quarta-feira, agosto 19, 2015

Bonito texto de Cat Stevens sobre a impossibilidade do terrorismo no Islão

O Profeta (p.e.c.e.) disse: “Que pereçam aqueles que insistem em dificultar a fé” e “Um crente permanece dentro dos limites da sua religião sempre e quando não matar ilegalmente uma outra pessoa”. 

Prezados Irmãos,

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alai-kum", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade.

Desde os horríveis ataques terroristas levados a cabo na América, a especulação dos meios de comunicação em massa apontou o seu infame dedo acusador para os Muçulmanos e para o Mundo Árabe, o que significa ue o cidadão comum dos Estados Unidos e de outros aíses ocidentais tornou-se presa fácil dos fanáticos anti-religiosos. Que vergonha! 

Infelizmente, o último horror que feriu os Estados Unidos parece ter sido causado por pessoas do Médio Oriente, com nomes Muçulmanos. Uma vez mais, a vergonha. 

Isto alimenta o ódio por uma religião e por pessoas que nada têm a ver com tais eventos. Por este motivo, desejo explicar alguns dos elementos básicos sobre este nobre caminho a que chamamos Islão, antes que (Allah não o permita) um outro desastre aconteça e, da próxima vez, sejam provavelmente os Muçulmanos o alvo. 

Converti-me ao Islão há mais de 20 anos, durante um período de busca enquanto estrela pop errante. 


Encontrei uma religião que aliava a razão científica com a realidade espiritual, numa fé unificada, deveras afastada dos títulos de violência, destruição e terrorismo. 

Uma das primeiras coisas interessantes que aprendi no Alcorão foi que o nome desta religião (Içlam) provém da palavra Salam (paz). Longe de ser a mensagem etnocêntrica turco-árabe de que estava à 
espera, o Alcorão apresentava uma crença na existência universal de Allah, um Allah Único para todos. 

Não existe discriminação entre as pessoas: refere que podemos ser de diferentes cores e formar diferentes tribos, mas que todos somos humanos, e “as melhores pessoas são as que mais conscientes são de Allah”. 

Actualmente, enquanto Muçulmano, fui arrasado pelo horror dos recentes acontecimentos: o desdobramento da morte e a indiscriminada carnificina que temos testemunhado e que abalou a confiança da Humanidade em si mesma. O terror a esta escala afecta a todos neste pequeno planeta, e ninguém está livre das sequelas. Para além disso, devemos ter em mente que esta violência é quase quotidiana em terras muçulmanas: esta não deveria ser agravada por ataques vingativos sobre famílias e comunidades inocentes. 

Eu, tal como a maioria dos Muçulmanos, sinto que é dever esclarecer que estes actos, estas matanças 
incompreensíveis, nada têm a ver com as crenças Islâmicas. O Alcorão refere especificamente: “Quem mata uma pessoa sem que esta tenha cometido um crime ou semeado a corrupção sobre a Terra, é como se matasse toda a Humanidade. E quem salva uma vida é como se salvasse toda a Humanidade”. (Alcorão, 5:32). 

O Alcorão que os nossos jovens aprendem está repleto de lições sobre a história da Humanidade como um todo. O Injil (Evangelho), assim como a Tora, são também mencionados: ‘Issa (Jesus) e Ibrahim (Abraão), que a paz esteja com eles, são também mencionados. 

De facto, existem mais men-ções no Alcorão a Mussa (Moisés), que a paz esteja com ele, do que em qualquer outro Livro. O Alcorão reconhece a coexistência de outras religiões e, com isso, reconhece 
que outras religiões podem viver juntas e em paz. 

Allah diz: “Não é permitido obrigar alguém a acreditar” (Alcorão 2:256). Isto significa que as pessoas não devem ser obrigadas a mudar de fé. Do mesmo modo, diz também: “Vós tendes a vossa religião e eu a minha” (Alcorão 109:6). Apontar os valores religiosos e a justiça representam o centro do Alcorão. A história Alcorânica que ensinamos aos nossos jovens fornece vários exemplos de relações interreligiosos e internacionais de como viver em harmonia. 

Todavia, alguns extremistas pegam em fragmentos das escrituras fora do contexto. Agem de maneira individual e, quando não podem aparecer juntos como parte de uma estrutura política ou de um processo consultivo, estas fracções dissidentes criam as suas próprias regras, contrárias ao espírito do Alcorão, o qual exige que os que são reconhecidos como líderes dos Muçulmanos devem consultar-se mutuamente no que se refere aos assuntos da sociedade. No Alcorão, existe uma Sura inteira intitulada “A Consulta”. 

O bem-estar comum é essencial para a vida humana; por isso mesmo, existe um conceito que o Alcorão chama de Istihsan, e que significa “procurar o bem comum”. Mesmo quando o Alcorão pode determinar um parecer, supõe-se também que os estudiosos devem considerar as circunstâncias prevalecentes nesse momento. Por vezes, isso significa escolher o mal menor ou, inclusive, suspender a legislação, caso necessário: por exemplo, uma pessoa que rouba pão durante uma fome, não é tratada como um ladrão. 

Uma vez escrevi uma canção: “Onde brincam as crianças?”. A nossa simpatia e os nossos sentimentos transparecem para com as famílias de todos os que perderam a vida nesses trágicos actos de violência, assim como com todos aqueles feridos. Contundo, a vida deve continuar. As crianças necessitam ainda de brincar e as pessoas precisam viver e aprender mais sobre os seus vizinhos, para que a ignorância não origine mais fanatismo cego. A moderação é parte da fé; assim sendo, os que acusam as escolas Muçulmanas de fomentar o fanatismo, devem aprender um pouco mais sobre o Islão. 

O Profeta, sallallahu ‘alayhi wa sallam, disse: “Que pereçam os que insistem em dificultar a fé”; e “Um crente permanece dentro dos limites da sua religião sempre e quando não matar outra pessoa 
ilegalmente”. 

Tal conhecimento e palavras de orientação são urgentemente necessárias nos tempos presentes, para separar os factos da falsidade e para reconhecer a definição do que o último Profeta, sallallahu ‘alayhi wa sallam, fez sobre o que torna ou não uma pessoa representativa da fé que praticou e ensinou.

Quem não pretender continuar a receber estas reflexões, por favor dê essa indicação e retirarei o respectivo endereço desta lista.


Obrigado. Wassalam. 


M. Yiossuf Adamgy - 19/08/2015

03/07/2015 - Autor: Yusuf Islam (Cat Stevens) – Fonte: Blogue Océano Celeste — Versão portuguesa: M. Yiossuf Adamgy.

sexta-feira, agosto 14, 2015

Percepções Errôneas - As Leis da Charia e as Mulheres



Por Dr. Jasser Auda — Versão portuguesa: M. Yiossuf Adamgy

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alai-kum", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade.

A questão das mulheres representa o verdadeiro teste para a atual reforma Islâmica. O motivo para tal é a diferenciação infundada e injusta entre homens e mulheres, profundamente enraizadas nas muitas opiniões populares que herdamos das eras do declínio da civilização Islâmica.

Antes de mais, é necessário proceder às seguintes
1. Entre Islão e Muçulmanos 
2. Entre a Charia e as madhhabs Islâmicas ou escolas de jurisprudência (islâmicas)
3. Entre as Transcrições e as interpretações das Transcrições

1. Entre Islão e Muçulmanos - Primeiro, devemos diferenciar entre Islão e Muçulmanos. Isto não acarreta necessariamente um sentido negativo. Todavia, é crucial que separemos (tanto quanto possível) entre a Religião, Islão, e os seus seguidores, Muçulmanos. O que os Muçulmanos fizeram, ou fazem atualmente, não é necessariamente aquilo que o Islão é.

O Islão possui uma essência que todo o Muçulmano deve abraçar. Contudo, para além dessa essência, a mesma religião, Islão, pode manifestar-se, e manifestou-se, numa variedade de aspectos e formas em várias culturas. Algumas dessas culturas possuíam estruturas sociais geralmente anti-mulheres, e os verdadeiros eruditos esforçaram-se por implementar os valores Islâmicos de justiça e igualdade dos seres humanos.

Um exemplo é a prática de proibição da entrada das mulheres Muçulmanas nas Mesquitas, apesar da clara instrução do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos estejam com ele): “Não impeçam as servas de Allah de irem às Mesquitas de Allah” (Al-Bukhari), e não obstante o facto de o Profeta (que a paz e as bênçãos estejam com ele) ter liderado a Oração para muitos homens e mulheres, na sua própria Mesquita (alinhando as mulheres atrás dos homens).

Outro exemplo contemporâneo é a proibição das mulheres conduzirem carros em alguns países Islâmicos, apesar de séculos de práticas semelhantes empreendidas por mulheres Muçulmanas, a começar pela esposa do Profeta (s.a.w.), `A'ishah (r.a.), a qual liderou toda uma batalha montada no seu camelo (A Batalha do Camelo, ou Mawqi`at Al-Khamal). São muitos os exemplos neste domínio.

Do mesmo modo, é importante diferenciar entre Islão e a história do mundo Islâmico, o que pode ter os seus lados positivos, assim como negativos, no que Nós, Muçulmanos, temos que admitir que exista uma imensa bagagem anti-mulheres na história do mundo Islâmico a qual é, simplesmente, não Islâmica, tendo em conta as referências e fontes de legislação do Islão.

Um exemplo é o do conceito de “harém”, em que um homem rico ou pobre basicamente encarcera um vasto número de mulheres para seu próprio prazer, com o nome de concubinas. Damos graças a Deus por esse costume não Islâmico não mais existir.

Outro exemplo é o de honrar as matanças que continuam a acontecerem, algumas “em nome do Islão” em determinados lugares (conforme acontece no Paquistão, na Nigéria e na Jordânia dos dias de hoje), não obstante o fato de ser claramente contra o Islão e não ter precedentes na lei Islâmica.

