmanos. Mesmo se isso fosse verdade, essa unanimidade terminou com a morte de 'Uthmān (r.a.). 'Alī (r.a.) foi a escolha da maioria, mas também enfrentou oposição séria. Esta oposição cresceu assim como alguns dos seus seguidores também se voltaram contra ele, porque ele aceitou uma trégua com Mu'awiya. Não se encontrou nenhuma vitória, nenhuma situação ganha; uma tarefa impossível. Após 'Alī, os califas muçulmanos não ganharam poder através do consenso da maioria, como os primeiros califas, mas impondo-se sobre os seus súditos muçulmanos.

Mu'awiya (41-60 H) não era mais popular do que 'Alī ou al-Hassan, nem lhe foi dada a posição de chefe de Estado islâmico pelos muçulmanos. Ele simplesmente tomou o poder pela força, bem como astúcia, e sacrificou tudo para tomar o poder e tornar-se califa e, em seguida, passá-lo para seu filho Yazīd (60-64 H). Os Abássidas extravagantes não eram menos brutais ou mais consensualmente eleitos do que os governantes Omíadas, e os Sultões indulgentes Otomanos não eram menos ditatoriais e narcisistas, para citar apenas os principais impérios islâmicos. 

Estes governantes poderiam ter governado a maioria dos muçulmanos e países muçulmanos, mas isso não é o principal elemento do conceito do califado islâmico, como aplicado aos primeiros califas. Nenhum destes governantes e poderosos califas o foram no mesmo sentido dos primeiros califas. Além disso, os seus motivos estavam longe de ser puramente islâmicos. É revelador que os sultões otomanos conseguiram conquistas que expandiram o seu império massivamente em todas as direções mas, ainda assim, nem um único deles fez a viagem a Meca para a peregrinação ou 'umra ou visitou o Santuário do Profeta (p.e.c.e.) em Medina. A sua vontade de juntar supostas relíquias do Profeta (p.e.c.e.), em Istambul, era mais sobre a promoção do sua capital do que resultado de amor pelo Profeta (p.e.c.e.) ou prestação de um serviço para os muçulmanos. Houve raras excepções, como eu disse, como o califa omíada ʿUmar bin ʿAbd al-ʿAzīz. 

Tudo isto evidencia um facto simples: a partir da perspectiva sunita, os muçulmanos tiveram um califado por apenas 30 anos depois do Profeta (p.e.c.e.), e para os xiitas só existiu durante os cinco anos do governo de 'Alī. Os séculos posteriores de lideranças fortes, muitos dos quais governou a maioria dos muçulmanos, foram tempos de califado islâmico apenas de nome. É por isso que o alegado califado islâmico do passado é mais um mito do que uma realidade. 

Mesmo quando a comunidade muçulmana ainda era pequena, ter um califa amplamente aceite era difícil. Nem mesmo 'Alī, cuja proximidade com o Profeta (p.e.c.e.) e piedade nunca foi questionável, não pôde unir os muçulmanos. Mu'awiya percebeu que para unir os muçulmanos ou a maioria deles, os governantes tinham que recorrer às mesmas tácticas de base que todos os reis e imperadores da época: usar o poder, tomar o poder, para justificar o poder. Pode-se argumentar que se Mu'awiya tivesse aceite o califado de 'Alī a história do califado islâmico teria sido diferente. Mas a questão é que esta história alternativa preferível não se concretizou ainda que tivesse como destaque uma figura como 'Alī. 

Então, se isto é o que aconteceu naquela época, quais são as possibilidades de realização de um verdadeiro califado islâmico no mundo de hoje? Quem é que é um califa excepcionalmente talentoso e piedoso? Colocando esta questão de lado, mesmo um califa que governasse da Indonésia a Marrocos teria muitos milhões de muçulmanos que vivem em outros lugares e em diferentes sistemas políticos. E como é que poderia ter lugar uma qualquer unificação política entre os estados islâmicos ainda que fosse pela força? É por isso que um califado islâmico moderno nunca pode ser mais do que uma ilusão. 

Pode-se argumentar que, independentemente de todas as suas falhas, o califado islâmico era melhor para os muçulmanos, do que viver sob as regras de não muçulmanos. Isto era verdade para a maioria, se não fosse para todos os tempos. Na verdade, esses califas muçulmanos muito corruptos foram muitas vezes preferidos, até mesmo por não muçulmanos, a outras regras. Os judeus tiveram uma vida muito melhor e estavam mais seguros sob o governo de califas muçulmanos do que governantes cristãos. Mas isso não significa que esses califas tivessem representado uma liderança islâmica adequada. Eles não eram governantes muçulmanos genuínos, com algumas falhas; eles eram ditadores corruptos que tinham emprestado do Islão alguns dos seus belos valores. 

