quarta-feira, agosto 21, 2013

A Compaixão no Islão - Por: M. Yiossuf Adamgy (Director da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán)

Será a compaixão central ao Islão? Muitas pessoas pensam que a jihád é mais importante para o Islão do que a compaixão. Pelo menos, esta é a impressão geral das pessoas, incluindo, naturalmente, os muçulmanos. Mas não é bem assim. A compaixão é muito mais central ao Islão do que a jihád. Certos acontecimentos na história do Islão e também no mundo contemporâneo é que fizeram com que esta impressão sobre a jihád se fosse espalhando...

De fato, a compaixão representa o verdadeiro espírito do Islão e é muito mais essencial aos ensnamentos islâmicos do que outra coisa qualquer. Existem certas palavras-chave no Alcorão que são extremamente destacadas, das quais quatro são frequentemente repetidas: rahmah, ihsan, ‘adl e hikmah (compaixão, bondade, justiça e sabedoria). Rahmah (compaixão, misericórdia) e as suas raízes abundam no Alcorão Sagrado. Entre os próprios nomes de Deus (ár. Allah) estão Rahman e Rahim (Beneficente e Misericor-dioso). Um muçulmano começa tudo por recitar Biçm-i-Allah al-Rahman al-Rahim (ou seja, começará em nome de Allah, Beneficente e Misericordioso). Assim, um muçulmano deverá invocar Deus como sendo compas-sivo e misericordioso em todos os momentos. Não invoca os outros nomes de Allah (de acordo com a crença islâmica, Allah tem 99 nomes), apenas o invoca como sendo Misericordioso e Compassivo.

O Alcorão também diz que os crentes (Mu'minin) são misericordiosos uns com os outros. Allah é chamado, pelo Alcorão, como Rahim e Rahman. E de acordo com Mufradat, do Imame Raghib, Rahman é Aquele cuja misericórdia engloba todos, não apenas todos os seres humanos, mas também toda a criação. Assim, só Deus pode ser Rahman, ninguém mais. Nós, os seres humanos, temos as nossas próprias limitações.

Amamos os nossos companheiros religiosos mais do que aqueles que pertencem a outros grupos religiosos; amamos aqueles que falam a nossa própria língua mais do que aqueles que falam outras línguas; e amamos os seres humanos mais do que os animais.

Mas não é assim com Allah. Allah ama e concede a Sua misericórdia de forma igual para todos. E se fomos realmente crentes em Allah, também não devemos fazer tais distinções. Devemos amar todos os seres humanos, independentemente de pertencerem ou não à nossa religião, falarem ou não a mesma língua ou terem ou não a nossa cor de pele. Se Deus é Rahman (Misericordioso) para todos nós, os Seus servos também devem tentar imitá-Lo tanto quanto puderem. A verdadeira ‘ibadah (adoração) pode apenas ser afirmada quando tentamos beber os elementos da Sua conduta.

Desta forma, um verdadeiro muçulmano é aquele que, embora fiel às suas tradições, mostra igual amor e compaixão por todos os seres humanos, quer pertençam ou não à sua fé. Cada fé é única e deverá ser reconhecida como tal, mas não deve ser uma ferramenta para a discriminação. O próprio Alcorão declara que todos os seres humanos, todos os filhos de Adão foram honrados da mesma forma (17:70). Assim, não há justificação para mostrar discriminação com base na religião, no que respeita aos ensinamentos do Alcorão.

Muitos ‘Ulema (eruditos) proeminentes alegaram que Deus é Rahman (Misericordioso) porque gostava até de kafirs (descrentes). Há uma importante tradição sufi que é um bom indicador desta compaixão de Allah. Diz- -se que o Profeta Ibrahim (Abraão), paz esteja com ele, não comia a menos que houvesse algum convidado na sua mesa. Uma vez, aconteceu que nenhum convidado apareceu e o Profeta Abraão (a.s.) estava com fome. Então, Abraão saiu à procura de um convidado e encontrou um homem muito idoso na floresta próxima. Convidou o homem para jantar com ele e o homem concordou e começou a caminhar com Abraão. No caminho, Abraão perguntou-lhe sobre a sua religião e o homem respondeu que era ateu. O Profeta Abraão ficou irritado e cancelou o seu convite. Após ter feito isto, ouviu uma voz do alto: “Ó Abraão, Nós toleramo- lo (esse homem muito idoso) durante setenta anos, apesar da sua descrença e tu não conseguiste tolerá-lo uma milionésima parte de 70 anos”. Abraão arrependeu-se e levou o homem para jantar.