Além disso, é necessário diferenciar entre Islão e as políticas dos Muçulmanos. O Islão trata-se de um modo de vida que, naturalmente, inclui políticas e governos. Todavia, as posições políticas, ainda que baseadas em determinados valores Islâmicos, não são necessariamente parte do “Islão” que todo o Muçulmano deve abraçar. Quando se trata das mulheres, existe um laço subtil, ainda que extrema-mente forte, entre muitas das fatwas anti-mulheres (como as atrás referidas) e determinados programas políticos.

2. Entre a Charia e as madhhabs 
A segunda importante diferenciação é entre a Charia e as escolas de jurisprudência Islâmicas (em Árabe: madhahib al-fiqh). Na língua Inglesa, (porque não dizer no Ocidente) a palavra Charia tem conotações negativas, visto ser comumente usada em referência a vários castigos corporais praticados, em alguns países, em nome da lei Islâmica, castigos esses normalmente, infelizmente, aplicados aos fracos e pobres dessas sociedades, e que não são aplicados aos ricos ou politicamente poderosos.

Contudo, no Alcorão a palavra Charia é usada para significar apenas “o caminho celestial revelado ou modo de vida” (Alcorão, 5:48, 45:18). Assim sendo, tudo acerca do Islão é Charia. É suposto tratar-se do “modo de vida” Islâmico.

Quanto às escolas de fiqh, a palavra fiqh é usada no Alcorão e nos Ahadith de várias maneiras para se referir ao entendimento, à compreensão e à obtenção do conhecimento da religião em geral (por exemplo, Alcorão 4:78, 6:25, 9:122). Contudo, nas escolas Islâmicas da lei, a palavra fiqh normal-mente tem sido definida como “o conhecimento das sentenças práticas”.

É essencial saber que a Charia foi revelada, mas que o fiqh não! A Charia é o que Deus disse e que o Profeta (que a paz e as bênçãos estejam com ele) instruiu cada Muçulmano a fazer, mas fiqh é a compreensão dos eruditos, em diferentes eras e localizações geográficas, do conhecimento revelado e a sua opinião nas suas tentativas de aplicar a Charia à (sua) verdadeira vida.

Assim sendo, e falando de um modo geral, o fiqh está sujeito à sociedade e às circunstâncias em que foi aplicado, e poderá não representar (necessariamente) os mandamentos de Deus e nem (necessariamente) o que devemos fazer nas nossas atuais circunstâncias.

Evidentemente, existem questões no Islão que são universais e que cada Muçulmano, indiferentemente de onde e como está, deve aplicar. Devemos consultar os eruditos de fiqh nestas áreas. Todavia, refiro-me aqui às questões relativas a mudanças e, especialmente, questões relativas às mulheres, as quais, a meu ver, sofreram imensas descriminações de vários eruditos – contrárias à Charia Islâmica ou modo de vida revelado.

3. Entre as Transcrições e as interpretações das Transcrições 
A terceira importante diferenciação é entre as Transcrições e a interpretação das Transcrições. As Transcrições são universais, mas as suas interpretações variam com a mudança do tempo e as circunstâncias.

Todavia, existem limites quanto ao que pode ser uma interpretação válida. Uma interpretação válida não pode, por exemplo, alterar o significado de algo, inclusive acabar por o alterar, até acabar por obter algo radicalmente diferente do que foram os ensinamentos óbvios da Transcrição ou a tradição óbvia do Profeta do Islão (que a paz e as bênçãos estejam com ele).

A este respeito, torna-se necessário compreender como determinadas interpretações históricas moldaram o Islão nas mentes de muitos Quem não pretender continuar a receber estas reflexões, por favor dê essa indicação e retirarei o respectivo endereço desta lista.

Obrigado. Wassalam. 
M. Yiossuf Adamgy - 13/08/2015 - Jumua Mubaraka para todos!

quinta-feira, agosto 13, 2015

O Sistema Judiciário Do Islam - Contribuições Especiais dos Muçulmanos

A lei existe na sociedade humana desde tempos imemoriais. Toda raça religião, e todo grupo de homens trouxe alguma contribuição a essa esfera. A contribuição feita pelos muçulmanos é tão rica quanto meritória e valiosa.

Ciência da Lei 

Todos os antigos tiveram as suas leis peculiares e próprias. Entretanto, parece que jamais havia se pensado antes do Ach-Chafi'i (150-204 da Hégira/767- 820 d.C.), numa ciência da lei, abstrata na existência e distinta das leis e dos códigos. A obra desse jurista, Risála, designa essa ciência pelo expressivo título de "Raízes da Lei", advindo daí os diversos ramos da regulamentação da conduta humana.

Esta ciência, chamada daí para frente de Usul-al-Fiquih, pelos muçulmanos, trata simultaneamente da filosofia da lei, da fonte das regras, e dos princípios da legislação, interpretação e aplicação dos textos legais. Essas leis, regulamentos são chamados de "ramos" (furú) dessa árvore. 
A Intenção do Ato 

Entre as novidades no domínio dos conceito fundamentais da lei, podemos apontar a importância dada ao conceito de motivo e intenção (niya) dos atos. Esta noção se baseia no célebre parecer do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele);

"Os atos devem ser julgados de acordo com as intenções." 

Desde então, a infração ou crime intencional e o ato involuntário, não tem sido tratados de maneira igual pelos tribunais. 
Constituição Escrita do Estado 

É interessante como também inspirador, observar que já na primeira revelação recebida pelo Profeta do Islam, que era uma pessoa iletrada, constava o engrandecimento do cálamo como meio de conhecimento das coisas ignoradas, e como sendo uma graça de Deus.

Não nos surpreende que quando o Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); dotou seu povo de um organismo estatal criado do nada, ele tenha promulgado uma constituição escrita para esse Estado, que era inicialmente uma cidade-estado, mas meros dez anos mais tarde, quando seu fundador morria, já se estendia por toda a Península Arábica e as partes do sul do Iraque e da Palestina.

Após outros quinze anos, durante o califado de Uthman ocorreu uma penetração fantástica dos exércitos muçulmanos na Andaluzia (Espanha) por um lado e no Turquestão chinês pelo outro, através dos países intermediários. Essa constituição escrita, preparada pelo Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); contendo 52 cláusulas, sobreviveu até os nossos dias inteira.

Ela trata de uma variedade de questões, tais como os direitos e deveres que dizem respeito ao governante e aos governados, legislação, administração da justiça, organização da defesa, tratamento de súditos não-muçulmanos, seguro social baseado na mutualidade, e outros requisitos daquela época. O Ato (Constitucional) data de 622 da era cristã, do primeiro ano da Hégira.

A Lei Internacional Universal 

A guerra, que infelizmente sempre tem sido freqüente entre os membros da família humana, é a ocasião quando se está menos disposto a conduzir-se racionalmente e praticar justiça principalmente sobre os próprios súditos em favor do nosso adversário.

Como isto na verdade é uma questão de vida ou morte, uma batalha pela própria sobrevivência, na qual o menor deslize ou erro pode levar a conseqüências perigosas, os soberanos e chefes de Estado sempre reivindicaram o privilégio de decidir, a seu próprio critério, as medidas a serem aplicadas ao inimigo.

A ciência relacionada com esse comportamento dos soberanos independentes existe desde os tempos mais remotos; mas fazia parte da política e mera prudência, quando muito guiada pela experiência. Os muçulmanos parecem ter sido os primeiros a separar esta ciência da lei internacional pública das vontades e desejos mutáveis dos governantes dos Estados, e de dispô-la numa base puramente legal.

Além do mais, foram eles que deixaram para a posteridade, os tratados mais antigos existentes sobre a lei internacional desenvolvidos como unia ciência independente. Eles a chama de siyar, ou seja, conduta do soberano. E mais, nos códigos convencionais de leis, fala-se desse assunto como integrante da lei da terra.

Aliás, fala-se dele imediatamente em seguida à questão do banditismo, como se a guerra pudesse ser justificada com as mesmas razões que a ação policial contra os assaltantes de estrada. O resultado disso é que os beligerantes têm, não apenas direitos, como também, obrigações, reconhecidas pelos tribunais muçulmanos.

Características Gerais da Lei Muçulmana 

A primeira coisa que espanta o leitor de um manual sobre a lei islâmica é de que ela procura regular todo o leque de atividades da vida humana, tanto no seu aspecto material como espiritual. Tais manuais começam geralmente com os ritos e práticas do culto, e discutem nesse mesmo capítulo também as questões constitucionais da soberania, uma vez que o Imam, ou seja, o chefe do estado é o líder ex-ofício das orações na mesquita,

Não devemos portanto nos espantar de essa parte também tratar dos impostos devidos ao erário; uma vez que o Alcorão freqüentemente fala sobre o culto e o imposto do zakat no mesmo versículo, tratando esse imposto como uma das formas de se louvar a Deus por intermédio do dinheiro.

Depois disso, discutem-se as relações contratuais de todos os tipos; em seguida os crimes e suas penalidades, que incluem as leis da guerra e da paz com países estrangeiros, a lei internacional e também a diplomacia; e finalmente os regulamentos que regem a herança e os testamentos.

O homem consiste de corpo e alma; e se o governo com seus enormes recursos, cuidar tão somente dos assuntos materiais, o espírito ficará esfomeado, e sendo deixado à sua própria mercê, seus recursos serão Paupérrimos em comparação com os que são disponíveis para os assuntos seculares.

O desenvolvimento desigual do corpo e da alma levarão à falta de equilíbrio do homem, cujas conseqüências serão, a longo prazo, desastrosas para a civilização. Este tratamento do todo, tanto do corpo como da alma, não implica que os não iniciados devem se aventurar nos domínios da religião, tanto quanto não se deve permitir ao poeta aventurar-se a realizar cirurgias; todo campo de ação humana deve ter seus próprios especialistas e pessoas qualificadas. 

