quarta-feira, dezembro 12, 2018

A Humanidade sem nação, reflexão por ocasião do - Dia Internacional da Luta contra a Islamofobia


Prezados Irmãos,
Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alaikum", (que a Paz esteja convosco), que  representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade. «Ó Humanidade! Na verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos, para reconhecerdes uns aos outros. Sabei que o mais honrado, dentre vós, ante Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sábio e está bem inteirado». (Alcorão, 49:13).
Os Dias Internacionais, como outras efemérides, não são iniciativas vãs para mobilizar as consciências. São instrumentos necessários para manter viva a memória. O esquecimento é a razão pela qual certos episódios se repetem ao longo da história, e não nos referimos a momentos excepcionais. Falamos sobre a violência. A partir da Plataforma Cívica contra a Islamofobia temos oferecido, repetidamente, uma explicação da equação da violência contra o que é ou parece muçulmana ou islâmica (o primeiro aplicado a pessoas, o resto a conceitos ou objetos). A violência não é espontânea ou materializada pela ciência infundida. É gerada por mecanismos conhecidos: o discurso, a hostilidade, a exclusão, a violência. Isto é, a negação da humanidade. O discurso do ódio consiste em diferenciar e criar o "outro", desumanizá-lo, culpá-lo, criminalizá-lo e criar uma mensagem permanente de necessidade de defesa e de um suposto ataque. Na Europa fala-se de "invasão", na Espanha foi recentemente reavivada a "reconquista". Ambos os mitos com os quais se incita a população (esgotada por excesso de mensagens e incapazes de discernir as notícias falsas das verdades, cansada de uma política medíocre que necessita se alimentar de inimigos para avolumar a militância) para a hostilidade e a violência. Essa população deve, portanto, tomar posições; e essas posições serão de total rejeição se estiverem a ser alimentadas pelo discurso de que há "outro" que vem tirar-te o trabalho, que vai viver de ajudas, que traz os seus costumes e vai tratar de impô-las, que não traz nada de positivo para nossa sociedade, que tem uma cultura violenta e ignorante, que em definitivo é o inimigo a combater. A posição que permanece dessa perspectiva é apenas uma: defender-se, e atacar. Os olhares hostis, os empurrões ou pisadelas no transporte público, as expulsões de alunas com hijab, a negação de menus escolares, a violação sistemática da lei 26/1992, a agressão contra as mulheres para despojá-las de parte de suas vestimentas em plena rua, as múltiplas expressões de hostilidade inundam o quotidiano.
A hostilidade e a exclusão exercidas na Espanha contra os muçulmanos são um grave indicador das deficiências que o processo de "transição" deixou. A Espanha não conseguiu eliminar o fascismo, e os rescaldos do mesmo foram ressuscitados no calor da onda nacionalista e xenófoba que assola a Europa e os Estados Unidos. A Espanha não tem conseguido aceitar a pluralidade de sua nação: que há espanhóis que professam diferentes religiões, que têm diferentes orientações sexuais, que optam por diferentes modelos de família e da vida, que elegem ser "umma" (humanidade) versus a opção de ser "nacionalista" A Espanha, em suma, não decidiu para onde vai, nem quem deve participar desse debate e dessa decisão. A Espanha está desmoronando em nossas mãos porque não há um projeto que impulsione o país a partir da pluralidade positiva, a partir da inteligência, a partir da generosidade, a partir do respeito. E porque não é bom esquecer, apelamos novamente à memória, para recordar que na Europa se cometeu o maior genocídio da história, não foi em outro lugar. Milhões morreram porque eram diferentes (eram judeus, ciganos, homossexuais, doentes). Milhões morreram porque a população criou o discurso, discurso que por certo estava legitimado pelo poder, não olvidemos que Hitler foi eleito nas urnas. Apelamos à memória para lembrar que duas guerras "mundiais" (deveríamos dizer européias) foram forjadas e estalaram impulsionadas por nacionalismos, ideologias necessariamente excludentes (não apenas do "outro", mas de toda a humanidade). Insistimos que esses episódios de violência e morte, que não beneficiam senão a uns poucos, se combatem através do respeito, da educação, da memória e da ação.
