sexta-feira, outubro 17, 2014

O ISLÃO E OS DIREITOS HUMANOS A MUTILAÇÂO GENITAL FEMININA

Assalamo Aleikum Warahmatulah Wabarakatuhu (Com a Paz, a Misericórdia e as Bênçãos de Deus) Bismilahir Rahmani Rahim (Em nome de Deus, o Beneficente e Misericordioso) - JUMA MUBARAK

O Observatório Lusófono dos Direitos Humanos e a Escola de Direito da Universidade do Minho (Braga) convidou-me para abrir o ciclo de conferências do Seminário Permanente sobre o “Islão e os Direitos Humanos”, que se realizam às quartas-feiras durante o mês de Outubro de 2014.

Um dos temas debatidos, foi a Mutilação Genital Feminina, que continua a causar danos físicos e psicológicos em algumas mulheres africanas e não só. Segue o teor da minha intervenção efectuada no dia 01 de Outubro

MINHAS SENHORAS, MEUS SENHORES,

ASSALAMO ALEIKUM

Esta é a saudação dos muçulmanos, que significa – QUE A PAZ DE DEUS ESTEJA CONVOSCO. Utilizamos esta expressão, para saudarmos os nossos irmãos de fé e não só. Saudamos tantas vezes quantas as que encontrarmos com o mesmo irmão ou irmã, no mesmo dia. É uma forma de aumentarmos a harmonia e a amizade entre nós.

Quando Deus, o Altíssimo, criou Adão, que a Paz de Deus esteja com ele, disse-lhe:  "Dirige-te aos anjos que estão sentados acolá e atenta para o modo como te vão saudar, pois será também o modo de saudares a tua descendência". Adão se aproximou dos anjos e disse: "A Paz esteja convosco!". E eles responderam: "A Paz e a Misericórdia de Deus estejam contigo!".

O significado desta belíssima manifestação de harmonia e de irmandade, foi desvirtuada e deu origem no nosso país, ao termo "Salamaleque", cujo significado é a mesura exagerada, fazer reverências a fim de se conseguir o que se deseja, ou saudação interesseira. É por isso que em Portugal se diz "deixa de salamaleques", quando alguém exagera nas palavras interesseiras.

Em nome do Centro Cultural Islâmico do Porto, agradeço ao Observatório Lusófono dos Direitos Humanos e à Escola de Direito da Universidade do Minho, o convite que me foi endereçado para falar acerca dos direitos humanos na perspectiva do Islão. Por ser muito ampla esta temática, escolhi um assunto que apesar de ser muito antigo, ainda se mantém actual: é a Mutilação Genital Feminina.

O Islão é uma religião monoteísta, em franco crescimento pelo mundo e suscita muita curiosidade. Acreditamos em todos os Profetas enviados por Deus. Somos Judeus, porque acreditamos nos Profetas do Judaísmo. Somos Cristãos, porque acreditamos em João Baptista e em Jesus. Somos Muçulmanos porque também acreditamos em Muhammad como último mensageiro de Deus.

O Islão é um autêntico código de vida. Seguimos as tradições referidas nos Livros do Antigo Testamento, do Alcorão e da Sunnah, nomeadamente no que se refere à proibição da carne de porco, do sangue, abate dos animais para a nossa alimentação invocando o nome de Deus e a circuncisão – Al – Khitan ou Al – Tahara, a purificação, rigorosamente observada nos homens.

A circuncisão masculina é o símbolo da aliança divina. É uma tradição do Profeta Abraão (que a paz de Deus esteja com ele), circuncisado quando tinha cerca de 90 anos. Refere o Antigo Testamento “Esta é a minha aliança que guardareis entre mim e vós e a tua descendência depois de ti. Que todo o homem entre vós será circuncisado”. Génesis. E refere o Alcorão: “Vós tendes um bom exemplo em Abraão…” 60:4. Seus filhos Ismael e Isaac foram circuncisados aos 13 anos e ao 7º ou 8º dia, respectivamente. Todos os Profetas seguiram esta tradição, incluindo Moisés, Jesus e Muhammad (que a Paz de Deus esteja com eles).

Actualmente Judeus, Muçulmanos e alguns Cristãos (Cooptas) mantém esta tradição.

A circuncisão masculina consiste na remoção do prepúcio, um fator importante para a higiene. Evita-se a umidade que contribui para o agente infeccioso, cultivo de bactérias e facilidade de infiltrações no organismo. Ajuda na prevenção da sífilis e outras doenças associadas. É uma questão de limpeza, uma vez que a higiene é metade da fé islâmica. Actualmente é referida a vantagem da circuncisão masculina, devido ao alastramento da sida. Está provado cientificamente, que os homens circuncisados que vivem em países onde predominam as doenças venéreas e a sida, se encontram mais protegidos.