Outra característica da lei islâmica parece ser a ênfase posta na correlação do direito e da obrigação. Não somente as relações mútuas dos homens entre si, mas também a relação dos homens com seu Criador, são baseadas no mesmo princípio; e o culto não é mais que o cumprimento do dever do homem correspondente aos direitos que a providência lhe concede. Para falar somente dos "direitos do homem", sem ao mesmo tempo dar relevo aos seus deveres, seria o mesmo que transformá-lo em um animal voraz como o lobo, ou no próprio diabo. 

A Filosofia da Lei 

Os juristas clássicos entre os muçulmanos, põem as leis sobre a base dupla do lícito e ilícito. Deve-se praticar o que é lícito e abster-se do que é ilícito. O lícito e o ilícito são às vezes absolutos e evidentes por si, e outras vezes, apenas relativos e parciais.

Isto nos leva à divisão em cinco categorias de todas as regras jurídicas, tanto as ordens como as injunções. Desse modo, tudo que é absolutamente lícito será um dever absoluto, e devemos praticá-lo. Tudo que tem um caráter lícito preponderante é recomendável e considerado meritório.

As coisas que têm ambos esses aspectos, do lícito e ilícito, em proporções iguais, ou que não possuem nenhum dos dois, seriam deixadas ao critério do indivíduo optar se as praticasse ou se delas se abstivesse, e até de mudar tal prática de tempos em tempos.

As coisas absolutamente ilícitas seriam objeto de proibição total, e seriam repreensíveis e desencorajadas. A divisão básica dos atos ou regras em cinco categorias pode ter outras subdivisões para inserir nuances menores, tal como os indicadores do dial de um bússola que acrescentam direções compostas além dos quatro pontos cardeais principais.

Resta definir e distinguir entre o lícito e o ilícito, O Alcorão, sendo a Palavra de Deus e um livro sagrado para os muçulmanos, fala dessas coisas em multas ocasiões, dizendo-nos sempre que devemos praticar o ma'ruf e nos abster domunkar. Ora, ma'ruf quer dizer um ato lícito que é reconhecido como tal por todos, até pela própria razão, e, portanto, é lícito. Enquanto munkar significa aquilo que é rejeitado por todos por não ser de modo algum bom, um mal que é reconhecido como tal por todos; e aquilo que até a própria razão reconhece como mal, deve ser proibido.

Uma grande parte da moralidade do Islam está contida neste domínio; e são raros os casos em que o Alcorão proíbe algo a respeito de que exista qualquer divergência de opinião humana, tal como a proibição de bebidas alcoólicas, ou de jogos de azar; mas para dizer a verdade, a razão de ser da lei, mesmo em tais casos, jamais é negada às mentes lúcidas e férteis. Na prática, isto é uma questão de confiança na sabedoria e inteligência do Legislador, cujas diretrizes em todos os demais casos não tem causado senão a aprovação universal.

As Sanções 

Encontram-se entre os membros da raça humana os mais variados temperamentos, e estes podem ser agrupados em três grandes categorias: a daqueles que são bons e resistem a quaisquer tentações do mal, sem precisar de serem compelidos a tanto; a daqueles que são maus, e procuram, por todos os, meios, fugir de toda e qualquer vigilância; e finalmente, a daqueles que se comportam de maneira adequada só enquanto temem as conseqüências, mas que se permitem praticar o ilícito também quando são tentados, quando há uma maior ou menor probabilidade de escaparem ilesos de qualquer represália.

Infelizmente, o número dos indivíduos da primeira categoria é muito limitado; estes não precisam nem de guias nem de sanções contra a violação de leis. As outras duas categorias necessitam de sanções em benefício da sociedade. A disposição do espírito de causar danos a outrem pode ser uma doença, um resquício de animalidade criminosa, resultado de uma má educação, ou ser devida a outras causas.

Um esforço terá de ser feito para controlar e neutralizar o dano que possa ser causado por homens da segunda categoria, cujo número felizmente também não é muito grande. Resta a terceira categoria, intermediária, e que é constituída pela grande maioria dos homens. Estes necessitam de sanções, mas de que espécie?

Vale dizer que se o próprio chefe tivera uma consciência pesada, por ter cometido alguma coisa proibida, ele teria pouca disposição para repreender outros a respeito da mesma coisa. Portanto, o Islam atinge a raiz e a fonte desse tipo de mal, e declara que ninguém está isento das obrigações, nem mesmo o soberano, nem o próprio profeta.
Os ensinamentos, como a própria prática do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); seguidos pelos seus sucessores, exigem que o chefe do Estado deve ser plenamente capaz de ser intimado a comparecer perante os tribunais do país, sem qualquer restrição. A Tradição Islâmica tem sido a de os juízes jamais hesitarem na prática de decidirem contra os seus soberanos em casos de prevaricação. 

É desnecessário mencionar-se pormenorizadamente as sanções materiais que existem no Islam, como também em todas as outras civilizações. Por isso existem funções públicas que são encarregadas de manter a lei e a ordem, de vigiar e de custodiar, de cuidar da paz e da tranqüilidade das relações de convívio dos habitantes do país e assegurar de que qualquer pessoa que seja vitimada por violência, possa reclamar diante dos tribunais e que a polícia traga os acusados a comparecerem para responder perante os juízes, bem como de que seja finalmente executada a decisão destes. 
Mas a concepção de sociedade que o Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); tinha, acrescentou ainda uma outra sanção, talvez mais eficaz que a sanção material, e que é a sanção espiritual, Mantendo toda a parafernália administrativa da justiça, o Islam impressionou nas mentes dos seus seguidores a idéia da ressurreição após a morte, o juízo Final e a salvação ou condenação por esse juízo Final.

E é assim que o crente cumpre suas obrigações mesmo quando ele tem a oportunidade de as violar impunemente, e se abstém de causar danos aos outros apesar de todas as tentações e de contar seguramente estar livre de qualquer risco de represália. 

Essa tríplice sanção por qual os governantes são sujeitos em condições de igualdade à lei geral, às sanções materiais e também às sanções espirituais, cada elemento servindo para fortalecer a eficácia do anterior, tenta assegurar no Islam a observância máxima das leis e a realização plena dos direitos e deveres de todos.

A Legislação 

Para melhor compreender as implicações da afirmação de que Deus é o supremo Legislador, precisamos meditar sobre os diversos aspectos da questão. 

O Islam acredita no Deus Único, o Qual não só é o Criador de todas as coisas, mas também o Provedor, o sine qua non da existência de todo o universo. Ele não é "posto no rol de aposentados" após ter criado tudo que Ele criou. O Islam acredita mais, que Deus transcende muito além da percepção física do homem, e de que Ele é Onipresente, Onipotente, Justo e Misericordioso.

Além de, por Sua clemência ilimitada, ter Ele dado ao homem não somente a razão como também de ter mandado mensageiros escolhidas entre os próprios homens, instruindo quais as direções que são mais sábias e mais úteis à sociedade humana. Deus é Transcendente, Ele envia as Suas mensagens aos Seus escolhidos por meio de portadores de mensagens celestiais intermediários. 

Deus é Perfeito e Eterno. Entre os homens, pelo contrário, há unia constante evolução. Deus não muda as Suas opiniões, mas exige dos homens somente aquilo de que são capazes dentro das suas capacidades individuais. É por isso que há divergências, pelo menos em certos detalhes, entre as legislações, que reivindicam para si próprias o de serem baseadas nas revelações Divinas. Em assuntos legislativos, a última lei revoga e substitui as que a antecederam; o mesmo é verdadeiro com respeito às revelações Divinas. 

Entre os muçulmanos, o Alcorão, que é um livro escrito na língua árabe, é a Palavra de Deus, uma revelação Divina recebida pelo Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); e destinada aos seus seguidores. Além disso, em sua qualidade de Mensageiro de Deus, Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); explicou o texto sagrado, e acrescentou outras diretrizes que estão registradas nas Tradições ou coleção dos seus relatos, ditos e atos.

Seria desnecessário dizer que as leis promulgadas por determinada autoridade só podem ser revogadas por ela mesma ou por uma autoridade superior, mas nunca por uma menor. Assim, a revelação Divina só pode ser revogada por uma outra posterior revelação Divina. Do mesmo modo, as diretrizes do Profeta só podem ser modificadas por ele próprio ou por Deus, mas não por qualquer dos seus discípulos ou outros. Mas este aspecto teórico de rigidez se transforma numa prática bastante elástica no Islam, para que os homens possam adaptar-se às exigências e às circunstâncias:

1) As leis, mesmo aquelas de origem Divina ou emanadas do Profeta, não têm, todas elas, o mesmo âmbito. Já vimos que somente algumas delas são obrigatórias; outras são apenas recomendadas, enquanto no restante dos casos, a lei permite' ampla extensão aos indivíduos. Um estudo das fontes mostrará que as regras da primeira categoria a das obrigatórias, são muito poucas; as recomendações são em número um pouco maior; e os casos em que o texto é silente são inúmeros; 

