Até quando continuaremos a crer no conto do agressor agredido, que pratica o terrorismo porque tem direito a defender-se do terrorismo? Um país bombardeia dois países. A impunidade poderia resultar assombrosa se não fosse costume. Alguns tímidos protestos dizem que houve erros. Até quando os horrores se continuarão a chamar erros? 14/07/2014 - Autor: Eduardo Galeano - Fonte: Ecoportal - In http://www.ecoportal.net/Temas_Especiales/Derechos_Humanos/Hasta_cuando - Trad. Portuguesa de: Yiossuf Adamgy
Esta carniceira de civis desatou-se a partir do se-questro de um soldado. Até quando o sequestro de um soldado israelita poderá justificar o sequestro da sobera-nia Palestina? Até quando o sequestro de dois soldados israelitas poderá justificar o sequestro do Líbano inteiro?
A caça aos judeus foi, durante séculos, o desporto preferido dos europeus. Em Auschwitz desembocou um antigo rio de espantos, que havia atravessado toda a Europa. Até quando continuarão os palestinos e outros árabes a pagar crimes que não cometeram?
Hezbollah não existia quando Israel arrasou o Líbano nas suas invasões anteriores. Até quando continuare-mos a crer no conto do agressor agredido, que pra-tica o terrorismo porque tem direito a defender-se do terrorismo?
Iraque, Afeganistão, Palestina, Líbano… Até quando se poderá continuar a exterminar países impune-mente?
As torturas de Abu Ghraib, que despertaram certo mal-estar universal, não têm nada de novo para nós, os latino-americanos. Os nossos militares aprenderam essas técnicas de interrogatório na Escola das Améri-cas, que agora perdeu o nome mas não as manhas. Até quando continuaremos aceitando que a tortura se vá legitimando, como fez a Tribunal Supremo de Israel, em nome da legítima defesa da pátria?
Israel não fez caso de quarenta e seis recomen-dações da Assembleia Geral e de outros organismos das Nações Unidas. Até quando o governo israelita continuará exercendo o privilégio de ser surdo?
As Nações Unidas recomendam mas não decidem. Quando decidem, a Casa Branca impede que deci-dam, porque tem direito de veto. A Casa Branca vetou, no Conselho de Segurança, quarenta resolu-ções que condenavam Israel. Até quando as Nações Unidas continuarão actuando como se fossem outro nome dos EE.UU.?
Desde que os palestinos foram desalojados de suas casas e despojados de suas terras, muito sangue correu. Até quando continuará correndo o sangue para que a força justifique o que o direito nega?
A história repete-se, dia após dia, ano após ano, e um israelita morre por cada dez árabes que morrem. Até quando continuará valendo dez vezes mais a vida de cada israelita?
Em proporção à população, os cinquenta mil civis, na sua maioria mulheres e crianças, mortos no Iraque, equivalem a oitocentos mil estado-unidenses. Até quando continuaremos aceitando, como se fosse costume, a matança de iraquianos, numa guerra cega que esqueceu os seus pretextos? Até quando continuará sendo normal que os vivos e os mortos sejam de primeira, segunda, terceira ou quarta categoria?
O Irão está desenvolvendo a energia nuclear. Até quando continuaremos crendo que isso basta para provar que um país é um perigo para a humanidade? À chamada comunidade internacional não angustia para nada o facto de que Israel tenha duzentas e cinquenta bombas atómicas, ainda que seja um país que vive à beira de um ataque de nervos. Quem maneja o peri-gosímetro universal? Terá sido o Irão o país que lan-çou as bombas atómicas em Hiroxima e Nagasaki?
Na era da globalização, o direito de pressão pode mais que o direito de expressão. Para justificar a ilegal ocu-pação de terras palestinas, a guerra chama-se paz. Os israelitas são patriotas e os palestinos são terroris-tas, e os terroristas semeiam o alarme universal.
Até quando os meios de comunicação continuarão sendo “medos” de comunicação?
Esta matança de agora, que não é a primeira nem será, temo, a última, ocorre em silêncio? Está mudo o mundo? Até quando continuarão soando como um sino tardio as vozes da indignação?
Estes bombardeamentos matam crianças: mais de um terço das vítimas, não menos da metade. Os que se atrevem a denunciá-lo são acusados de anti-semitis-mo. Até quando continuarão sendo anti-semitas os críticos dos crimes de terrorismo de estado? Até quando aceitaremos essa extorsão? São anti-semitas os judeus horrorizados pelo que se faz em seu nome? São anti-semitas os árabes, tão semitas como os judeus? Por acaso não há vozes árabes que defendem a pátria palestina e repudiam o manicómio fundamentalista?
Os terroristas parecem-se entre si: os terroristas de estado, respeitáveis homens de governo, e os terroristas privados, que são loucos soltos ou loucos organizados desde os tempos da guerra fria contra o totalitarismo comunista. E todos actuam em nome de Deus, assim se chame Deus ou Allah ou Jeová. Até quando continuaremos ignorando que todos os terrorismos desprezam a vida humana e que todos se alimentam mutuamente? Não é evidente que nesta guerra entre Israel e Hezbollah são civis, libaneses, palestinos, israelitas, que são mortos? Não é evidente que as guerras do Afeganistão e do Iraque e as invasões de Gaza e do Líbano são incubadoras de ódio, que fabricam fanáticos em série?
Somos a única espécie animal especializada no extermínio mútuo. Destinamos dois mil e quinhentos mi-lhões de dólares, por dia, aos gastos militares. A mi-séria e a guerra são filhas do mesmo pai: como alguns deuses cruéis, comem os vivos e os mortos. Até quando continuaremos aceitando que este mundo ena-morado pela morte é o nosso único mundo possível?…
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