A lição é clara: em que acreditar e quem está certo e quem está errado é uma questão que deve ser deixada a Allah e não ao nosso juízo fraco. Os nossos julgamentos são frequentemente influenciados por vários factores, incluindo o nosso ego, os nossos interesses, as nossas crenças, a cor da nossa pele e a nossa etnia. Só Deus pode julgar da forma mais imparcial. Assim, o nosso respeito pelos outros e a nossa compaixão não devem estar destinados a um número limitado de grupos. Devem ser o mais amplo possível.

Quando o Alcorão refere os pontos fracos (musta’ifun), não os qualifica como muçulmanos. Usa os musta’ifun como sendo de todos os seres humanos. E todos eles são igualmente merecedores da nossa compaixão e da misericórdia de Allah, nem mais, nem menos. O Alcorão não usa palavras como órfãos muçulmanos, viúvas muçulmanas ou escravos muçulmanos. Usa essas palavras no geral, sem qualificação alguma. Da mesma forma, o Alcorão não usa qualquer qualificação para os poderosos e arrogantes. Podem pertencer a qualquer religião, raça ou etnia. A arrogância é condenável, seja qual for o lugar em que se encontre.

A atitude do Alcorão é tão compassiva para com todos os seres humanos que, mesmo na questão de wassiyyah (ou seja, fazer um testamento) aconselha que, tirando a família, se alguém necessitado estiver presente nesse momento, há que tomar providências para com ele também. Além disso, o Alcorão usa a palavra sadaqah para a caridade, que deriva da raiz que significa Sidq – veracidade. A verdadeira caridade (sadaqah) é feita com total sinceridade e honestidade. Tudo o que for dado para mostrar e exibir, ou que não for dado com a intenção sincera e compassiva, não será considerada sadaqah.

Apenas esse sentimento se pode qualificar como compaixão, que move o nosso coração para o sofrimento dos outros e que nos motiva a ajudar os outros. Por isso, o uso da palavra sadaqah para caridade é muito significativo. É a condição de uma pessoa humana e não a sua religião que deve movê-la a ajudar. A compaixão é a uma das melhores qualidades que se pode ter para com as outras criaturas, especialmente em relação aos outros seres humanos e animais. É o sofrimento que é mais fundamental; não é a nossa religião, língua ou raça.

O Alcorão, que descreve algumas qualidades de um bom crente, diz: “Apressai-vos em obter a indulgência do vosso Senhor e um Paraíso, cuja amplitude é igual à dos céus e da terra, preparado para os tementes, que fazem caridade, tanto na prosperidade, como na adversidade; que reprimem a cólera; que perdoam o próximo. Sabei que Allah aprecia os benfeitores, que, quando cometem uma obscenidade ou se condenam, mencionam a Allah e imploram o perdão por seus pecados – mas quem, senão Allah perdoa os pecados? – e não persistem, com conhecimento, no que cometeram.” (3:134).

Assim, constata-se que aqueles que controlarem a sua raiva e perdoarem os outros e fizerem o bem aos outros, são aqueles a quem Deus ama. E essas qualidades estão muito na base da compaixão. A raiva e a violência são sempre denunciadas por Allah. São o exato oposto da compaixão. Um dos nomes de Deus é Ghafur, ou seja, aquele que perdoa, aquele que não é vingativo. Uma pessoa compassiva jamais pode ser vingativa.

Do estudo mais minucioso do Alcorão e dos Ahadith pode-se concluir que a compaixão é a melhor qualidade humana e que ninguém merece ser considerado humano a menos que seja compassivo. Por conseguinte, a compaixão é bastante central aos ensinamentos do Islão. 

Fonte:Reflexões Islâmicas - nº. 26 - www.islao.pt /www.alfurqan.pt - alfurqan2011@gmail.com / alfurqan04@yahoo.com

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