2) Uma autoridade inferior não modifica a lei, mas pode interpretá-la. O poder da interpretação não é monopólio de qualquer pessoa no Islam; qualquer um que tenha feito um estudo especial da matéria tem o direito de fazê-lo. Uma pessoa doente jamais irá consultar um poeta, nem mesmo um que tenha sido laureado com o prêmio Nobel; para se construir uma casa, não consultamos um cirurgião, e sim, a um engenheiro; do mesmo modo, para as questões legais, precisamos estudar as leis e aperfeiçoar nosso conhecimento do assunto; a opinião das pessoas não qualificadas será apenas aventureira. As interpretações dos especialistas mostram as possibilidades de adaptar até a lei Divina às circunstâncias; por Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); ter sido o derradeiro dos profetas e ter deixado este mundo como qualquer mortal, não há mais nenhuma possibilidade de receber uma nova revelação de Deus para decidir problemas surgidos pela divergência das interpretações. Devem evidentemente existir tais divergências, pois nem todos os homens pensam do mesmo modo. Pode-se ressaltar que os juízes, jurisconsultos e outros juristas também são seres humanos; e se eles divergem entre si, não será o público em geral o que terá maior autoridade de decisão. Num litígio judicial, deve ser obedecido o juiz-, em outros casos, as escolas que se dedicam ao estudo e interpretação das leis recebem a preferência aos olhos dos que seguem a respectiva escola e assim por diante;
3) Foi o próprio Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); quem enunciou a regra de que; "Meu povo jamais será unânime em relação a um erro". Tal consenso tem grandes possibilidades de desenvolver a lei islâmica, e adaptá-la de acordo com a mudança das circunstâncias; 
4) Um famoso incidente da vida do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); merece ser relatado aqui, Moaz Ibn Jabal, um juiz designado do Iêmen, visitou o Profeta para se despedir dele antes de seguir para o seu posto. A seguinte conversação teve lugar entre os dois: "Com que fundamentação irás decidir os litígios? De acordo com as previsões contidas no Livro de Deus (o Alcorão)! E se não encontrares nenhuma provisão nele? - Então de acordo com a conduta do Mensageiro de Deus (Muhammad)! - E se nem aí encontrares exemplo apto? - Bem, então usarei a minha própria diligências. O Profeta ficou tão feliz com estas respostas que, longe de repreendê-lo, exclamou: "Deus seja louvado, Que guiou o mensageiro do Seu Mensageiro ao que mais agrada o Mensageiro de Deus!" 

Esta diligência pessoal de opinião e bom-senso por parte de um homem honesto e consciencioso não só é uma maneira de desenvolver a lei, mas também um recipiente da bênção do Profeta; 

5) Podemos recordar que, na legislação de um problema novo, na interpretação de um texto sagrado, ou em qualquer outro caso de desenvolvimento da lei islâmica, mesmo quando isto tenha sido feito com base numa consulta de consenso, sempre há a possibilidade de que uma regra adotada num processo venha a ser substituída por outra regra, por outros juristas que se utilizem dos mesmos métodos.

A história tem demonstrado que o poder de "legislação" deve, no Islam, ser confiado a sábios particulares, para que estes estejam isentos da interferência oficial. Tal legislação não deverá sofrer a influência da política quotidiana, nem atender a interesses de quaisquer pessoas em particular, mesmo que essa seja um chefe do Estado.

Os juristas, sendo todos iguais, cada um deles pode livremente criticar a opinião do outro, tornando possível, desse modo, o exame de todos os aspectos de relevo de um problema, quer de pronto, quer no curso de gerações seguintes, até que se alcance a melhor solução.

Vimos assim que a origem divina da legislação islâmica não a torna despropositadamente inflexível. O que é mais importante ainda é que esta qualidade de origem divina da lei inspira aos fiéis um respeito maior pela lei, tornando possível ser ela observada mais consciente e escrupulosamente. Podemos acrescentar que os juristas dos tempos clássicos haviam declarado unanimemente que: "Tudo que os muçulmanos consideram bom, o é também aos olhos de Deus."

Mesmo que isso não se refira a qualquer dito do próprio Profeta. O consenso, à luz de tal interpretação, implica que mesmo as conclusões dos sábios leigos, envolve aprovação Divina, um fato que só acrescenta ao respeito pela lei aos olhos dos homens.
A Administração da Justiça

Uma característica da legislação alcorânica neste sentido é a autonomia judiciária das diferentes comunidades componentes. Longe de impor a lei alcorânica a todos, o Islam admite e até encoraja que cada grupo, cristão, judeu, masdeísta, ou de outros, mantenha seus próprios tribunais, presididos por seus próprios juízes, de sorte a que se apliquem as suas próprias leis em todos os ramos do direito, civil como criminal.

Se as partes em disputa pertencerem a comunidades diferentes, uma espécie de lei internacional privada decide o conflito entre as leis. Ao invés de buscar a absorção e assimilação de todos dentro da comunidade "governante", o Islam protege os interesses de todos os seus súditos.

Quanto à administração da justiça entre os muçulmanos, a parte de sua simplicidade e rapidez, a instituição da purificação das testemunhas merece ser mencionada.

Note-se que, na realidade, os tribunais de todas as localidades, organizam arquivos que registram a conduta e hábitos de todos os habitantes, para saber sempre que necessário, se uma testemunha é confiável.

Não se deixa por conta da outra parte apenas derrogar o valor de um testemunho. O Alcorão diz que, se alguém ataca a castidade de uma mulher e não prova sua acusação pelos meios exigidos pelo tribunal, essa pessoa não somente é punida, mas passa a constar, para sempre, como indigna de testemunhar nos tribunais.

Origem e Desenvolvimento da Lei 
O Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); ensinou dogmas teológicos aos seus seguidores; ele também lhes deu leis referentes a todas as atividades da vida, individuais ou coletivas, seculares assim como espirituais; além disso, ele criou um Estado a partir do nada, ao qual ele administrou, organizou exércitos aos quais comandou, estabeleceu um sistema diplomático e de relações exteriores ao qual controlou; e, se surgiam litígios, era ele quem os decidia para os seus "súditos".

Portanto, é à figura dele mais do que qualquer outra, que devemos nos voltar para estudar a origem da lei islâmica. Ele nasceu de uma família de mercadores e caravaneiros domiciliados em Makkah. Em sua juventude, ele havia visitado as feiras e mercados do Iêmen e da Arábia Oriental assim como da Palestina.

Seus contemporâneos costumavam também viajar para o Iraque, Egito e Abissínia para comerciar. Quando ele iniciou sua vida missionária, a violenta reação dos seus compatriotas obrigou-o a se exilar e domiciliar-se em outra cidade, Madina, onde o principal meio de subsistência dos habitantes era a agricultura.

Ali ele organizou a vida estatal; estabeleceu primeiro uma cidade-estado, que foi gradativamente transformada em um Estado que se estendia, à época de sua morte, por toda a Península Arábica além de algumas partes do Sul do Iraque e da Palestina.

A Arábia era atravessada por caravanas internacionais. É bem conhecido que os Sassânidas e os Bizantinos haviam ocupado algumas regiões da Arábia, e estabelecido colônias ou protetorados. As feiras, principalmente as da Arábia Oriental, atraíram mercadores da índia, China, e "do Leste e do Oeste", como descreveram Ibn Al-Kalbi e Al-Mas'udi.

Na Arábia não havia somente nômades, mas também povos sedentários como os Iamanitas e os Lihianitas, que haviam desenvolvido civilizações que datavam desde muito antes da fundação das cidades de Atenas e de Roma.

As leis que prevaleciam no país foram transformadas com a chegada do Islam em atos estatais de legislação; e o Profeta detinha, de parte de seus seguidores e súditos, a prerrogativa não só de modificar os velhos costumes, mas também de promulgar leis completamente novas.

Sua condição de Mensageiro de Deus era a razão principal do imenso prestígio de que desfrutava. Tanto era assim, que, não apenas o que ele dizia, como todos os seus atos, tornavam-se lei para os muçulmanos em todas as sendas da vida; até o silêncio dele implicava que ele não se opunha a algum costume que fosse praticado à sua volta por seus seguidores.

Essa fonte tríplice de legislação sejam, sua palavras, que se baseavam sempre nas revelações Divinas, seus atos e sua aprovação tácita das práticas e costumes de seus seguidores, tem sido preservada para nós no Alcorão e nas tradições. Ainda em vida dele, começou a germinar uma outra fonte ainda, constituída das deduções e elaborações das regras, nos casos em que a legislação silenciosa, o que era feito pelos juristas que não fossem chefes de Estado.

Havia juízes e jurisconsultos ao tempo do Profeta, até na metrópole, para não se falar dos centros administrativos das províncias. já mencionamos as instruções levadas por Moaz quando este foi enviado ao Iêmen como juiz. Havia casos em que os funcionários das províncias requeriam instruções do governo central, o qual também tomava a iniciativa e intervinha nos casos de decisões incorretas de seus subordinados, sempre que estas chegavam ao conhecimento da autoridade mais alta.

A ordem para alterar ou modificar os costumes e práticas antigas, ou para a islamização da lei de todo o país, só poderia se consolidar gradativamente, por que os juízes não intervinham senão nos casos que lhes eram submetidos; devem ter sido numerosos os casos que não lhes foram submetidos, sendo resolvidos pelos litigantes de acordo com a conveniência destes, à parte da lei. 

A morte do Profeta marca o cessar das revelações Divinas que possuíam a força de ordenar toda a lei, revogando ou modificando todos os costumes ou práticas antigas. Daí em diante, a comunidade muçulmana se viu obrigada a se contentar com a legislação já passada pelo Profeta, e com os meios autorizados para o desenvolvimento da lei autorizada pela própria legislação. 

Dessas (leis reveladas), as mais importantes talvez tenham sido as seguintes. Por diversas vezes, o Alcorão, depois de instituir determinadas proibições, acrescenta explicitamente que tudo o mais é lícito (no domínio envolvido). De maneira que, tudo aquilo que não contraria a legislação emanada do Profeta, é permissível, constituindo-se em lei positiva.

As leis e até os costumes de países estrangeiros sempre serviram de matéria prima aos juristas muçulmanos, de onde eles extraíam aqueles que eram incompatíveis com o Islam, considerando lícitos os demais. Essa fonte é permanente. 

Outra fonte, talvez surpreendente, é a diretriz fornecida pelo Alcorão, de que as revelações Divinas recebidas por profetas anteriores e cita diversos, como por exemplo, Enoch, Noé, Abraão, Moisés, Davi, Salomão, Jesus Cristo, João Batista (que a Paz esteja sobre eles); são também válidas para os muçulmanos.

