Já houve numerosas interpretações do Sagrado Alco-rão. Isto por si, mostra o grande significado desta Extraordinária Escritura revelada ao sagrado Profeta do Islão, Muhammad (p.e.c.e.), há 1400 anos.
O Alcorão inspirou milhões de pessoas à volta do globo e continuará a fazê-lo enquanto existirem seres humanos neste planeta. Muitos inimigos do Islão atacam esta Extraordinária Escritura e tentam “provar”, à sua maneira, que ela “destila ódio contra os não crentes … providenciando um rígido e fanático sistema de crenças … que fazem com que os muçulmanos sejam fanáticos e derramem tanto sangue na terra”.
Infelizmente, também muitos racionalistas, embora não inspirados pelo ódio do Alcorão, mas pela sua aversão à religião, têm acreditado, frequentemente, nestes argumentos, pois abordam o Alcorão com uma perspectiva pré-concebida que irá apenas atrasar o seu progresso e deturpar a compreensão da sua verdadeira mensagem, o que redunda num impacto confuso.
É tendo em conta estas objecções e interpretações erradas do Alcorão que é necessário desenvolver uma metodologia adequada, para entender a Escritura de imenso significado.
A primeira questão importante neste contexto é saber se será possível haver apenas um único tipo de interpretação?
Em segundo lugar, pode qualquer interpretação particular do Alcorão ser obrigatória para as gerações posteriores, ou mesmo para o povo da mesma geração, por mais eminente que seja o intérprete?
Em terceiro lugar, os companheiros do Profeta (p.e.c.e.) fizeram algum acordo sobre uma determinada interpretação ou significado de um versículo do Alcorão? Se não, por que eles não concordam com os outros?
Em quarto lugar, qual é o papel dos ahadith na compreensão do Alcorão? Pode-se compreender o Alcorão sem a ajuda dos ahadith?
E em quinto lugar, se aqueles ahadith usados para explicar o significado do Alcorão são unanimemente aceites pelos intérpretes e comentadores?
Estas são questões cruciais para desenvolver a metodologia adequada para compreender o Alcorão.
Uma interpretação, por vezes, pode não ser a única interpretação. Isto é fundamental para entender os vários aspectos dos pronunciamentos do Alcorão. Um comentador poderia ter essencialmente uma perspectiva teológica, outro, uma perspectiva sociológica, um terceiro pode olhá-lo do ponto de vista científico e assim por diante. Cada um terá uma contribuição a dar a partir das próprias perspectivas. A este respeito, é importante notar que o Alcorão usa palavras que podem ter vários significados ou linguagem simbólica …
Nós, como muçulmanos, acreditamos que o Alcorão é eterno em sua relevância e vai direto à nossa alma se o deixarmos, pois fala a língua do coração humano, seja onde for que o ser humano se encontre ou seja qual for a era em que viva. Está escrito numa língua universal, profundamente enraizada na constituição natural do ser humano.
Os problemas e desafios enfrentados pelos muçulmanos, no passado, podem não ser os mesmos que enfrentam as gerações presentes.
Assim, a fim de obter orientação e inspiração do Alcorão, as pessoas pertencentes às novas gerações, vão ter de interpretar alguns aspectos Alcorânicos sob a perspectiva contemporânea.
É absolutamente verdade que o hadith desempenha um papel importante na compreensão do Alcorão, mas há alguns problemas com a literatura dos ahadith, que precisam de ser revistos, a fim de ponderar o seu papel na interpretação do Alcorão. O primeiro e mais importante problema é, naturalmente, o da autenticidade do hadith. Há algumas controvérsias sobre diferentes ahadith que são utilizados nas interpretações de vários versículos do Alcorão. E estes ahadith fazem uma diferença crucial para a compreensão dos versículos Alcorânicos. Aqui também há duas coisas que merecem destaque: primeiro, se os versículos pertencem ao que chamamos de crenças metafísicas (‘aqa’id e ibadát), então as eventuais controvérsias não terão qualquer impacto social; segundo, se os versículos dizem respeito a questões socioeconómicas e a leis pessoais, aquilo a que chamamos mu'amalaat, então a interpretação destes versículos terá grande impacto social e afetará a vida das pessoas aqui na terra.