A origem da circuncisão é muito antiga e cada cultura tem a sua própria justificação. E o Islão segue a tradição de todos os Profetas de Deus.

Os muçulmanos que defendem circuncisão feminina, utilizam (abusivamente) esta tradição do Profeta Abraão, referindo erradamente de que a tradição da circuncisão é para os homens e para as mulheres. Para os homens, a circuncisão já foi provada que é muito benéfica e que nas mulheres é uma verdadeira mutilação, com graves inconvenientes para a saúde.

Então, qual é a posição da Religião Islâmica acerca da circuncisão feminina? Consideramos contrária aos direitos consagrados aos seres humanos pelo Alcorão,

Livro Sagrado dos Muçulmanos. É uma verdadeira mutilação aos órgãos privados da mulher!

Não devemos ter vergonha de falar e aprender acerca destes e de outros temas semelhantes, desde que a conversa não se desencaminhe para a vulgaridade. No tempo do Profeta Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam) os homens e a mulheres colocavam abertamente as perguntas, porque tinham vontade de aprender, para não cometerem pecados. É o exemplo que nos foi contado pela Umm Salama (Radiyalahu an-há): “Umm Sulaim (uma mulher) (Radiyalahu an-há) foi ter com o Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) e perguntou: “Apóstolo de Deus, Deus não se envergonha da verdade. É necessário o banho completo (Gussl) quando uma mulher tem um sonho “molhado”?” O Profeta respondeu: “Sim, quando ela vê (sente) o liquido”. Muslim 3.610. Até aos anos 50 e 60, a maior parte dos nossos álimos não se sentiam à vontade para falar destes assuntos.

Preferiam ficar calados, com receio de se envolverem em polémicas. O Islam é um autêntico código de vida. Encontramos na Cur’ane, nos Hadices e na Jurisprudência Islâmica os ensinamentos para todos os aspectos da nossa vida.

A circuncisão feminina é uma prática tão antiga, que remonta ao período dos faraós do Egipto. Consiste na remoção parcial ou total dos órgãos privados da mulher - remoção do clítoris ou dos lábios circundantes. A circuncisão ainda mais danosa para a mulher é a chamada infibulação, quando inclui a costura dos lábios, deixando uma pequena abertura para a urina e a menstruação

Longe das localidades e dos cuidados médicos, são muitas vezes utilizados utensílios inadequados e sem anestesia. Qualquer ser humano que se aperceba destas monstruosidades, não deixará de se arrepiar e de condenar estas práticas.

A circuncisão feminina está enraizada nos costumes culturais, em cerca de 30 países africanos e de alguns do médio oriente. O Egipto e o Sudão são os dois países muçulmanos com maior número de mulheres circuncisadas. Abrange alguns povos que seguem diversas religiões: islâmica, cristã, animista e até judaica.

No mês de Julho deste ano, a pedido da Associação dos Guineenses do Porto, tive a oportunidade de participar numa conferência e falar para a respectiva comunidade. Um dos presentes esclareceu de que na Guiné Bissau, as pessoas vivem numa sociedade matriarcal onde as mulheres mais idosas, infelizmente sem qualquer educação escolar e religiosa, têm a palavra final no que se refere aos assuntos das aldeias. A Circuncisão Feminina ainda está enraizada nas suas mentes e muitas delas dificilmente acatarão a fatwa, o veredito religioso emitido pelos principais responsáveis religiosos das comunidades islâmicas da Guiné Bissau que afirmaram, de que esta prática é contrária aos princípios do islão. As autoridades do país também já a declararam ilegal, mas têm dificuldades em fazer valer a proibição. Só com um incremento da educação e de escolarização é que será possível acabar com este flagelo.

Na referida conferencia, foi-me dada uma justificação para a prática da Mutilação Genital Feminina na Guiné Bissau. É mais uma lenda! 

Um jovem árabe comerciante desceu a África com os seus camelos e mercadorias. Instalou-se numa localidade,  hoje uma cidade da Guiné Bissau. Enamorou-se duma jovem nativa muito bonita e casou com ela. A jovem continuava a suscitar cobiça por parte dos outros homens.  Quando o marido necessitava de viajar para vender e trocar as suas mercadorias, mandava infibulava a mulher, isto é, mandava costurar os lábios da parte privada dela, para preservar a sua castidade. Assim nasceu uma lenda que muitos ainda acreditam ser uma das origens da Mutilação Genital Feminina na Guiné Bissau. Na Europa diziam que os maridos ciumentos colocavam o cinto da castidade nas mulheres.

A infibulação, ainda praticada por alguns, causa graves problemas na mulher, porque ao coser os lábios, não permite a saída completa da urina e dos resídios da menstruação. Deixa de haver uma higiene plena, provocando doenças graves, que podem provocar graves infecções e até a morte.