Porém que essa diretriz se restringia às revelações comprovadas sem margem de dúvida, isto é, aquelas explicitamente reconhecidas pelo Alcorão ou pelas tradições. A lei do talião do Pentateuco é um caso mencionado no Alcorão. 

Passados apenas quinze anos da morte do Profeta, vemos os muçulmanos governando em três continentes, em vastos territórios da Ásia e da África, e na Andaluzia na Europa. O Califa Umar achou que o sistema fiscal dos sassânidas era bom e o manteve nas províncias do Iraque e do Irã; já o sistema fiscal dos bizantinos ele achava opressivo, por isso modificou-o na Síria e no Egito; e assim por diante.

Todo o primeiro século da Hégira foi um período de adaptação, consolidação e transformação. Os documentos escritos em pergaminhos encontrados no Egito nos informam de muitos aspectos da administração egípcia. já a partir do segundo século da Hégira, passamos a ter códigos de leis, compilados por juristas privados, tendo um dos primeiros sido o de Zaid Ibn ‘Áli, que morreu no ano 120 da Hégira.

Os antigos chamavam o Iêmen de "Arábia Felix", e não sem uma razão. Suas condições gerais e físicas, deram-lhe na antigüidade pré-cristã, uma superioridade incomparável sobre as outras regiões da Arábia, no que diz respeito à cultura e civilização; sua riqueza, testada pela Bíblia, era legendária, e seus reinos, poderosos.

No início da era cristã, uma onda de emigração levou certas tribos Iamanitas para o Iraque, onde elas fundaram o Reino de Hira, que ficou célebre por estimular as letras, e que continuou a existir até a aurora do Islam. Nesse meio tempo, o Iêmen conheceu o domínio dos judeus (sob domínio de Dhul-Nawas); a dominação cristã (pelos abissínios), seguida da ocupação do Irã pelos masdeístas ou parsis, que, por sua vez deram lugar ao Islam.

Os Iamanitas, influenciados por todas essas sucessivas interações e tensões, foram persuadidos pelo Califa Umar a emigrarem novamente para o Iraque para colonizá-lo, especialmente a região de Kufa, que era uma cidade nova construída sobre as ruínas da antiga Hira. Umar enviou Ibn Mas'ud, um dos mais eminentes juristas de entre os companheiros do Profeta, para organizar lá uma escola.

Seus sucessores nessa escola, Ibrahim An- Nakhai, Hammád, e Abu Hanifa foram todos, graças ao acaso da providência, especialistas em leis. Entrementes, ‘Ali, outro grande jurista dentre os companheiros do Profeta, transferiu a sede do califado de Madina para Kufa. Não é de surpreender, portanto, que esta cidade tornou-se o berço de tradições ininterruptas, adquirindo uma reputação crescente em matéria de leis. 

A ausência de qualquer interferência de autoridade central na liberdade de opinião dos juízes e juristas, provou favorecer enormemente o rápido progresso dessa ciência; mas também tinha suas inconveniências. Na realidade, um administrador experimentado e altamente conceituado como Ibn Al-Mukaffa’ reclamava, no início do segundo século da Hégira, da existência de uma quantidade enorme de divergências nas leis muçulmanas casuísticas, penais, leis da condição pessoal e outros ramos da legislação, especialmente em Hira e Kufa; e sugeriu ao Califa a criação de uma instituição superior para a revisão das decisões do judiciário, visando a imposição de uma lei única e uniforme em todas as partes do reino.

A sugestão foi abortiva. Seu contemporâneo, Abu Hanifa, cioso da liberdade da ciência, e zeloso de mantê-la a distância dos tumultos da política continuamente mutante, criou, ao invés, uma academia do direito. Composta de quarenta membros, sendo cada um especialista em alguma ciência relacionada com o direito, tal como a exegese do Alcorão, das tradições, a lógica, a lexicologia, etc.

A academia dispôs-se a uma profunda avaliação da legislação casuística da época, e empreendeu a codificação das leis, ela tentou também preencher as lacunas das leis muçulmanas a respeito de pontos sobre os quais não existiam nem precedentes no direito casuístico, nem textos que emitissem um parecer aplicável. Um dos seus biógrafos afirma que Abu Hanifa (falecido em 150 da Hégira) havia promulgado meio milhão de regras (ver Almuwaffak, 11, 137). 

Málik em Madina, e Al-Auza'i na Síria, empreenderam ao mesmo tempo um trabalho semelhante, porém eles dependiam somente de seu próprio conhecimento exclusivo e recursos pessoais. Se Abu Hanifa enfatizava a racionalização independente de recurso ao Alcorão e às tradições como bases da lei Málik preferia espelhar-se na população de Madina cidade impregnada pelas tradições do Profeta para emitir suas interpretações dedutivas ou lógicas. 

O Alcorão foi "publicado" apenas alguns meses após a morte do Profeta. A tarefa de coligir os ditados e atos do Profeta bem como os exemplos de sua aprovação tácita da conduta de seus companheiros, material esse que é chamado por tradições, foi empreendida por algumas pessoas ainda estando vivo o Profeta, e posteriormente, após sua morte, por muitas outras pessoas.

Mais de cem mil dos companheiros do Profeta deixaram valiosas tradições para a posteridade, baseadas em tudo que pudessem lembrar sobre o assunto. Alguns transcreviam essas recordações e outros as transmitiam oralmente. O material de grande valor legislativo estava naturalmente disperso pelos três continentes onde os companheiros do Profeta haviam-se domiciliado no tempo dos califas Umar e Uthman.

Nas gerações que se seguiram, os pesquisadores compilaram tratados, inclusive mais abrangentes, baseados na amálgama das coleções de memórias pessoais dos Companheiros do Profeta.

A avaliação da lei casuística e a codificação das tradições foram completadas como obras paralelas na mesma época, porém uma ignorava e colocava em suspeição a outra. Ach-Cháfi'i nasceu no ano em que Abu Hanifa morreu.

As diferenças mútuas ou polêmicas levaram os juristas a buscar um conhecimento mais profundo das tradições, e os especialistas em tradições a catalogar os dados sobre os ditados e atos do Profeta, a avaliar os méritos individuais de suas origens de transmissão, e a determinar o contexto e a época dos ditos do Profeta para deduzir o conteúdo legislativo deles.

Ach-Cháfi'i especializou-se simultaneamente em direito e nas tradições, e graças às suas elevadas qualidades intelectuais e sua diligência, foi possível descobrir uma síntese entre as duas disciplinas. Ach-Cháfi'i foi o primeiro, na história mundial, a criar uma ciência abstrata do direito, distinguíndo-a das leis no sentido estrito de regras aplicadas em um país.

Outra grande escola (ou tradição) de direito foi fundada por Jaafar As-Sádik, descendente de ‘Ali e contemporâneo de Abu Hanifa. A evolução do direito de herança nessa escola, de um modo especial, deveu-se mais a razões de caráter político. Abu Hanifa, Málik, Ach-Cháfi'i, Jaafar As-Sádik e diversos outros juristas, deixaram, cada um, sua própria escola de direito.

Os seguidores dessas escolas formam sub-comunidades do Islam nos tempos atuais, porém, as diferenças que existem entre estas, tem menos influência ainda que a das escolas filosóficas. Com a passagem dos séculos, tornou-se uma experiência comum constatar que alguns Chafi'itas divergem de Cháfi'i em certos pontos da lei, concordando sobre estes com Málik ou com Abu Hanifa, e vice-versa.

Como acabamos de ver, o Império Muçulmano se estendeu desde logo através de imensos territórios, que eram anteriormente governados por diferentes sistemas legais, como por exemplo, os iranianos, os chineses, os hindus, os bizantinos, godos e outros, e a estes foram acrescentadas as contribuições locais dos primeiros muçulmanos da Arábia.

A possibilidade de qualquer sistema legal estrangeiro em especial, ter o monopólio de influenciar o direito muçulmano está, portanto excluída. Entre os fundadores das escolas também constatamos que Abu Hanifa era de origem persa e Málik, Ach-Cháfi'i e Jaafar As-Sádik eram árabes. O biógrafo Ad-Dhahabi relata que Al-Auza'i vinha originalmente do Sind; e nas gerações subseqüentes, surgiram juristas muçulmanos em todas as raças.

O desenvolvimento do direito muçulmano foi portanto um empreendimento ‘’internacional’’, no qual participaram juristas muçulmanos de variadas origens étnicas, falando idiomas diferentes, e seguindo costumes diferentes.

É um fenômeno constatado em todos os países que certos chauvinistas, e aqueles que carecem de um pensamento independente, desejam sacrificar o espírito, se apegando à letra dos mestres antigos, enquanto outros se aventuram no inconformismo.

São os meio-termos que, entretanto devem prevalecer! Um espírito sem complexo de inferioridade, mas munido das informações necessárias, e dotado ao mesmo tempo da devoção de um crente praticante, nunca terá dificuldade em reconhecer que a interpretação não só é prática, como razoável, a ponto de ser capaz até de modificar as opiniões defendidas pelos antigos. Repare a convicção e segurança com que o grande jurista Pazdawi nos diz que não só as opiniões pessoais, como até o consenso dos tempos antigos, podem ser modificados por um consenso moderno.

Conclusão

O direito muçulmano começou como a lei do estado e da comunidade governante, e serviu aos propósitos dessa comunidade enquanto o domínio muçulmano cresceu em dimensões e se estendeu desde o Atlântico ao Pacífico. Ele tinha urna capacidade inerente para se desenvolver e se adaptar às contingências do tempo e do clima. Ele não perdeu o seu dinamismo nem mesmo nos dias atuais; na realidade, está recebendo um reconhecimento cada vez maior como força ativa para o bem, dos países muçulmanos que estiveram antes sob o domínio estrangeiro político e conseqüentemente, jurídico e que atualmente estão tentando reintroduzir a Chari'ah em todas as atividades da vida.