Assim, o nosso próprio sistema de conhecimento e de bagagem cultural é crucial para a compreensão dos versículos do Alcorão. O texto religioso é sempre complexo, rico, multifacetado e multidimensional. Outra coisa que deve ser ressalvada é que os versículos do Alcorão podem ser divididos em cinco categorias:
1) - Os versículos referentes a 'ibadat que incluem a oração (salah), jejum (saum), peregrinação a Meca (hajj), taxa contributiva para o pobre (zakat) e outras práticas semelhantes que pertencem a esta categoria;
2) - Os versículos relativos à mu’amalat que incluem, entre outras coisas, casamento, divórcio, herança, testemunho, negócios, contrato de imóveis, agricultura e assim por diante.
3) - Os versículos referentes a crenças metafísicas como a unicidade de Deus, o Dia do Juízo, o inferno e o céu, os anjos e assim por diante;
4) - Os versículos relativos à orientação geral;
5) - Os versículos referentes a valor como justiça, igualdade, honestidade, etc.
Os versículos relativos à ibadát, conforme atrás referidos, podem ser entendidos à luz do hadith autêntico. O Profeta (p.e.c.e.) explicou como rezar, como realizar a peregrinação a Meca, questões relacionadas com o jejum, etc. Não há necessidade de qualquer nova interpretação ou de repensar estes versículos. Eles devem ser entendidos como explicados pelo Profeta. É o conceito de ibadát e os rituais a eles associados que fornecem a singularidade de qualquer religião. Cada religião tem desenvolvido o seu sistema espiritual e sistema de oração, adoração, etc. Meditação para repensar sobre estas questões é como mexer com essa singularidade estética e destruir a sua espiritualidade, se assim se pode dizer. Portanto, a compreensão dos versículos referentes a ibadát não pode mudar. Mas é claro que as diferenças sectárias, neste contexto irão persistir. Há muitas diferenças, algumas vezes até mesmo de natureza significativa, em matéria de Salah, etc. Entre as várias escolas de jurisprudência no Islão Sunita (Hanafitas, Chafiítas, Malikitas, Hanbalitas, Zahiritas) e no Islão Chi'ita (Ithna-Asharis, Zaiditas, Ismailitas, etc., essas diferenças permaneceram e permanecerão no futuro também. De certa forma, essas diferentes práticas sectárias também fornecem a singularidade de cada grupo e tornam-se em significação de identidade. Estas diferenças também são baseadas nos ahadith aceitáveis para todas as escolas de pensamento. Algumas escolas de pensamento (madhahib) aceitam alguns ahadith como autênticos quando outros aceitam os outros como autênticos e duvidam da autenticidade de outros ahadith.
Quanto aos versículos relativos à mu'amalat que incluem, como já foi referido, assuntos como casamento, divórcio, herança, negócios e assim por diante, há quem, entre os eruditos contemporâneos, quem discuta se re-pensar nesses versículos é necessário tendo em conta os problemas e desafios emergentes. Por exemplo, a permissão Alcorânica para casar com quatro mulheres tem necessidade de ser repensada. Os versículos do Al-corão relacionados com a pluralidade de esposas foram compreendidos sob o espírito medieval e as práticas hebraicas e arábicas vigentes da época. Há, portanto, modernistas que afirmam a necessidade de releitura desses versículos. As mulheres, que se tornaram muito mais conscientes dos seus direitos islâmicos, também estão na vanguarda desta demanda. A mesma coisa po-de-se dizer dos versículos referentes ao divórcio.
Quanto à terceira categoria de versículos ou seja, aqueles referentes a crenças metafísicas como a Unicidade de Deus, o Dia do Juízo, Céu e Inferno, anjos, etc., estes são parte do que podemos chamar de "fé (aqa'id e imán). Estes versículos também, como os pertencentes à primeira categoria, estão fora de qualquer mudança e dizem respeito aos fundamentos da religião. A crença na Unicidade de Deus (Tawhid) é fundamental para o ensino islâmico. Da mesma forma as crenças no Dia do Juízo Final, na Profecia, nas Escrituras, nos Anjos, etc., também pertencem aos ensinamentos básicos do Islão. A crença de que o Profeta Muhammad (p.e.c.e.) é o último Profeta é igualmente fundamental para a crença islâmica e é parte integrante dos ensinamentos do Alcorão. Estas crenças estão fora de qualquer reinterpretação e devem ser aceites sem qualquer questão, pois são parte da singularidade do Islão e fazem a distinção de outras religiões.