Mas aqui está o ponto crítico. Enquanto esse califado pode ter sido a melhor opção disponível na época, no entanto, certamente, não é uma opção hoje. Quero dizer, não só para os não muçulmanos, mas também para os muçulmanos. O califado islâmico é efetivamente um sistema de governo totalitário; por isso, por definição, é totalmente incompatível com a forma como as pessoas hoje querem viver e ser governadas. Qualquer sistema ditatorial, independentemente da sua base teológica, seria rejeitado e ressentir-se-ia pela esmagadora maioria dos muçulmanos. É por isso que qualquer grupo que busca estabelecer um califado islâmico, como a al-Qaeda e o Estado Islâmico (IS), só pode fazer isso forçando brutalmente as pessoas. Na verdade, a sua selvajaria excede até a brutalidade de outros ditadores contemporâneos, algo de que a maioria dos califas do passado não pode ser acusada. Os muçulmanos sabem que têm mais direitos humanos se viverem sob os governos não muçulmanos que sob uma versão moderna do califado islâmico terrível do passado. Porque a esmagadora maioria dos muçulmanos hoje se opõem a um califado islâmico, este projeto não tem hipóteses de sucesso. No entanto, como em qualquer guerra, pode ainda deixar para trás muitas pessoas mortas e causar sofrimento e destruição inimaginável. Para muitos, a imagem do Islão é parte do dano. 

Aqueles que querem estabelecer um califado islâmico hoje e voltar à supostamente perdida glória, são culpados de, pelo menos, uma das seguintes opções, senão, maioritariamente, de todas elas: 

  •  A ignorância da história islâmica; 
  • Promoção de uma visão incrível e irreal do califado islâmico;
  • Falha em mostrar como esse sistema pode ser implementado;
  • Tentativa de estabelecer um pequeno califado de curto prazo usando extrema brutalidade contra aque-les que eles querem governar.
Aqueles que usam a violência para conduzir o seu objectivo de um califado islâmico, como a al-Qaeda e IS, buscam o que os Omíadas, Abássidas, Fatimitas, Otomanos e outros governantes muçulmanos queriam. Do que eles estão atrás é exatamente o mesmo que os gregos, romanos, cristãos e outros reis e imperadores procuraram: poder e privilégios. A sua alegação de que querem estabelecer um califado islâmico para servir o Islão não é mais verdadeira do que a proclamação dos cruzados que travaram as suas guerras para promover e defender o cristianismo. Quando o poder e os privilégios são um motor principal, o fanatismo vem a calhar, porque o falso zelo pela religião pode ser usado para justificar a eliminação de um rival e inimigos, incluindo aqueles que partilham da mesma fé. Esta é a forma como os grupos islâmicos que buscam o califado justificam a perseguição e morte de xiitas, sufis, sunitas; eles não aprovam os muçulmanos não conformes, e muito menos os não muçulmanos. Tais grupos violentos e indivíduos são os novos cruzados; eles são em si mesmo os cruzados. 

Obrigado. Wassalam. 

M. Yiossuf Adamgy - 16/10/2014. 

Enviado para Al Furqán por: Louay Fatoohi - Traduzido por: M. Yiossuf Adamgy

O ISLÃO E OS DIREITOS HUMANOS A MUTILAÇÂO GENITAL FEMININA

Assalamo Aleikum Warahmatulah Wabarakatuhu (Com a Paz, a Misericórdia e as Bênçãos de Deus) Bismilahir Rahmani Rahim (Em nome de Deus, o Beneficente e Misericordioso) - JUMA MUBARAK

O Observatório Lusófono dos Direitos Humanos e a Escola de Direito da Universidade do Minho (Braga) convidou-me para abrir o ciclo de conferências do Seminário Permanente sobre o “Islão e os Direitos Humanos”, que se realizam às quartas-feiras durante o mês de Outubro de 2014.

Um dos temas debatidos, foi a Mutilação Genital Feminina, que continua a causar danos físicos e psicológicos em algumas mulheres africanas e não só. Segue o teor da minha intervenção efectuada no dia 01 de Outubro

MINHAS SENHORAS, MEUS SENHORES,

ASSALAMO ALEIKUM

Esta é a saudação dos muçulmanos, que significa – QUE A PAZ DE DEUS ESTEJA CONVOSCO. Utilizamos esta expressão, para saudarmos os nossos irmãos de fé e não só. Saudamos tantas vezes quantas as que encontrarmos com o mesmo irmão ou irmã, no mesmo dia. É uma forma de aumentarmos a harmonia e a amizade entre nós.

Quando Deus, o Altíssimo, criou Adão, que a Paz de Deus esteja com ele, disse-lhe:  "Dirige-te aos anjos que estão sentados acolá e atenta para o modo como te vão saudar, pois será também o modo de saudares a tua descendência". Adão se aproximou dos anjos e disse: "A Paz esteja convosco!". E eles responderam: "A Paz e a Misericórdia de Deus estejam contigo!".

O significado desta belíssima manifestação de harmonia e de irmandade, foi desvirtuada e deu origem no nosso país, ao termo "Salamaleque", cujo significado é a mesura exagerada, fazer reverências a fim de se conseguir o que se deseja, ou saudação interesseira. É por isso que em Portugal se diz "deixa de salamaleques", quando alguém exagera nas palavras interesseiras.

Em nome do Centro Cultural Islâmico do Porto, agradeço ao Observatório Lusófono dos Direitos Humanos e à Escola de Direito da Universidade do Minho, o convite que me foi endereçado para falar acerca dos direitos humanos na perspectiva do Islão. Por ser muito ampla esta temática, escolhi um assunto que apesar de ser muito antigo, ainda se mantém actual: é a Mutilação Genital Feminina.

O Islão é uma religião monoteísta, em franco crescimento pelo mundo e suscita muita curiosidade. Acreditamos em todos os Profetas enviados por Deus. Somos Judeus, porque acreditamos nos Profetas do Judaísmo. Somos Cristãos, porque acreditamos em João Baptista e em Jesus. Somos Muçulmanos porque também acreditamos em Muhammad como último mensageiro de Deus.