Fonte: islam.org.br

quinta-feira, julho 30, 2015

Descoberto um dos fragmentos do Alcorão “mais antigos”, pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade. na Universidade de Birmingham, Reino Unido. 23/07/2015 - Autor: Redacción – Fonte: Canal de Noticia – Traduzido por: M. Yiossuf Adamgy Fonte: http://www.birmingham.ac.uk/news/latest/2015/07/quran-manuscript-22-07-15.aspx

O documento veio a lume quando um investigador de doutoramento quis examinar mais de perto as páginas e decidiu submetê-las a uma análise de radiocarbono.

Isso permitiu descobrir um dos mais antigos fragmentos do Alcorão, o Livro Sagrado do Islão, na Universidade de Birmingham, Reino Unido.

Segundo a análise de radiocarbono, o manuscrito tem, pelo menos, 1370 anos de antiguidade, o que o torna um dos primeiros textos do Alcorão existentes.

De acordo com peritos, o autor pode ter conhecido e ouvido o Profeta Muhammad (p.e.c.e.). As páginas dos escritos sagrados muçulmanos estiveram quase um século na biblioteca da Universidade sem serem reconhecidos. 

O doutor Muhammad Isa Waley, perito neste tipo de manuscritos da Biblioteca Britânica, disse tratar-se de uma “descoberta emocionante” que encherá de “alegria” os Muçulmanos.  

Testemunho em primeira mão 

O manuscrito encontrava-se dentro de uma coleção de livros e documentos do Médio Oriente, sem ter sido identificado como um dos mais antigos fragmentos do Alcorão do mundo.

Veio a lume quando um investigador de doutoramento quis examinar mais de perto as páginas e decidiu submetê-las a uma análise de radiocarbono, com resultados “surpreendentes”.

A diretora de coleções especiais da Universidade, Susan Worrall, declarou que “nem em sonhos” se imaginava que fosse tão antigo.

“Descobrir que possuíamos um dos fragmentos mais antigos do mundo do Alcorão foi incrivelmente emocionante”.

A análise, realizada com a Unidade de Acelerador de Radiocarbono da Universidade de Oxford, revelou que os fragmentos, escritos em pergaminhos de cabra ou cordeiro, estavam entre os textos mais antigos existentes do Alcorão. 

Os resultados indicaram, com uma probabilidade superior a 95%, datas que oscilam entre os anos 568 e 645.
“Poderiam remontar-nos a poucos anos da atual fundação do Islão”, disse David Thomas, professor de Cristianismo e do Islão da Universidade.

“De acordo com a tradição Muçulmana, o Profeta Muhammad recebeu as revelações que formam o Alcorão, as sagradas escrituras do Islão, entre 610 e 632, ano da sua morte”.

O professor Thomas referiu a data dos fólios de Birmingham pode significar que a pessoa que os escreveu viveu ao mesmo tempo que o Profeta Muhammad.

“A pessoa que os escreveu pode muito bem ter conhecido o Profeta Muhammad. Viu-o, talvez o tenha ouvido pregar. Pode tê-lo conhecido pessoalmente, o que é uma ideia realmente evocatória”, disse.

Outros textos antigos

Thomas explicou que algumas passagens do Alcorão foram escritas em pergaminhos, pedras, folhas de palmeira e omoplatas de camelo. A versão final, compilada em forma de livro, foi concluída por volta de 650.

Acrescenta que “as partes do Alcorão escritas nestes pergaminhos podem, muito certamente, datarem de menos de duas décadas após a morte de Muhammad”.

“As partes deveriam aproximar-se imenso à forma em que o Alcorão é lido atualmente, apoiando a tese que o texto sofreu poucas ou nenhumas alterações e que pode ser datado a um ponto muito próximo do momento em que se acredita ter sido revelado”.

O manuscrito está escrito em hijazí, uma forma primitiva do Árabe escrito, o que o cataloga como um dos mais antigos fragmentos do Alcorão.

Dado o fato da datação por radiocarbono originar uma série de possíveis datas, existem alguns outros manuscritos em coleções públicas e privadas que se encaixam dentro desta seriação. 

Por este mesmo motivo, é impossível declarar que este manuscrito é, definitivamente, o mais antigo.

Todavia, a data mais antiga possível do descoberto em Birmingham, colocá-lo-ia entre os mais antigos.  

“Sobrevivente precioso”

O doutor Waley, restaurador deste tipo de manuscritos na Biblioteca Britânica, realça que “estes dois fólios, escritos numa bonita caligrafia hijazí, surpreendentemente legível, datam muito seguramente da época dos três primeiros Califas”.

Os três primeiros Califas foram líderes da Comunidade Muçulmana mais ou menos entre 632 e 656.
 
O doutor Waley disse que, aquando do terceiro Califa, Uthman ibn Affan, foram distribuídas cópias da “edição definitiva”.

“Durante décadas, a Comunidade Muçulmana não era suficientemente rica para acumular peles de animais e produzir uma cópia completa (do Alcorão), ou Mushaf, que exigia imensos pergaminhos”.

Waley indica que o manuscrito encontrado em Birmingham é um “sobrevivente precioso” de uma cópia dessa época que poderá até ser mais antiga.

“Em todo o caso, este, com a beleza absoluta do seu conteúdo e a surpreendente clareza da escrita hijazí, representa notícias que encherão de alegria os corações dos Muçulmanos”. 

O manuscrito é parte da Colecção Mingana, que contém mais de 3000 documentos do Médio Oriente compilados nos anos 20 por Alphonse Mingana, um sacerdote caldeu nascido perto de Mogul, no atual Iraque.

As viagens ao Médio Oriente para a recolha da coleção Mingana foram patrocinadas por Edward Cadbury, da dinastia da empresa de chocolates do Reino Unido.

A comunidade muçulmana em Birmingham expressou já o seu entusiasmo perante a descoberta e a Universidade anunciou que exporá publicamente o manuscrito. 

“Quando vi estas páginas fiquei muito comovido. Os meus olhos encheram-se de lágrimas de felicidade e emoção. E tenho a certeza que pessoas de toda a Grã-Bretanha virão a Birmingham para as ver”, disse Muhammad Afzal, presidente da Mesquita Central de Birmingham. 

O professor Thomas revelou que isto mostrará aos cidadãos de Birmingham que possuem um “tesouro incomparável”.

M. Yiossuf Adamgy - 30/07/2015

quarta-feira, julho 22, 2015

Tafsir Surat Al-Falaq

Surat 113
Surata da Alvorada – Surat Al Falaq

بِسۡمِ ٱللهِ ٱلرَّحۡمَـٰنِ ٱلرَّحِيمِ
قُلۡ أَعُوذُ بِرَبِّ ٱلۡفَلَقِ (١) مِن شَرِّ مَا خَلَقَ (٢) وَمِن شَرِّ غَاسِقٍ إِذَا وَقَبَ (٣) وَمِن شَرِّ ٱلنَّفَّـٰثَـٰتِ فِى ٱلۡعُقَدِ (٤) وَمِن شَرِّ حَاسِدٍ إِذَا حَسَدَ (٥)

Em nome de Allah, O Misericordioso, O Misericordiador
(1)   Dize: “Refugio-me nO Senhor da Alvorada,
(2)   “Contra o mal daquilo que Ele criou,
(3)   “E contra o mal da noite quando entenebrece,
(4)   “E contra o mal das sopradoras dos nós,
(5)   “E contra o mal do invejoso, quando inveja”.