A quarta categoria dos versículos do Alcorão dizem respeito à orientação geral para difundir o que é bom (o termo Alcorânico para isso é Ma'ruf) e conter o que é mau (o termo Alcorânico para isto é unkar) e não têm necessidade de mudança. Estas são verdades universais compartilhadas por outras religiões também. É claro que o entendimento do que é e o que é ma'ruf e munkar pode variar ao longo do tempo e de lugar para lugar e, nessa medida, pode haver pequenas diferenças de opinião.
A quinta categoria dos versículos do Alcorão ou seja, aqueles referentes a valores como a justiça, a igualdade, a compaixão, a criação de justa ordem social, etc., são, evidentemente, de natureza eterna. O Alcorão coloca grande ênfase nesses valores. Pode-se dizer que estes valores são fundamentais para o Islão. Não há mais nenhuma questão para repensar porque esses valores são universais e eternos. Além disso, houve completo acordo entre os teólogos e juristas muçulmanos acerca desses valores e que refletem-se em todas as formulações teológicas e jurídicas do Islão. No entanto, pode haver, e há, diferenças acerca do que é justo e do que não é e o que constitui a igualdade e em que sentido. Por exemplo, o versículo Alcorânico 4:129, acerca do tratamento de mulheres era assim interpretado, pois que o tratamento igual para todas as quatro esposas foi pensado ser o suficiente para cumprir o sentido de justiça.
Assim, o que parece ser justo hoje poderá já não ser justo amanhã. Mas o que é mais importante é a justiça, não a sua compreensão em determinadas circunstâncias. Assim, a interpretação dos juristas islâmicos dos versículos do Alcorão relacionados com a justiça, ou quaisquer outros valores semelhantes, terá que mudar de acordo com o espírito do tempo/conjuntura. Este é um elemento importante da metodologia a ser utilizada para compreender os versículos do Alcorão. Em outras palavras, tem de haver um elemento de dinamismo na compreensão dos versículos do Alcorão.
A literatura de hadith também requer abordagem semelhante. Mesmo o mais autêntico hadith em que há unanimidade completa, não deve impor restrição à descoberta de novos significados ou potencialidades do determinado versículo do Alcorão. O Profeta (p.e.c.e.) não podia ter ignorado as limitações do seu próprio tempo em relação a certas práticas, embora com relutância. Por exemplo: ainda que, pessoalmente, tenha emancipado escravos, não poderia ter abolido a escravidão. O Islão foi provavelmente a primeira religião a pregar a igualdade de todos os seres humanos, com a proclamação do Alcorão de que todos os filhos de Adão são iguais e honrados, mas a instituição da escravatura estava tão profundamente enraizada na estrutura social da época que não podia ser totalmente abolida. Mas isso não significa que deveria ser perpetuada, por se citarem alguns versículos do Alcorão ou hadith.
Aqui devemos considerar outro elemento importante da metodologia do Alcorão que é colocar versículos normativos acima de versículos contextuais. Alguns versículos do Alcorão proclamam normas e valores, enquanto outros permitem determinadas práticas ou instituições dentro daquele contexto. Em outras palavras, os versículos normativos são mais importantes do que os versículos contextuais, porque são eternos na sua aplicação.
Ao desenvolver a metodologia para a compreensão adequada do Alcorão devemos sempre que ter em men-te que o Islão era muito mais que um conjunto de cren-ças ou rituais — era a proclamação da revolução social, criando uma nova sociedade humana baseada na igual-dade, justiça e dignidade humana. Acreditava em derru-bar qualquer "status quo" com base na hierarquia, a dis-criminação com base na tribo, casta, credo, raça ou nacionalidade. Há uma dimensão transcendental nos ensi-namentos islâmicos que nunca pode ser ignorada. Mas, como se viu, alguma interpretação do Alcorão que her-dámos está mergulhada em alguns valores medievais. Temos, assim, de juntar esforços para resgatá-la a partir deste medievalismo, mas reconhecendo a sua importân-cia histórica. Temos de voltar ao Alcorão e aos versícu-los normativos para criar uma nova ordem justa e huma-na no século XXI. A nova metodologia de compreensão do Alcorão deveria permitir-nos agitar a actual estrutura injusta de nossa sociedade, deveria permitir-nos ultra-passar a nossa situação social, dar uma nova esperança e construir um novo futuro para a humanidade.