O Islão é um autêntico código de vida. Seguimos as tradições referidas nos Livros do Antigo Testamento, do Alcorão e da Sunnah, nomeadamente no que se refere à proibição da carne de porco, do sangue, abate dos animais para a nossa alimentação invocando o nome de Deus e a circuncisão – Al – Khitan ou Al – Tahara, a purificação, rigorosamente observada nos homens.

A circuncisão masculina é o símbolo da aliança divina. É uma tradição do Profeta Abraão (que a paz de Deus esteja com ele), circuncisado quando tinha cerca de 90 anos. Refere o Antigo Testamento “Esta é a minha aliança que guardareis entre mim e vós e a tua descendência depois de ti. Que todo o homem entre vós será circuncisado”. Génesis. E refere o Alcorão: “Vós tendes um bom exemplo em Abraão…” 60:4. Seus filhos Ismael e Isaac foram circuncisados aos 13 anos e ao 7º ou 8º dia, respectivamente. Todos os Profetas seguiram esta tradição, incluindo Moisés, Jesus e Muhammad (que a Paz de Deus esteja com eles).

Actualmente Judeus, Muçulmanos e alguns Cristãos (Cooptas) mantém esta tradição.

A circuncisão masculina consiste na remoção do prepúcio, um fator importante para a higiene. Evita-se a umidade que contribui para o agente infeccioso, cultivo de bactérias e facilidade de infiltrações no organismo. Ajuda na prevenção da sífilis e outras doenças associadas. É uma questão de limpeza, uma vez que a higiene é metade da fé islâmica. Actualmente é referida a vantagem da circuncisão masculina, devido ao alastramento da sida. Está provado cientificamente, que os homens circuncisados que vivem em países onde predominam as doenças venéreas e a sida, se encontram mais protegidos.

A origem da circuncisão é muito antiga e cada cultura tem a sua própria justificação. E o Islão segue a tradição de todos os Profetas de Deus.

Os muçulmanos que defendem circuncisão feminina, utilizam (abusivamente) esta tradição do Profeta Abraão, referindo erradamente de que a tradição da circuncisão é para os homens e para as mulheres. Para os homens, a circuncisão já foi provada que é muito benéfica e que nas mulheres é uma verdadeira mutilação, com graves inconvenientes para a saúde.

Então, qual é a posição da Religião Islâmica acerca da circuncisão feminina? Consideramos contrária aos direitos consagrados aos seres humanos pelo Alcorão,

Livro Sagrado dos Muçulmanos. É uma verdadeira mutilação aos órgãos privados da mulher!

Não devemos ter vergonha de falar e aprender acerca destes e de outros temas semelhantes, desde que a conversa não se desencaminhe para a vulgaridade. No tempo do Profeta Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam) os homens e a mulheres colocavam abertamente as perguntas, porque tinham vontade de aprender, para não cometerem pecados. É o exemplo que nos foi contado pela Umm Salama (Radiyalahu an-há): “Umm Sulaim (uma mulher) (Radiyalahu an-há) foi ter com o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) e perguntou: “Apóstolo de Deus, Deus não se envergonha da verdade. É necessário o banho completo (Gussl) quando uma mulher tem um sonho “molhado”?” O Profeta respondeu: “Sim, quando ela vê (sente) o liquido”. Muslim 3.610. Até aos anos 50 e 60, a maior parte dos nossos álimos não se sentiam à vontade para falar destes assuntos.

Preferiam ficar calados, com receio de se envolverem em polémicas. O Islam é um autêntico código de vida. Encontramos na Cur’ane, nos Hadices e na Jurisprudência Islâmica os ensinamentos para todos os aspectos da nossa vida.

A circuncisão feminina é uma prática tão antiga, que remonta ao período dos faraós do Egipto. Consiste na remoção parcial ou total dos órgãos privados da mulher - remoção do clítoris ou dos lábios circundantes. A circuncisão ainda mais danosa para a mulher é a chamada infibulação, quando inclui a costura dos lábios, deixando uma pequena abertura para a urina e a menstruação

Longe das localidades e dos cuidados médicos, são muitas vezes utilizados utensílios inadequados e sem anestesia. Qualquer ser humano que se aperceba destas monstruosidades, não deixará de se arrepiar e de condenar estas práticas.

A circuncisão feminina está enraizada nos costumes culturais, em cerca de 30 países africanos e de alguns do médio oriente. O Egipto e o Sudão são os dois países muçulmanos com maior número de mulheres circuncisadas. Abrange alguns povos que seguem diversas religiões: islâmica, cristã, animista e até judaica.

No mês de Julho deste ano, a pedido da Associação dos Guineenses do Porto, tive a oportunidade de participar numa conferência e falar para a respectiva comunidade. Um dos presentes esclareceu de que na Guiné Bissau, as pessoas vivem numa sociedade matriarcal onde as mulheres mais idosas, infelizmente sem qualquer educação escolar e religiosa, têm a palavra final no que se refere aos assuntos das aldeias. A Circuncisão Feminina ainda está enraizada nas suas mentes e muitas delas dificilmente acatarão a fatwa, o veredito religioso emitido pelos principais responsáveis religiosos das comunidades islâmicas da Guiné Bissau que afirmaram, de que esta prática é contrária aos princípios do islão. As autoridades do país também já a declararam ilegal, mas têm dificuldades em fazer valer a proibição. Só com um incremento da educação e de escolarização é que será possível acabar com este flagelo.