Esta surah, junto com a seguinte, “Surata dos Homens”, contem uma diretiva de Allah, primeiramente para Seu profeta e depois para os crentes em geral, para que busquem refúgio nEle e busquem Sua proteção diante de qualquer fonte de medo, oculta ou visível, conhecida ou desconhecida. É como se Allah, O Exaltado, estivesse desenrolando Seu mundo de zelo e abraçando os crentes em Sua proteção, e estivesse gentil e afeiçoadamente solicitando que recorram à Seus cuidados, onde eles se sentirão seguros e em paz: “Eu sei que vocês estão desamparados e rodeados de inimigos e medos... Venha aqui onde há segurança, contentamento e paz...” Sendo assim as duas surahs começam com “Dize: Refugio-me nO Senhor da Alvorada,” e “Dize: Refugio-me nO Senhor dos Homens”.
Foram transmitidos muitos relatos sobre a revelação e popularidade desta surah e todos eles se encaixam perfeitamente na interpretação acima, ou seja, de Allah Misericordioso desenrolar Seu zelo e oferecer refúgio a Seus servos fiéis. O próprio Mensageiro de Allah amava esta surah profundamente, como está claro em suas tradições.
De acordo com ‘Uqba ibn ‘Amir, companheiro do Profeta, o Mensageiro de Allah uma vez disse: “Você não ouviram os versículos únicos que foram revelados na noite passada, ‘Dize: Refugio-me nO Senhor da Alvorada,’ e ‘Dize: Refugio-me nO Senhor dos Homens’”. (Transmitido por Malik, Muslim, At-Tirmidhi, Abu Dawood e An-Nissai).
Jabir, companheiro do Profeta, disse: “O Mensageiro de Allah me disse uma vez: ‘Jabir, recite!’ e eu perguntei ‘O que devo recitar?’ Ele respondeu: ‘Dize: Refugio-me nO Senhor da Alvorada,’ e ‘Dize: Refugio-me nO Senhor dos Homens’. Então eu recitei e ele comentou, ‘Recite-as (tanto quanto puder) pois você jamais recitará algo equivalente a elas.’” (Transmitido por An-Nissai).
Tharr ibn Hubaish disse que perguntou a Ubay ibn Ka’ab, companheiro do Profeta, sobre Al-Um’awwathatain (como as duas surahs são chamadas) dizendo, “Abu al-Munthir, seu irmão, Ibn Masoud diz tal e tal coisa (Por algum tempo Ibn Masoud tinha a falsa impressão de que essas duas surahs não eram parte do Quran, mas depois ele admitiu seu erro). O que você acha disso?” Ele respondeu “Eu perguntei ao Mensageiro de Allah sobre isso e ele me disse que foi instruído a dizer o contexto das surahs e ele seguiu essa instrução. Nós com certeza dizemos o mesmo que o Mensageiro de Allah disse.” (Transmitido por Al-Bukhari). Todos esses relatos despejam muita luz sobre o fator oculto da bondade e amor de Allah para o qual esta surah chama atenção.
 ...Allah, O Exaltado, refere-se a Si mesmo nesta surah com Seu Atributo, “O Senhor da Alvorada”. O termo árabe “falaq” significa simplesmente “alvorada” e ainda assim pode ter o significado de “o fenômeno inteiro da criação” em referência a todas as coisas às quais foi dada a vida. Esta interpretação é apoiada pelo que Allah diz na surah 6, “O Gado”: “Por certo, Allah é Quem faz fender (faliq) os grãos e os caroços (para brotarem). Faz sair o vivo do morto e faz sair o morto do vivo. (...) Ele é Quem rompe a manhã. E faz da noite repouso, e do sol e da lua cômputo do tempo.” (6:95-96) Se o significado “alvorada” é atribuído, então se busca refúgio, contra o que não é visto e contra o que é misterioso, no Senhor da Alvorada, Quem concede segurança conforme acende a luz do dia. Se, entretanto, “faliq” recebe o significado de “criação”, então se busca refúgio, contra o mal de alguma criatura, no Senhor da criação. Em ambos os casos, a harmonia com o tema da surah é mantida.
“Contra o mal daquilo que Ele criou.” A frase não contem exceções ou especificações. O contato mútuo de várias criaturas entre si, além de ser, sem dúvida, vantajoso, traz algum mal. O refúgio em Allah está sendo buscado pelo crente para encorajar a bondade que tal contato produza. Pois Ele que criou tais criaturas é certamente capaz de prover a circunstâncias que as levam em um caminho no qual prevalece apenas o lado bom de seus contatos.
“Contra o mal da noite (ghasiq), quando entenebrece (waqab)”. Do ponto de vista linguístico, “ghasiq” significa “derramar substancialmente” e “waqab” é o nome dado a um pequeno buraco na montanha através do qual a água emana; “waqab” é o verbo denotando tal ação. O que provavelmente significa aqui é a noite, com tudo que a acompanha quando ela rapidamente encobre o mundo. Isso é horripilante por si só; adicionalmente, a noite enche os corações com a possibilidade de um desconforto desconhecido e inesperado causado por um animal feroz, por um vilão inescrupuloso, um inimigo eminente ou o som de uma criatura venenosa, assim como ansiedades e preocupações (que envolvem depressão e inquietação) e pensamentos ruins e paixões que podem ressurgir na escuridão durante o estado de solidão na noite. É contra esse mal que o crente precisa da proteção de Allah.
“E contra o mal das sopradoras dos nós”, refere-se a vários tipos de magia, seja enganando os sentidos físicos do homem ou influenciando o poder de escolha das pessoas e projetando ideias em suas emoções e mentes. (Este versículo se refere principalmente a uma forma de bruxaria feita por mulheres na Arábia na época, que amarravam nós em cordas e sopravam neles com uma imprecação).
A magia é a produção de ilusões, sujeita à vontade do mágico, e não se trata de novos tipos de fatos nem alteram a natureza das coisas. É assim que o Quran descreve a magia quando relata a história de Moisés na surah 20, “Ta Ha”: “Disseram (os mágicos do Faraó): ‘Ó Moisés! Lançarás tua vara, ou seremos os primeiros que lançaremos as nossas?’. Disse: ‘Mas, lançai vós’. Então, eis suas cordas e suas varas que, por magia, lhe pareciam colear. E em seu âmago, Moisés teve medo. Dissemos: ‘Não temas! Por certo, tu, tu és o superior; E lança o que há em tua destra; ela engolirá o que engenharam. O que engenharam é apenas insídia de mágico. E o mágico não é bem aventurado aonde quer que chegue.’” (20:65-69). Desta forma, suas cordas e cajados não se transformaram realmente em serpentes, mas assim parecia aos espectadores, incluindo Moisés, ao ponto de ele se sentir inquieto. Ele foi refreado (quando ao medo) pela transformação de seu cajado em uma cobra de verdade, pelo próprio feito de Allah, para destruir as falsas serpentes.
Esta é a natureza da magia conforme nós devemos concebê-la; que através dela a pessoa é capaz de influencia a mente de outras pessoas, fazendo-as pensar e agir de acordo com sua sugestão. Nós nos impedimos de ir adiante com isso. De fato este é um ato mau contra o qual precisa-se buscar a proteção de Allah.
Alguns relatos não confirmados, alguns dos quais foram citados por fontes autênticas, alegam que Labid ibn ‘Assam, um judeu, hipnotizou o Profeta durante muitos dias ou meses em Medina, de forma que, conforme alguns relata, ele sentia que estava tendo relações conjugais com suas esposas quando ele não estava; ou, de acordo com outros, pensava que havia feito algo quando ele não havia feito realmente. Esta surah e a próxima, “Os Homens”, de acordo com esses relatos, foram reveladas para libertá-lo desse estado ao recitá-las.
Mas com certeza essas histórias contradizem a idéia de infalibilidade do Profeta em palavras e em ação e não concordam com a crença de que todas as suas ações representam a visão Islâmica do modo de vida para todos os Muçulmanos. Acima de tudo, elas estão em conflito com a negação enfática do Quran de que ele (o Profeta) era influenciado por qualquer tipo magia, conforme afirmado por alguns inimigos do Islam. Por isso, nós dispensamos tais histórias, com base em que o Quran é o árbitro final, e que relatos narrados por uma só pessoa são permitidos apenas em assuntos relativos à fé. Essas histórias não têm o pano de fundo apropriado e tal pano de fundo é qualificação essencial para que um relato seja classificado como autêntico. O que mais enfraquece essas histórias, entretanto, é que as duas surahs foram reveladas em Makka, enquanto que essas histórias relatam que o incidente ocorreu em Medina!
“E contra o mal do invejoso quando inveja”. A inveja é uma má ação rancorosa que uma pessoa sente por outra que recebeu alguns favores de Allah. Ela também é acompanhada de um desejo muito forte de anulação desses favores. Pode haver algum dano à pessoa invejada vindo desse rancor infundado. Agora, esse dano pode ou ser resultado de alguma ação física por parte do invejoso ou pode resultar apenas de sentimentos suprimidos.
Nós devemos tentar não nos sentirmos inquietos de entender que existe um número incontável de mistérios inexplicáveis na vida. Há muitos fenômenos para os quais não há explicação. A telepatia e a hipnose são exemplos de tais fenômenos.
Muito pouco se sabe sobre os mistérios da inveja e o pouco que se sabe geralmente tem sido descoberto ao acaso ou por coincidência. Em todo caso, há na inveja um mal contra o qual a proteção de Allah deve ser buscada. Pois Ele, O Mais Generoso, Mais Misericordioso e O Único que sabe tudo direcionou Seu Mensageiros e seus seguidores a buscar refúgio nEle contra este mal. É unânime entre as escolas de jurisprudência Islâmica que Allah sempre protegerá Seus servos de tais males se eles buscarem Sua proteção conforme Ele orientou.
Al-Bukhari relatou que Aisha disse que o Profeta soprava nas duas mãos quando ia se deitar para dormir e recitava “Dize: Refugio-me nO Senhor da Alvorada,” e “Dize: Refugio-me nO Senhor dos Homens”, e começando pela cabeça, rosto e parte da frente do corpo, ele passava as mãos no restante do corpo. Ele fazia isso três vezes (Também foi transmitido por outros grandes tradicionalistas).

Por: Sayyid Qutb / Translation: M. A. Salahi e A. A. Shamis / Tradução: Ninevah Barreiros

Fonte:http://www.academiaislamica.org.br/artigo/57/Tafsir+Surat+Al-Falaq

Tafsir Surat Al-Ikhlass

Surat 112
Surat Al-Ikhlass – Surata do Monoteísmo Puro
بِسْمِ ٱللَّهِ ٱلرَّحْمَـٰنِ ٱلرَّحِيمِ
قُلْ هُوَ ٱللَّهُ أَحَدٌ ﴿١﴾ ٱللَّهُ ٱلصَّمَدُ ﴿٢﴾ لَمْ يَلِدْ وَلَمْ يُولَدْ ﴿٣﴾ وَلَمْ يَكُن لَّهُۥ كُفُوًاأَحَدٌۢ ﴿٤﴾

Em nome de Allah, O Misericordioso, O Misericordiador
(1)   Dize: “Ele é Allah, Único.
(2)   “Allah é O Solicitado”
(3)   “Não gerou e não foi gerado”
(4)   “E não há ninguém igual a Ele”