É por isso que nós celebramos este Dia Internacional de Luta contra a Islamofobia, pelo menos para fazer as perguntas que suscita o avanço do nacionalismo e o evidente esquecimento para onde nos levou a última vez que isso a ocorreu. Essas perguntas suscitam uma profunda preocupação pelo futuro de nossa nação. Por que não respeitamos a diversidade? É tão difícil apreciar as culturas dos outros? Será que realmente achamos que um passaporte nos torna "mais humanos" do que as  outras pessoas? Que tipo de mundo queremos e como vamos envolver os outros para saber o que eles querem?
A partir da Plataforma, pensamos que a ajuda mútua e o conhecimento são as ferramentas necessárias para começar a não repetir os erros da história.
A ajuda mútua, esse (parece que) esquecido conceito cunhado por Kropotkin, tem sido o fator mais decisivo na evolução tecnológica e social da humanidade. O conhecimento, ao que exorta o Alcorão em numerosas passagens, o dever de todo crente, é o motor da Humanidade na sua expressão máxima: preservar a vida, respeitar o planeta, desenvolver-se como pessoas, como sociedade, alcançar a felicidade e a paz.
A cooperação e o conhecimento são fundamentais para o desenvolvimento material e espiritual dos povos. Se entendermos os "povos" a partir do contexto Islâmico, não estamos referindo-se a nações cuja ideologia as leva a um confronto umas contra as outras, como já temos visto, em várias ocasiões na Europa. Referimo-nos a nações cujo objetivo é o conhecimento mútuo para buscar opções de colaboração e intercâmbio, para a melhoria das suas sociedades. Isso só pode ser alcançado através do respeito e da educação, e do ativismo, entendido este como uma rejeição de passividade, a indiferença e o desinteresse, como um esforço diário para entender a nossa sociedade, os mecanismos políticos que a administram, a história e as suas lições, e as oportunidades que o futuro nos oferece.
A idéia de "uma" proporciona-nos uma oportunidade de refletir sobre tudo o que não conseguimos como humanidade. Enquanto houver ideologias como as nacionalistas ou fascistas, que baseiam a sua sobrevivência na exclusão e na aniquilação do "outro", não teremos a oportunidade de defender a nossa humanidade. É necessária educação: não podemos esquecer que a Espanha sempre foi muito diversificada, de múltiplas culturas, línguas, religiões, que o Islão é o nosso patrimônio, que é tão valioso quanto qualquer outro elemento do nosso passado, que nós somos um país diverso e que todas as partes que compõem essa diversidade têm os mesmos direitos. O respeito é necessário, como um dos valores fundamentais que garantem a integridade própria e a dos outros; e esse respeito deve ser estendido a todos os membros da sociedade. A memória é necessária, porque as pessoas devem aprender a não repetir os erros, a usar a nossa inteligência para entender que há situações que não podem ser repetidas, porque custam vidas. E é necessária a ação, porque o descontentamento e o tédio nos roubam a vida e o futuro de nossos filhos e filhas.
É a hora de escolher se estamos realmente comprometidos, se fazemos esse esforço ou se deixamos que a história se repita. Se queremos"defender" uma nação contra o mundo ou se somos "umma", a nação humana, o futuro onde todos nos encaixamos .
Obrigado. Wassalam (Paz).
M. Yiossuf Adamgy - Diretor da Revista Islâmica Portuguesa Al Furqán

Por Barbara Ruíz-Bejarano* - 11 de dezembro de 2018 Versão portuguesa de: M. Yiossuf Adamgy *Bárbara Ruíz-Bejarano  é Diretora de Relações Internacionais do Instituto Halal e Diretora da Escola Halal em Espanha

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