Na referida conferencia, foi-me dada uma justificação para a prática da Mutilação Genital Feminina na Guiné Bissau. É mais uma lenda! 

Um jovem árabe comerciante desceu a África com os seus camelos e mercadorias. Instalou-se numa localidade,  hoje uma cidade da Guiné Bissau. Enamorou-se duma jovem nativa muito bonita e casou com ela. A jovem continuava a suscitar cobiça por parte dos outros homens.  Quando o marido necessitava de viajar para vender e trocar as suas mercadorias, mandava infibulava a mulher, isto é, mandava costurar os lábios da parte privada dela, para preservar a sua castidade. Assim nasceu uma lenda que muitos ainda acreditam ser uma das origens da Mutilação Genital Feminina na Guiné Bissau. Na Europa diziam que os maridos ciumentos colocavam o cinto da castidade nas mulheres.

A infibulação, ainda praticada por alguns, causa graves problemas na mulher, porque ao coser os lábios, não permite a saída completa da urina e dos resídios da menstruação. Deixa de haver uma higiene plena, provocando doenças graves, que podem provocar graves infecções e até a morte.

A origem da circuncisão feminina praticada nos países muçulmanos, tem una explicação. O islão expandiu-se muito rapidamente após a morte do Profeta Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam). Foi uma época em que se utilizavam camelos, cavalos e outros animais para percorrerem longas distâncias e demoravam meses e muitas vezes anos para chegarem aos seus destinos. Apesar disso, em pouco tempo, o Islamismo cobriu uma grande área do Médio Oriente, da Ásia e da África. Por este motivo, alguns povos islamizados mantiveram as suas culturas e tradições ancestrais e uma delas é a circuncisão feminina.

A Lei Islâmica recomenda que uma tradição baseada na época da ignorância e que seja contrária ao Cur’ane e às tradições do Profeta, deve ser abolida. O Cur’ane refere: “Quando se lhes diz: “Vinde até à verdade que Deus revelou ao Seu enviado”. Respondem: “Basta-nos o que encontrámos proveniente de nossos pais”. O quê! Mesmo que seus pais não tivessem conhecimentos nem tivessem sido guiados? 5: 104

Refere num hadice, que no tempo do Profeta, havia uma mulher que ainda se dedicava a circuncisar as mulheres. Ela foi ter com o Profeta e perguntou-lhe se com o advento do Islão, devia ou não continuar a circuncisá-las. O Profeta teria respondido de que o poderia fazer, mas que devia raspar e não suprimir. Ao existir este hadice, poderíamos considerar como um meio de limitar e não de legitimar. 

Os Hadices, ditos do Profeta Muhammad, são classificados de: i) Válidos, que reúnem o consenso geral; ii) médios, que podem suscitar pequenas dúvidas; iii) Fraco, muitas dúvidas e iiii) Fabricados. A jurisprudência Islâmica baseia-se em primeiro lugar no Cur’ane, depois nos hadices, nos consensos e na jurisprudência.

Ora o referido dito atribuído ao Profeta é classificado de fraco, por ser contrário aos preceitos da defesa da vida consagrados no Cur’ne. Qualquer hadice que seja considerado fraco, não pode constituir uma regra religiosa. Se o hadice fosse considerado válido, não estariam todas as mulheres circuncisadas? E se fosse a intenção do Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) para que todas as mulheres muçulmanas fossem circuncisadas, não teria ele dito claramente?

O Profeta não mandou circuncisar as suas filhas e essa prática deixou de ser utilizada, com advento do Islão. Actualmente, calcula-se que este flagelo só abrange cerca de 3% das mulheres muçulmanas. Não é praticada por exemplo na Arábia Saudita, Moçambique, Indonésia, India, Paquistão, Marrocos, Irão, etc…

Uma das justificações dadas pelos homens para obrigarem as mulheres a circuncisarem é para diminuírem o prazer delas, cabendo só ao homem esse privilégio. No Islão, este argumento não encaixa nas orientações do Alcorão e nas tradições que o Profeta nos deixou. As mulheres e os homens são iguais perante Deus, conforme os versículos do Alcorão: “E quem quer que faça boas ações,seja homem ou mulher e seja crente, entrará no Paraíso”. 4:124. “E elas (as mulheres) têm os mesmos direitos sobre eles, como eles têm os mesmos direitos sobre elas”. 2:228.

Recomendou o Profeta aos homens quando estiverem com as suas esposas, para não se comportarem como animais e terem só o interesse de descarregarem os seus desejos. Perguntaram-lhe como deveriam fazer e ele respondeu: “com beijos e conversas”. Assim, nunca se poderia utilizar a circuncisão feminina com o intuito de diminuir o prazer das mulheres.

A mutilação das mulheres não se encontra referida no Alcorão e é portanto contrária aos preceitos religiosos islâmicos, tal como é a tortura que provoca sofrimento às pessoas para obtenção de falsas confissões.

“Quanto mais cívico e amistoso for um muçulmano para com a sua esposa, mais perfeita é a sua fé”. Tirmidi.