Esta pequena surah é “equivalente a um terço do Qur’an”. Al-Bukhari, grande tradicionalista, foi informado de alguém que tinha escutado um homem recitar, “Dize: Ele é Allah, Único...” repetidamente, e foi até o Profeta na manhã seguinte e lhe contou com desaprovação sobre o que tinha escutado. O Profeta s.a.w. comentou, “Eu juro por Aquele em cujas mãos está minha alma que ela (a surah) é equivalente a um terço do Qur’an”.
E, com certeza, não há nenhuma surpresa nisso. Pois a unicidades de Allah a qual o Mensageiro foi ordenado a declarar para todo o mundo é um crença que deve estar enraizada em nós, uma explicação da existência humana e uma forma de vida por si só. A partir desta posição, pode-se dizer que esta surah abarca nos termos mais claros as principais e mais fundamentais ideias da grande verdade do Islam.
O termo árabe “Ahad” usado aqui como referência à unicidade de Allah é muito mais preciso do que o termo mais frequentemente utilizado “Wahid” que significa “um”. “Ahad” tem as conotações adicionais de unicidade absoluta e contínua e de ausência de iguais.
A unicidade de Allah é tal que não há realidade nem existência verdadeira ou permanente exceto a dEle. Além do mais, qualquer outro ser adquire qualquer poder que venha a ter do poder efetivo de Allah que rege o mundo. Absolutamente nada mais planeja qualquer coisa para o mundo nem decide nada nele.
Essa é a crença que deve estar consolida em nós. Ela é a explicação completa da existência humana. Uma vez que essa crença se torna clara e essa explicação se estabelece na mente humana, o coração se purifica de todas as falsidades e impurezas e fica livre de todas as amarras, exceto daquelas do único Ser que sozinho possui a realidade da existência e que é o púnico poder efetivo nesse mundo. O coração humano então se liberta do vínculo com qualquer coisa nesse mundo sem atribuir existência a nada mais. De fato, por que o coração do homem deveria aspirar a algo que não possui realidade permanente nem tem qualquer poder independente para fazer funcionar esse mundo, quando o ser real é aquele do Ser Divino e o poder verdadeiramente efetivo é a Vontade Divina?
Quando o coração humano se liberta de acreditar em qualquer coisa além da Verdade, a Verdade de Allah, defende essa verdade perpétua, ele se liberta de todas as correntes, das falsas ideias, dos maus desejos, dos medos dos poderes terrenos e das confusões que lhe desviaram nessa vida. Pois quando o coração humano encontra Allah,, ele se beneficia e não perde nada. Então por que ele deveria desejar qualquer coisa que não a satisfação de Allah? E por que ele deveria temer qualquer coisa, se não há nenhum poder absolutamente efetivo senão o de Allah?
Quando uma concepção que não vê nada nesse mundo além da realidade de Allah se estabelece na mente e no coração humano, ela é acompanhada pela visão dessa realidade genuína e permanente em cada ser que se originou dela. Este é o estágio no qual o coração sente que a mão de Allah está em todas as coisas e além do qual ele não sente nada que não seja Allah no universo inteiro. Não haveria nenhuma outra realidade para ser sentida.
Ela também é acompanhada pela atribuição de todo evento e todo movimento nesta vida e neste universo à primeira e única causa, que é Allah, que causa outras causas e influencia sua efetividade. O Qur’an toma muito cuidade para estabelecer essa verdade no conceito de fé do Muçulmano. Ele sempre afasta causas aparentes e associa os eventos diretamente a Allah. Ele diz: “E tu não atiraste areia, quando a atiraste, mas foi Allah Quem a atirou.” (Cap 8 vs 17). “E o socorro não é senão da parte de Allah” (cap 8 vs 10 e cap 3 vs 126). “E não o quereis, a não ser que Allah o queira” (cap 76 vs 30).
Desconsiderando todas as causas aparentes e conectando os assuntos diretamente com a vontade de Allah, um sentimento de alívio gentilmente penetra o coração humano para que ele conheça seu único Salvador, à quem ele pode pedir o que quiser e por quem ele é salvo de tudo que teme. Ele não mais se impressiona pelas influências, razões a causas aparentes que não carregam nenhuma realidade nem existência verdadeira em si.
Estes são os passos que alguns místicos tentaram seguir, mas desviaram-se para muito longe deles. Pois o Islam quer que as pessoas sigam esta rota se esforçando com as realidades da vida com todas as suas condições e qualidades variadas, e que levem uma vida humana na qual exercitem seu papel de vice gerencia de Allah nessa terra com todos os recursos e obrigações que possuem.
A partir desse conceito de unicidade de Allah origina-se o caminho perfeito da vida baseada na explicação da existência humana e quaisquer perspectivas, sentimentos e características que ela estimule. Tal caminho é baseado na adoração de Allah somente, que é o único ser real e permanente, e cuja vontade é o único poder efetivo no mundo. É o caminho que faz seus seguidores voltarem-se apenas para Allah e que busquem refúgio nEle em tempos de necessidade e medo, felicidade e desconforto, luxo e dificuldade. Pois de que serve voltar-se para um ser que não existe e que não tem poder? Esse caminho tem somente Allah como provedor. DEle recebemos nossas crenças, perspectivas, valores, critérios, legislações, instituições, sistemas, ética e tradições. Tais qualidades devem ser obtidas Ser Único e Permanente, e Única Verdade.
É um caminho para se realizar atividades, trabalhar e se sacrificar absolutamente apenas por Allah, e para se desejar estar mais próximo da verdade. Esse caminho também fortalece as ligações de amor, irmandade, compaixão mútua e receptividade entre todos os seres e corações. Pois quando falamos de libertação da completa submissão a esses sentimentos, de forma alguma queremos sugerir que as pessoas devam se desprezar ou se odiar ou de escapar de praticá-los. Eles todos surgem da mão criadora de Allah e eles todos devem sua existência a Ele. Eles são dádivas do Amado para nós, e por isso, merecem nosso amor.
É um caminho sublime e elevado, para cujos padrões a terra é muito pequena, a vida muito curta e os prazeres e luxos sem valor; libertar-se dos obstáculos e falsidades é um desejo supremo e grande objetivo para a humanidade. Mas no Islam, entretanto, essa liberação não significa seclusão nem negligência, nem significa contentar-se ou escapar da vida, mas simplesmente significa um empenho contínuo e sincero e um esforço perpétuo para levar a humanidade a submeter tudo na vida humana somente à Allah. Consequentemente, como dissemos antes, é o cumprimento do papel do homem como vice-gerente de Allah na terra com todas as suas obrigações.
A libertação da alma humana através do sacerdócio e espiritualismo extremo é fácil de alcançar, mas o Islam não aprova isso, porque, de acordo com o Islam, a vice gerência do homem na terra e a liderança da humanidade são parte de seu caminho Divino para a libertação. Esta é uma forma mais difícil que garante e assegura a humanidade ao homem e alcança a vitória da vontade Divina dentro de seu ser. Esta é a libertação real, o voo da alma humana para sua fonte Divina e a conquista de sua verdade sublime dentro do escopo que seu sábio Criador escolheu para ele.

Por tudo isso, a primeira convocação do Islam foi para estabelecer a unicidade de Allah nos corações e nas mentes dos homens. Pois dessa forma ela é uma crença da alma, do coração e da mente humana, uma explicação completa da existência humana, uma forma de vida e não uma palavra meramente dita nem uma crença inerte. É a vida por inteiro e religião em sua totalidade e quaisquer resultados dela não são mais do que frutos naturais de seu estabelecimento nos corações e mentes das pessoas.
Todos os desvios que afligiram os seguidores das religiões Divinas anteriores, e que corromperam suas crenças, ideias e vidas, surgiram, em primeiro lugar, da deterioração do conceito de unicidade absoluta de Deus em suas mentes. Mas o que distingue este conceito na fé Islâmica é seu profundo enraizamento na vida humana inteira e a construção desta em suas bases e o considerá-lo a fundação para o sistema real e prático da vida humana com seus efeitos aparecendo claramente na legislação e na crença.

Ele é Allah, o único Deus”, significa que Ele é o Eterno e o Absoluto” e que “Ele não gerou nem foi gerado” e que “ninguém é comparável a Ele”. Mas o Qur’an afirma tudo isso em detalhe para mais ênfase e esclarecimento.
O Eterno, o Absoluto” significa o Senhor a quem se suplica e sem a permissão do qual nada é decidido. Allah é o único Senhor. Ele é Único em Sua Divindade e todos os outros seres não são senão Seus servos. Para Ele e somente para Ele são dirigidas todas as súplicas. Ele e somente Ele decide todas as coisas independentemente. Ninguém decide com Ele. E como Ele é o único Deus, esta qualidade já é dEle.
Não gerou nem foi gerado” significa que a realidade de Allah é profundamente enraizada, permanente e perpétua. Nenhuma circunstância mutável jamais a afeta. Sua qualidade é perfeição absoluta em todos os tempos. Nascer é descender e multiplicar, e implica em um ser desenvolvido após ser incompleto ou nada. Requer matrimônio que é baseado em semelhança do ser e da estrutura. Tudo isso é completamente impossível no caso de Allah. Então a qualidade de “Um” inclui renúncia de pai e de filho.
Ninguém é comparável a Ele” significa que ninguém se parece com Ele em nada nem é equivalente a Ele em nenhum aspecto, seja na realidade do ser ou no fato de que Ele é o único poder efetivo, ou em qualquer de Suas qualidades e atributos. Isso está subentendido na afirmação de Ele ser “Um”, feita no primeiro versículo, mas é repetida então para confirmar e explicar o fato. É uma renúncia da crença em dois deuses que implica que Allah é o Deus do Bem enquanto o mal tem um deus que – conforme a crença – em oposição a Allah, destrói suas boas obras e propaga o mal na terra. A crença em dois deuses mais conhecida é a dos Persas, que acreditavam eram um deus da luz e em um deus das trevas. Esta crença era conhecida pelas pessoas no sul da Península Arábica, onde os Persas uma vez tiveram seu estado e exerceram soberania.

Esta surah é um estabelecimento e confirmação firmes da crença Islâmica na Unicidade de Allah assim como a sura 109, “Os Incrédulos”, uma denúncia de qualquer semelhança ou ponto de encontro entre a unicidade de Allah e a crença antropomórfica. Cada surah lida com a unicidade de Allah a partir de um ângulo diferente. O Profeta s.a.w. constumava iniciar seu dia recitando essas duas surahs na oração da manhã (fajr). Isso, com certeza, era significativo.

Por: Sayyid Qutb / Translation: M. A. Salahi e A. A. Shamis / Tradução: Ninevah Barreiros

Fonte: http://www.academiaislamica.org.br/artigo/56/Tafsir+Surat+Al-Ikhlass