A origem da circuncisão feminina praticada nos países muçulmanos, tem una explicação. O islão expandiu-se muito rapidamente após a morte do Profeta Muhammad (Salalahu Aleihi Wassalam). Foi uma época em que se utilizavam camelos, cavalos e outros animais para percorrerem longas distâncias e demoravam meses e muitas vezes anos para chegarem aos seus destinos. Apesar disso, em pouco tempo, o Islamismo cobriu uma grande área do Médio Oriente, da Ásia e da África. Por este motivo, alguns povos islamizados mantiveram as suas culturas e tradições ancestrais e uma delas é a circuncisão feminina.

A Lei Islâmica recomenda que uma tradição baseada na época da ignorância e que seja contrária ao Cur’ane e às tradições do Profeta, deve ser abolida. O Cur’ane refere: “Quando se lhes diz: “Vinde até à verdade que Deus revelou ao Seu enviado”. Respondem: “Basta-nos o que encontrámos proveniente de nossos pais”. O quê! Mesmo que seus pais não tivessem conhecimentos nem tivessem sido guiados? 5: 104

Refere num hadice, que no tempo do Profeta, havia uma mulher que ainda se dedicava a circuncisar as mulheres. Ela foi ter com o Profeta e perguntou-lhe se com o advento do Islão, devia ou não continuar a circuncisá-las. O Profeta teria respondido de que o poderia fazer, mas que devia raspar e não suprimir. Ao existir este hadice, poderíamos considerar como um meio de limitar e não de legitimar. 

Os Hadices, ditos do Profeta Muhammad, são classificados de: i) Válidos, que reúnem o consenso geral; ii) médios, que podem suscitar pequenas dúvidas; iii) Fraco, muitas dúvidas e iiii) Fabricados. A jurisprudência Islâmica baseia-se em primeiro lugar no Cur’ane, depois nos hadices, nos consensos e na jurisprudência.

Ora o referido dito atribuído ao Profeta é classificado de fraco, por ser contrário aos preceitos da defesa da vida consagrados no Cur’ne. Qualquer hadice que seja considerado fraco, não pode constituir uma regra religiosa. Se o hadice fosse considerado válido, não estariam todas as mulheres circuncisadas? E se fosse a intenção do Profeta (Salalahu Aleihi Wassalam) para que todas as mulheres muçulmanas fossem circuncisadas, não teria ele dito claramente?

O Profeta não mandou circuncisar as suas filhas e essa prática deixou de ser utilizada, com advento do Islão. Actualmente, calcula-se que este flagelo só abrange cerca de 3% das mulheres muçulmanas. Não é praticada por exemplo na Arábia Saudita, Moçambique, Indonésia, India, Paquistão, Marrocos, Irão, etc…

Uma das justificações dadas pelos homens para obrigarem as mulheres a circuncisarem é para diminuírem o prazer delas, cabendo só ao homem esse privilégio. No Islão, este argumento não encaixa nas orientações do Alcorão e nas tradições que o Profeta nos deixou. As mulheres e os homens são iguais perante Deus, conforme os versículos do Alcorão: “E quem quer que faça boas ações,seja homem ou mulher e seja crente, entrará no Paraíso”. 4:124. “E elas (as mulheres) têm os mesmos direitos sobre eles, como eles têm os mesmos direitos sobre elas”. 2:228.

Recomendou o Profeta aos homens quando estiverem com as suas esposas, para não se comportarem como animais e terem só o interesse de descarregarem os seus desejos. Perguntaram-lhe como deveriam fazer e ele respondeu: “com beijos e conversas”. Assim, nunca se poderia utilizar a circuncisão feminina com o intuito de diminuir o prazer das mulheres.

A mutilação das mulheres não se encontra referida no Alcorão e é portanto contrária aos preceitos religiosos islâmicos, tal como é a tortura que provoca sofrimento às pessoas para obtenção de falsas confissões.

“Quanto mais cívico e amistoso for um muçulmano para com a sua esposa, mais perfeita é a sua fé”. Tirmidi.

“Wa ma alaina il lal balá gul mubin" "E não nos cabe mais do que transmitir claramente a mensagem". Surat Yácin 3:17. “Wa Áhiro da wuahum anil hamdulillahi Rabil ãlamine”. E a conclusão das suas preces será: Louvado seja Deus, Senhor do Universo!”. 10.10. “Rabaná ghfirli waliwa lidaiá wa lilmuminina yau ma yakumul hisab”. “Ó Senhor nosso, no Dia da Prestação de Contas, perdoa-me a mim, aos meus pais e aos crentes”. 14:41. 

Cumprimentos

Abdul Rehman Mangá

16/10/2014

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