“Wa ma alaina il lal balá gul mubin" "E não nos cabe mais do que transmitir claramente a mensagem". Surat Yácin 3:17. “Wa Áhiro da wuahum anil hamdulillahi Rabil ãlamine”. E a conclusão das suas preces será: Louvado seja Deus, Senhor do Universo!”. 10.10. “Rabaná ghfirli waliwa lidaiá wa lilmuminina yau ma yakumul hisab”. “Ó Senhor nosso, no Dia da Prestação de Contas, perdoa-me a mim, aos meus pais e aos crentes”. 14:41. 

Cumprimentos

Abdul Rehman Mangá

16/10/2014

quinta-feira, outubro 16, 2014

Sheikh estão me provocando!!!

Recomendar o bem e proibir o mal não é provocação no Islam.

Não tem nada de mal em comentar e indicar erros nas postagens infelizes nem há mal em comentar posições anti islâmicas de um irmão ou irmã desde que se siga o adab islâmico, isto é se for algo pessoal deve se recomendar em privado e se for algo que fere a comunidade e o Islam em geral deve se denunciar e recomendar publicamente sem ofender com palavras baixas.

Mas certas pessoas acham que isso é provocação e não é. Aquele que assim faz do modo islâmico está cumprindo com seu dever de muçulmano ou muçulmana. E Jazakum Allahu khair.

Mas virou moda as pessoas admoestadas falarem '' estou sendo provocado'', ''estou sendo vitima de perseguição'', ''estão me perturbando''.

Se fazer de vitima é fácil!!! Ouvir admitir o erro se concertar só é difícil para os arrogantes e a arrogância é um grave desvio.

Saiba que se Allah está permitindo que você seja admoestado isso é uma Misericórdia de Allah para com você.

Por outro lado tem a turma do deixa disso ou turma do ''o problema não é meu'', e dos ''defensores das vítimas da correção''.

Muitos de nós vemos declarações contrárias ao Alcorão a Sunnah e a Shari'a e as declarações e atos das gerações bem guiadas e silenciamos... Subhannah Allah!!!

Sabemos que ''arrumar briga'' com certas pessoas e com certos ''grupinhos'' fere o interesse de certas pessoas (interesses de se sentirem parte do grupo, de manterem ''status'' que conseguiram dentro da tal comunidade, de continuar sendo aquele irmão e irmã ''politicamente correto'' que agrada a todos e recebe sorrisos tapinhas nas costas e aplausos por não se posicionar nem contra nem a favor...muito pelo contrário...), por isso muitas dessas pessoas tem medo de conversar sério de falar a verdade sobre o Islam, e de se posicionar publicamente no facebook e em outros locais quanto a essas questões.

Mas a nossa obrigação é recomendar o bem e proibir o mal.

Também dentro da nossa sociedade existe infelizmente o problema étnico, se fosse um brasileiro fazendo tais inovações como as que presenciamos em alguns perfís conhecidos, esse já teria sido rechaçado da comunidade e não lhe dariam nem mas salam, e estaria sendo sempre taxado como criminoso.... Como já aconteceu e acontece com algumas figurinhas marcadas que frequentam o facebook (não estou defendendo essas figuras e sim dizendo que deveriam dar o mesmo tratamento a pessoas de todas as etnias)...

Inifelizmente na sociedade islâmica brasileira existem quanto a etnia sempre dois pesos duas medidas (tanto quanto a quem faz e diz algo de bom, quanto a quem comete um erro)... E isso não é islam islam é justiça seja a quem for!!!

No Islam certo e certo e errado é errado e um dos maiores exemplos é a afirmação do Profeta saws que disse: Juro por Allah que se minha filha Fatima roubasse eu lhe cortaria a mão!

Acordem meus irmãos!!! Voltemos ao Alcorão e a Sunnah, pois com certeza nossa nação este muito longe das orientações de Allah exceto poucos. E Allah disse: Allah não guia povo injusto.

Preservemos nossa comunidade da inovação (bid'a) e as casas de Allah das coisas horríveis que temos visto.

Que Allah guie aqueles que querem ser guiados e querem ser justos para consigo mesmo e com as pessoas em geral. Amin.

Assalamu Aleikom wa Ramatulahi wa Baraketuh!

segunda-feira, outubro 13, 2014

Islão e os Direitos Humanos

Prezados Irmãos e Caríssimos Leitores!
Assalamu Alaikum:
Uma das questões polêmicas no diálogo entre a cultura ocidental moderna e o mundo islâmico é o tema dos direitos humanos. Há uma divergência fundamental no que se refere à concepção filosófica desses direitos. Neste artigo, naturalmente, não temos a pretensão de abordar o tema em toda sua amplitude. Pretendemos apenas explicar em linhas gerais a visão islâmica sobre os direitos humanos, esclarecendo as razões para o impasse conceitual estabelecido. 

Lamentavelmente, o tema em questão com frequência tem servido como instrumento de pressão política nas relações internacionais. Ao se aceitar o perigoso e falso pressuposto que contrapõe "sociedades modernas e democráticas" ou "a civilização contemporânea" ao mundo supostamente "incivilizado", "retrógrado" e não democrático, se elimina toda a possibilidade de diálogo sério. Ao se adjectivar as sociedades do mundo islâmico que optam por sua própria cultura e organização política, que não se pautam pelos modelos ocidentais, de "sociedades atrasadas" se escolhe uma solução reducionista que justifica o conflito. Na base desse conflito filosófico, a meu ver, se encontra o propósito do ocidente de fazer prevalecer "os seus valores", a "sua própria cultura" a todas as demais. Ao considerar os seus valores, sua própria cultura e sua visão particular sobre os direitos humanos, universais e superiores, o ocidente leva a discussão a um beco sem saída. 