O Alcorão inspirou milhões de pessoas à volta do globo e continuará a fazê-lo enquanto existirem seres humanos neste planeta. Muitos inimigos do Islão atacam esta Extraordinária Escritura e tentam “provar”, à sua maneira, que ela “destila ódio contra os não crentes … providenciando um rígido e fanático sistema de crenças … que fazem com que os muçulmanos sejam fanáticos e derramem tanto sangue na terra”.
Infelizmente, também muitos racionalistas, embora não inspirados pelo ódio do Alcorão, mas pela sua aversão à religião, têm acreditado, frequentemente, nestes argumentos, pois abordam o Alcorão com uma perspectiva pré-concebida que irá apenas atrasar o seu progresso e deturpar a compreensão da sua verdadeira mensagem, o que redunda num impacto confuso.
É tendo em conta estas objecções e interpretações erradas do Alcorão que é necessário desenvolver uma metodologia adequada, para entender a Escritura de imenso significado.
A primeira questão importante neste contexto é saber se será possível haver apenas um único tipo de interpretação?
Em segundo lugar, pode qualquer interpretação particular do Alcorão ser obrigatória para as gerações posteriores, ou mesmo para o povo da mesma geração, por mais eminente que seja o intérprete?
Em terceiro lugar, os companheiros do Profeta (p.e.c.e.) fizeram algum acordo sobre uma determinada interpretação ou significado de um versículo do Alcorão? Se não, por que eles não concordam com os outros?
Em quarto lugar, qual é o papel dos ahadith na compreensão do Alcorão? Pode-se compreender o Alcorão sem a ajuda dos ahadith?
E em quinto lugar, se aqueles ahadith usados para explicar o significado do Alcorão são unanimemente aceites pelos intérpretes e comentadores?
Estas são questões cruciais para desenvolver a metodologia adequada para compreender o Alcorão.
Uma interpretação, por vezes, pode não ser a única interpretação. Isto é fundamental para entender os vários aspectos dos pronunciamentos do Alcorão. Um comentador poderia ter essencialmente uma perspectiva teológica, outro, uma perspectiva sociológica, um terceiro pode olhá-lo do ponto de vista científico e assim por diante. Cada um terá uma contribuição a dar a partir das próprias perspectivas. A este respeito, é importante notar que o Alcorão usa palavras que podem ter vários significados ou linguagem simbólica …
Nós, como muçulmanos, acreditamos que o Alcorão é eterno em sua relevância e vai direto à nossa alma se o deixarmos, pois fala a língua do coração humano, seja onde for que o ser humano se encontre ou seja qual for a era em que viva. Está escrito numa língua universal, profundamente enraizada na constituição natural do ser humano.
Os problemas e desafios enfrentados pelos muçulmanos, no passado, podem não ser os mesmos que enfrentam as gerações presentes.
Assim, a fim de obter orientação e inspiração do Alcorão, as pessoas pertencentes às novas gerações, vão ter de interpretar alguns aspectos Alcorânicos sob a perspectiva contemporânea.
É absolutamente verdade que o hadith desempenha um papel importante na compreensão do Alcorão, mas há alguns problemas com a literatura dos ahadith, que precisam de ser revistos, a fim de ponderar o seu papel na interpretação do Alcorão. O primeiro e mais importante problema é, naturalmente, o da autenticidade do hadith. Há algumas controvérsias sobre diferentes ahadith que são utilizados nas interpretações de vários versículos do Alcorão. E estes ahadith fazem uma diferença crucial para a compreensão dos versículos Alcorânicos. Aqui também há duas coisas que merecem destaque: primeiro, se os versículos pertencem ao que chamamos de crenças metafísicas (‘aqa’id e ibadát), então as eventuais controvérsias não terão qualquer impacto social; segundo, se os versículos dizem respeito a questões socioeconómicas e a leis pessoais, aquilo a que chamamos mu'amalaat, então a interpretação destes versículos terá grande impacto social e afetará a vida das pessoas aqui na terra.
