Aisha durante o reinado do Califa Muawiyya
Muawiyya foi o sucessor do Imam Ali (r.a.), assassinado em momentos difíceis da história do Islão. A nossa intenção não é evocar aqui todas as intrigas que acompanharam a tomada de poder pelo califa Muawiyya e as suas desastrosas consequências para o futuro da comunidade muçulmana. Trata-se sim de insistir no papel e análise de Aisha (r.a.) ante a decadência do sistema político criado pelo Profeta (s.a.w.) e seus sucessores e ante o nascimento de um desvio do poder defendido por Muawiyya, que deu inicio ao primeiro sistema dinástico dos Omíadas.
Aisha (r.a.) não tardou em expressar o seu desacordo e a sua cólera face ao abuso de poder de Muawiyya. Muitos relatos históricos dão conta das suas propostas e críticas, particularmente, na morte do seu irmão, Mohammed Ibn Abi Bakr, governador do Egipto durante o reinado do Imam Ali (r.a.), assassinado pelos aliados de Muawiyya.[1] Por outro lado, criticou a recusa do novo califa e do seu governador Marwan Ibn al-Hakam, em enterrar al-Hassan perto do seu avô, o Profeta (s.a.w.). Também não mostrou medo ao condenar Muawiyya por ter mandado assassinar Hajar ibn Adi e os seus amigos, quando o visitavam. Publicamente, Aisha (r.a.) disse-lhe: “Ouve Muawiyya, não tens medo de Deus ao assassinar Hajar e os seus amigos?” [2]
Muawiyya sempre tentou, inutilmente, aproximar-se de Aisha (r.a.) para lhe pedir a sua opinião e o seu conselho. Enviava-lhe, com frequência, somas elevadas em dinheiro, que ela distribuía de imediato pelos mais necessitados. Um dia em que o Califa lhe escreveu a pedir conselhos, Aisha (r.a.) respondeu, clarificando o que pensava dele:
“As salam alaykum. Ouvi o Profeta (s.a.w.) dizer o seguinte: “Aquele que procura satisfazer a Deus decepcionando as pessoas, Deus o protegerá das pessoas. No entanto, aquele que busca satisfazer as pessoas decepcionando Deus, Deus deixá-lo-á como prisioneiro das pessoas. Salam”. [3]
Para instaurar uma espécie de monarquia hereditária durante o seu reino, Muawiyya aboliu o califado, primeiro sistema político da cidade muçulmana no qual, o califa é eleito depois de ser consultada a comunidade (shura). Desta maneira, lançou uma campanha, através de todos os territórios muçulmanos, favorecendo um juramento de fidelidade política para o seu filho Zayd.
Marwan ibn al-Hakam, filho do inimigo mais hostil do Mensageiro (s.a.w.), converteu-se num fervoroso apoiante da sucessão do filho de Muawiyya e pronunciou um discurso no qual justificava esta nova visão de poder. Isto provocou a ira de Abd ar-Rahman Ibn Abi Bakr, irmão de Aisha (r.a.), que respondeu:
“É mais parecido com uma ditadura hereditária como a de César. Agora vocês prestam juramentos de fidelidade aos vossos filhos!”[4]
Marwan, muito lastimoso com esta resposta, espalhou falsos rumores sobre Abd ar-Rahman, provocando um verdadeiro conflito no seio da comunidade. [5]
Aisha (r.a.) protestou violentamente contra o que dizia Marwan e defendeu o seu irmão neste contencioso político, optando pela shura (princípio da consulta). Ao recusar a designação de um sucessor entre família, o clã ou os amigos do califa, o Profeta (s.a.w.) decidiu um futuro e uma orientação específica para o conjunto dos muçulmanos. A mensagem que transmitiu sugeria o direito da comunidade eleger a pessoa mais qualificada e competente, sem ter em conta o sangue, a raça ou a etnia.
Aisha (r.a.) opôs-se a esta nova visão do poder no Islão que se converteria numa profunda chaga na história da civilização muçulmana: a monarquia hereditária despótica, verdadeira perversão do poder político que evoluirá até um verdadeiro despotismo arcaico (mulk).
Os leitores interessados em saberem mais sobre a nobre biografia de Hazrat Aisha (r.a.), poderão ler, em livro, a vida de "Aisha (r.a., Esposa do Profeta (s.a.w.)", de autoria de Asma Manrabet. Este livro encontra-se traduzido em português, e foi editado pela Al Furqán. A Sinopse completa sobre este livro pode ser vista neste link:
Wassalam.
M. Yiossuf Adamgy
(Director de Al Furqán)
[1] - Said Ramadan al Bouti, Aisha um al-muminin, al Farabi, Damas,1998, p. 66.
[2] -Ver a este respeito a interessante análise política desta época no livro de Nadia Yassine, Todas as velas para fora, Alter Editions, Paris. 2002.
[3] - Said Ramadan al-Bouti, o. cit. p. 132.
[4] - A resposta às rectificações feitas por Aisha (r.a.) aos companheiros encontra-se na obra do Imam Az-Zarkashi, Edition al-Khangi, 2001, Cairo, p. 126.
[5] - Sobre esta questão, ver o debate dos ulemas. Ibid. P. 126
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