O princípio humanista, que no decorrer dos últimos séculos no ocidente inspirou a formulação do que hoje chamamos de "direitos fundamentais do homem", não é algo surgido ou nascido no próprio ocidente; não pertence a uma construção histórica isolada que, segundo alguns, teria suas sementes na herança do chamado "berço da civilização ocidental", isto é, da civilização grega, e especificamente, no seu caráter político, na jurisprudência romana. Esta análise acadêmica da história nada mais é do que a visão eurocêntrica do mundo, a qual, não deveria mais ser considerada. A imensa riqueza nos campos da ética, da filosofia e do direito presente em outras civilizações antigas, dentre elas a civilização islâmica, foi simplesmente ignorada por essa visão eurocêntrica que, negando as evidências da própria história, pretendeu reivindicar para si a exclusividade sobre o conceito de "civilização". 

Portanto, a discussão sobre a divergência entre a cultura moderna ocidental e o Islão acerca do tema dos direitos humanos deve partir de um posicionamento livre de preconceitos ou pressupostos infundados. 

O Conceito de Direitos Humanos e o Islão 

Muito antes do renascimento europeu e das primeiras formulações filosóficas sobre os direitos do homem, o Islão estabeleceu princípios perfeitamente claros sobre os direitos fundamentais. Pelo menos seis séculos antes do pensamento europeu o Islão tratou dos direitos da mulher, por exemplo, negando a posição inferiorizada que a Igreja lhe destinou durante a Idade Média. A esse respeito, sabemos que enquanto a mulher no ocidente só adquiriu o direito de propriedade em fins do século XIX, este direito já fora especificado no próprio Livro Sagrado do Islão cerca de mil e quatrocentos anos antes. 

Entretanto, a concepção desses direitos não tem cor-respondência com a concepção clássica desenvolvida no ocidente sobre direitos humanos. 

O primeiro ponto a se destacar é que a expressão "direitos humanos" ou o termo "direito" não são encon-trados no Alcorão, na acepção a eles conferida na cultura ocidental. O termo “direito" nas fontes islâmicas, isto é, no Alcorão e nas tradições, possui o sentido de "aquilo que é devido ou que cabe a" em virtude de uma ordem hierárquica universal. O importante a ser entendido aqui é que, as duas concepções de direito (a islâmica e a ocidental) partem de fundamentos diversos. 

Quando falamos de "direitos humanos" na visão ocidental, falamos de um conjunto de direitos, desenvolvido a partir de diferentes ideias pelos teóricos políticos e sociais; o que na verdade constitui um conjunto em que há muita controvérsia. Podemos aceitar que muito do que há nessas ideias se origina das fontes clássicas greco-romanas, uma vez que, a partir dessas fontes todos os principais pensadores ocidentais, dentre eles Locke e Hobbes, desenvolveram o tema. Nesse sentido, é possível dizer que o conceito de "direitos humanos", tal como se desenvolveu no ocidente, não é um conceito islâmico. O que não quer dizer que a concepção islâmica de "direito" necessariamente seja contrária ao espírito de todos esses direitos. Em suma, nem todos os juízos de valor estabelecidos com base na visão ocidental de direitos humanos devem ser considerados não-islâmicos. 

No que diz respeito ao Islão, o conceito de direito, surge de uma Ordem Divina. E se estabelece como um conjunto de deveres. É precisamente esse princípio que diferencia o conceito islâmico de direito do conceito de direitos humanos desenvolvidos no ocidente. Toda a atribuição de "direito" no Islão tem origem nos preceitos e ordens de Deus, não numa condição natural de direito, tal como o pensamento clássico liberal interpreta. 

Assim, é possível dizer que no Islão, há o direito dos indivíduos, o direito da comunidade, o direito da criança, do idoso ou da mulher; o direito do trabalhador e do proprietário, etc. Porém, não há o reconhecimento do direito humano de forma genérica, justificado pela mera condição humana. 

A Vida Humana e a Escala de Valor dos Direitos na Concepção Islâmica 

A inviolabilidade da vida humana, no Islão, não é um conceito filosófico, mas uma ordem divina; expressa no Livro de Deus e na tradição profética. Como ordem divina, possui sua aplicação, suas condições e as circunstâncias de excepção. O seguinte versículo do Alcorão, por exemplo, apresenta implicitamente a inviolabilidade da vida humana e explicitamente duas circunstâncias de excepção: 

«...Quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado a corrupção na terra, será considerado como se tivesse assassinado toda a humanidade; quem a salvar, será reputado como se tivesse salvo toda a humanidade...». (5:32.) 

Dois pontos podem ser prontamente inferidos do que é dito no versículo: 

1. O reconhecimento do valor da vida humana. 

2. A evidência de que o valor da vida humana não é absoluto; que como valor, está inserido numa ordem hierárquica de valores. 