Assim, o nosso próprio sistema de conhecimento e de bagagem cultural é crucial para a compreensão dos versículos do Alcorão. O texto religioso é sempre complexo, rico, multifacetado e multidimensional. Outra coisa que deve ser ressalvada é que os versículos do Alcorão podem ser divididos em cinco categorias:
1) - Os versículos referentes a 'ibadat que incluem a oração (salah), jejum (saum), peregrinação a Meca (hajj), taxa contributiva para o pobre (zakat) e outras práticas semelhantes que pertencem a esta categoria;
2) - Os versículos relativos à mu’amalat que incluem, entre outras coisas, casamento, divórcio, herança, testemunho, negócios, contrato de imóveis, agricultura e assim por diante.
3) - Os versículos referentes a crenças metafísicas como a unicidade de Deus, o Dia do Juízo, o inferno e o céu, os anjos e assim por diante;
4) - Os versículos relativos à orientação geral;
5) - Os versículos referentes a valor como justiça, igualdade, honestidade, etc.
Os versículos relativos à ibadát, conforme atrás referidos, podem ser entendidos à luz do hadith autêntico. O Profeta (p.e.c.e.) explicou como rezar, como realizar a peregrinação a Meca, questões relacionadas com o jejum, etc. Não há necessidade de qualquer nova interpretação ou de repensar estes versículos. Eles devem ser entendidos como explicados pelo Profeta. É o conceito de ibadát e os rituais a eles associados que fornecem a singularidade de qualquer religião. Cada religião tem desenvolvido o seu sistema espiritual e sistema de oração, adoração, etc. Meditação para repensar sobre estas questões é como mexer com essa singularidade estética e destruir a sua espiritualidade, se assim se pode dizer. Portanto, a compreensão dos versículos referentes a ibadát não pode mudar. Mas é claro que as diferenças sectárias, neste contexto irão persistir. Há muitas diferenças, algumas vezes até mesmo de natureza significativa, em matéria de Salah, etc. Entre as várias escolas de jurisprudência no Islão Sunita (Hanafitas, Chafiítas, Malikitas, Hanbalitas, Zahiritas) e no Islão Chi'ita (Ithna-Asharis, Zaiditas, Ismailitas, etc., essas diferenças permaneceram e permanecerão no futuro também. De certa forma, essas diferentes práticas sectárias também fornecem a singularidade de cada grupo e tornam-se em significação de identidade. Estas diferenças também são baseadas nos ahadith aceitáveis para todas as escolas de pensamento. Algumas escolas de pensamento (madhahib) aceitam alguns ahadith como autênticos quando outros aceitam os outros como autênticos e duvidam da autenticidade de outros ahadith.
Quanto aos versículos relativos à mu'amalat que incluem, como já foi referido, assuntos como casamento, divórcio, herança, negócios e assim por diante, há quem, entre os eruditos contemporâneos, quem discuta se re-pensar nesses versículos é necessário tendo em conta os problemas e desafios emergentes. Por exemplo, a permissão Alcorânica para casar com quatro mulheres tem necessidade de ser repensada. Os versículos do Al-corão relacionados com a pluralidade de esposas foram compreendidos sob o espírito medieval e as práticas hebraicas e arábicas vigentes da época. Há, portanto, modernistas que afirmam a necessidade de releitura desses versículos. As mulheres, que se tornaram muito mais conscientes dos seus direitos islâmicos, também estão na vanguarda desta demanda. A mesma coisa po-de-se dizer dos versículos referentes ao divórcio.
Quanto à terceira categoria de versículos ou seja, aqueles referentes a crenças metafísicas como a Unicidade de Deus, o Dia do Juízo, Céu e Inferno, anjos, etc., estes são parte do que podemos chamar de "fé (aqa'id e imán). Estes versículos também, como os pertencentes à primeira categoria, estão fora de qualquer mudança e dizem respeito aos fundamentos da religião. A crença na Unicidade de Deus (Tawhid) é fundamental para o ensino islâmico. Da mesma forma as crenças no Dia do Juízo Final, na Profecia, nas Escrituras, nos Anjos, etc., também pertencem aos ensinamentos básicos do Islão. A crença de que o Profeta Muhammad (p.e.c.e.) é o último Profeta é igualmente fundamental para a crença islâmica e é parte integrante dos ensinamentos do Alcorão. Estas crenças estão fora de qualquer reinterpretação e devem ser aceites sem qualquer questão, pois são parte da singularidade do Islão e fazem a distinção de outras religiões.