Qualquer concepção sobre direitos depende do critério sobre o valor da vida humana. Ainda que não exista uma divergência sobre esse ponto, há um entendimento diferente entre o pensamento liberal do ocidente e o Islão sobre as deduções possíveis disso. Para o pensamento liberal, o reconhecimento do direito a vida justifica automaticamente o reconhecimento de todos os demais direitos constantes nas declarações universais de direitos humanos. 

Para o Islão, porém, não há, no reconhecimento do direito a vida uma dedução implícita dos demais direitos. Da mesma maneira que não há um carácter absoluto no valor da vida, todo e qualquer direito é condicional e limitado. Ambas as afirmações, naturalmente, são inaceitáveis para os proponentes da causa dos direitos humanos, tal como são entendidos no mundo ocidental. 

Entretanto, o facto de o Islão não reconhecer que o direito a vida forneça um suporte automático aos direitos e proteções reconhecidas no ocidente, nada impede que a jurisprudência islâmica atue no sentido de inferir, a partir da shari'ah (lei divina) os direitos autênticos. Ou seja, os direitos que se conformem às condições da lei islâmica. O mesmo ocorre no que diz respeito ao não-reconhecimento de direitos absolutos. Há uma vasta gama de direitos que o pensamento liberal defende, que são perfeitamente reconhecidos pelo Islão, sem que com isso sejam considerados absolutos ou incondicionais. 

Direitos Individuais e Direitos Coletivos 

Não há no Islão, base ou evidência jurídica para que se estabeleçam direitos individuais de forma precedente aos direitos colectivos. De facto, a principal razão para os direitos individuais serem considerados condicionais e limitados se encontra na importância dada, no Islão, aos direitos colectivos. Tomemos por exemplo, o direi-to a propriedade privada. A jurisprudência islâmica afirma o direito a propriedade. No entanto, esse direito não significa total liberdade; o indivíduo não tem o direito de utilizar sua propriedade para lesar os direitos colectivos. 

Essa prioridade do espírito colectivo impede que ocorra, numa sociedade regida pela shari'ah, a ascensão de uma mentalidade radicalmente individualista. Na qual, cada indivíduo ou grupo pleiteia os seus próprios interesses, quer sejam legítimos ou não, em nome de "direitos". A confusão entre "interesses" e "direitos" produz imediatamente o possível desvirtuamento do próprio sentido da noção de direito, permitindo muitas vezes que, por vias legais e políticas, um grupo se beneficie lesando os direitos de toda a sociedade. 

O Islão e a Crença Numa Escala de Valor Suprema 

Mencionamos a existência de uma ordem hierárquica de valores. Falamos do carácter condicional e limitado do valor dos direitos. Por conseguinte, a rejeição do Islão à noção do pensamento liberal de direitos absolutos ou universais. A base para essa rejeição são as fontes da lei e da fé islâmica: o Alcorão e a Sunna profética. 

O Alcorão afirma o direito de Deus sobre as criaturas, e este direito ocupa a posição superior na escala de valores que deve ser acatada por todos os muçulmanos. Trata-se de um direito incondicional, pois Deus, Exaltado Seja, é o Supremo Legislador, o Único Dono de todas as coisas, Criador de todas as coisas. Sua Palavra é a fonte da Lei divina e Ele é Quem confere direitos e de-veres. 

Todos os direitos mencionados ou inferidos das fontes islâmicas, no sentido expresso de "o que é devido à" e não no sentido dado pelos filósofos políticos do ocidente, seguem essa ordem hierárquica de valor. Ou seja, não se estabelecem por si mesmos, mas pela determinação de Deus. Logo, não existe o direito legítimo que contrarie a vontade de Deus. 

Enquanto na perspectiva dos defensores contemporâneos dos direitos humanos, reivindicações diversas ocupam o mesmo status, valor e legitimidade, para o Islão, a medida básica de avaliação para as reivindicações de direitos é a sua conformidade com a Lei Divina. 

Do ponto de vista islâmico, a avaliação homogênea do vasto conjunto de garantias e direitos reivindicados no mundo moderno, artificialmente rotulados de "direitos humanos", é absurda e inaceitável. Se por um lado, o Islão, por exemplo, acata como legítima a reivindicação dos trabalhadores por um trabalho dignamente remunerado, com garantias legais de segurança no exercício de suas funções, por outro, rejeita inteiramente reivindicações como a de grupos organizados em vários países de reconhecimento da prostituição como pro-fissão legalizada. 

Enquanto o primeiro exemplo se trata de uma reivindicação legítima para o Islão, o segundo é absoluta-mente ilegítimo, pois não há direito para a transgressão da Lei Divina. 

O Desafio da Nação Islâmica 

A crescente pressão política e diplomática das potências e das organizações humanitárias do ocidente sobre o mundo islâmico, para que o programa ideológico dos direitos humanos seja implementado nos seus países, faz parte da lógica de ampliação de uma visão de mundo particular. A ideia de uma globalização econômica naturalmente é acompanhada de uma globalização cultural, que não significa outra coisa senão a imposição de valores e crenças convenientemente nomeados de "universais". 

Os valores e crenças consagrados pelo pensamento liberal são exatamente aqueles que asseguram a continuidade da grande máquina do Mercado. O pensamento humanista e as inclinações humanitárias que são apresentadas como bases para a causa dos direitos humanos, não dão as cartas nas relações políticas e nas decisões de poder, nem no mundo político, tampouco no sistema econômico mundial. Na realidade, é a visão e o interesse do Mercado que determina até que ponto uma reivindicação deve ser consagrada como "direito." 