A quarta categoria dos versículos do Alcorão dizem respeito à orientação geral para difundir o que é bom (o termo Alcorânico para isso é Ma'ruf) e conter o que é mau (o termo Alcorânico para isto é unkar) e não têm necessidade de mudança. Estas são verdades universais compartilhadas por outras religiões também. É claro que o entendimento do que é e o que é ma'ruf e munkar pode variar ao longo do tempo e de lugar para lugar e, nessa medida, pode haver pequenas diferenças de opinião.
A quinta categoria dos versículos do Alcorão ou seja, aqueles referentes a valores como a justiça, a igualdade, a compaixão, a criação de justa ordem social, etc., são, evidentemente, de natureza eterna. O Alcorão coloca grande ênfase nesses valores. Pode-se dizer que estes valores são fundamentais para o Islão. Não há mais nenhuma questão para repensar porque esses valores são universais e eternos. Além disso, houve completo acordo entre os teólogos e juristas muçulmanos acerca desses valores e que refletem-se em todas as formulações teológicas e jurídicas do Islão. No entanto, pode haver, e há, diferenças acerca do que é justo e do que não é e o que constitui a igualdade e em que sentido. Por exemplo, o versículo Alcorânico 4:129, acerca do tratamento de mulheres era assim interpretado, pois que o tratamento igual para todas as quatro esposas foi pensado ser o suficiente para cumprir o sentido de justiça.
Assim, o que parece ser justo hoje poderá já não ser justo amanhã. Mas o que é mais importante é a justiça, não a sua compreensão em determinadas circunstâncias. Assim, a interpretação dos juristas islâmicos dos versículos do Alcorão relacionados com a justiça, ou quaisquer outros valores semelhantes, terá que mudar de acordo com o espírito do tempo/conjuntura. Este é um elemento importante da metodologia a ser utilizada para compreender os versículos do Alcorão. Em outras palavras, tem de haver um elemento de dinamismo na compreensão dos versículos do Alcorão.
A literatura de hadith também requer abordagem semelhante. Mesmo o mais autêntico hadith em que há unanimidade completa, não deve impor restrição à descoberta de novos significados ou potencialidades do determinado versículo do Alcorão. O Profeta (p.e.c.e.) não podia ter ignorado as limitações do seu próprio tempo em relação a certas práticas, embora com relutância. Por exemplo: ainda que, pessoalmente, tenha emancipado escravos, não poderia ter abolido a escravidão. O Islão foi provavelmente a primeira religião a pregar a igualdade de todos os seres humanos, com a proclamação do Alcorão de que todos os filhos de Adão são iguais e honrados, mas a instituição da escravatura estava tão profundamente enraizada na estrutura social da época que não podia ser totalmente abolida. Mas isso não significa que deveria ser perpetuada, por se citarem alguns versículos do Alcorão ou hadith.
Aqui devemos considerar outro elemento importante da metodologia do Alcorão que é colocar versículos normativos acima de versículos contextuais. Alguns versículos do Alcorão proclamam normas e valores, enquanto outros permitem determinadas práticas ou instituições dentro daquele contexto. Em outras palavras, os versículos normativos são mais importantes do que os versículos contextuais, porque são eternos na sua aplicação.
Ao desenvolver a metodologia para a compreensão adequada do Alcorão devemos sempre que ter em men-te que o Islão era muito mais que um conjunto de cren-ças ou rituais — era a proclamação da revolução social, criando uma nova sociedade humana baseada na igual-dade, justiça e dignidade humana. Acreditava em derru-bar qualquer "status quo" com base na hierarquia, a dis-criminação com base na tribo, casta, credo, raça ou nacionalidade. Há uma dimensão transcendental nos ensi-namentos islâmicos que nunca pode ser ignorada. Mas, como se viu, alguma interpretação do Alcorão que her-dámos está mergulhada em alguns valores medievais. Temos, assim, de juntar esforços para resgatá-la a partir deste medievalismo, mas reconhecendo a sua importân-cia histórica. Temos de voltar ao Alcorão e aos versícu-los normativos para criar uma nova ordem justa e huma-na no século XXI. A nova metodologia de compreensão do Alcorão deveria permitir-nos agitar a actual estrutura injusta de nossa sociedade, deveria permitir-nos ultra-passar a nossa situação social, dar uma nova esperança e construir um novo futuro para a humanidade.
Obrigado. Wassalam.
M. Yiossuf Adamgy - 23/09/2014.
M. Yiossuf Adamgy - 23/09/2014.
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