As nações que se apresentam como líderes na defesa dos direitos humanos, são as primeiras a violá-los, sempre que seus interesses estejam em jogo. Não faltam justificativas práticas para calar as vozes contrárias que se levantam nos seus próprios países. Não raro a causa dos direitos humanos é grosseiramente posta a serviço de interesses geopolíticos. Governos são estigmatizados como "regimes inimigos da liberdade" pela simples razão de se oporem aos interesses das potências mundiais. Campanhas mediá-ticas são desencadeadas, não somente contra países muçulmanos, com o intuito de alimentar o descrédito contra esses governos. Ao mesmo tempo, regimes que colaboram com os interesses das potências, ainda que cometam desmandos ainda mais graves, são tolerados e seu desrespeito aos direitos humanos passa a não merecer a atenção da grande mídia internacional.

Uma nação poderosa economicamente como a China supera com facilidade as críticas a seu sistema penal rigoroso; a pena de morte praticada em trinta e cinco estados norte-americanos ou na Arábia Saudita, uma tradicional aliada dos EUA, não desperta grande indignação da mídia, quando o mesmo não pode ser afirmado sobre o regime islâmico do Irão. Um regime aliado dos EUA na América Latina como o colombiano, pode aplicar políticas de eliminação e perseguição de populações indígenas, em nome da luta contra o narcotráfico, sem que desperte a mínima atenção da grande mídia do ocidente. No entanto, os seus vizinhos não aliados aos interesses norte-americanos estarão constantemente na mira da mídia internacional, não importando realmente até que ponto respeitem as liberdades individuais ou não. 

Entretanto, esta crítica não significa em absoluto que discordar do conceito ocidental de direitos humanos seja concordar com a violação dos direitos legítimos em qual-quer parte do mundo. 

Nota:  Os Direitos Humanos e a Justiça no Islão 

O Islão fornece muitos direitos humanos para o indivíduo. A seguir alguns desses direitos humanos que o Islão protege: 

A vida e propriedade de todos os cidadãos num estado islâmico são consideradas sagradas, seja essa pessoa muçulmana ou não. O Islão também protege a honra. Portanto, no Islão, insultar outras pessoas ou zombar delas não é permitido. O Profeta Muhammad (p.e.c.e.) disse: «Na verdade, o sangue, a propriedade e a honra de um ser humano são invioláveis». (Sahih Muslim, #1739, e Musnad Ahmad, #2037). 

O racismo não é permitido no Islão, porque o Alcorão fala de igualdade humana nos seguintes termos: «Ó humanos! Nós vos criamos de um macho e uma fêmea e vos separamos em nações e tribos para que conhecessem uns aos outros. Na verdade, o mais nobre entre vós para Deus é o mais piedoso…» (Alcorão, 49:13). 

O Islão rejeita que certos indivíduos ou nações sejam favorecidos por conta de sua riqueza, poder ou raça. Deus criou os seres humanos como iguais, que são para serem distinguidos uns dos outros apenas com base na sua fé e piedade. O Profeta Muhammad (p.e.c.e.) disse: «Ó povo! Seu Deus é um e seu pai (Adão) é um. Um árabe não é melhor que um não-árabe e um não-árabe não é melhor que um árabe, e uma pessoa branca não é melhor que uma pessoa negra e uma pessoa negra não é melhor que uma pessoa branca, exceto em piedade». (Musnad Ahmad, #22978). 

Um dos maiores problemas enfrentados pela humanidade hoje é o racismo. O mundo desenvolvido pode enviar um homem à lua mas não pode impedir o homem de odiar e combater o seu semelhante. Desde os dias do Profeta Muhammad (p.e.c.e.), o Islão forneceu exemplos vividos de como o racismo pode ser terminado. A peregrinação anual (Hajj) à Meca mostra a irmandade islâmica real de todas as raças e nações, quando em torno de mais de três milhões de muçulmanos de todo o mundo vão à Meca fazer a peregrinação. 

O Islão é a religião da justiça: «Na verdade, Deus ordena que devolvais o que lhes foi confiado a seus donos, e que quando julgardes entre as pessoas, que julgueis com justiça...». (Alcorão,4:58) E Ele disse: «E sede justos. Na verdade, Deus ama aqueles que são justos». (Alcorão, 49:9). 

Nós devemos ser justos inclusive com aqueles que odiamos, como Deus disse: «...E que o ódio para com um povo não vos induza à injustiça. Sede justos: isso é o mais próximo da piedade...». (Alcorão, 5:8). 

O Profeta Muhammad (p.e.c.e.) disse: «Ó Povo! Cuidado com a injustiça, porque a injustiça deve ser a escuridão no Dia do Juízo». (Musnad Ahmad, #5798 e Sahih Al-Bukhari, #2447). 

E aqueles que não receberam os seus direitos (isto é, que têm uma reclamação justa) nessa vida, os receberão no Dia do Juízo, conforme o Profeta (p.e.c.e.) disse: «No Dia do Juízo, os direitos serão dados a quem de direito (e os erros serão corrigidos». (Sahih Muslim, #2582, e Musnad Ahmad, #7163). — in Revista Al Furqán.
Obrigado. Wassalam.
M. Yiossuf Adamgy - 09/10/2014.

Por: Ahmed Ismail