Quando falamos do “retorno do Islão a Espanha” devemos evitar maus entendidos. Esta frase faz referência a uma situação precisa: depois do genocídio e da expulsão perpetrada contra os muçulmanos (como contra judeus, protestantes e cristãos unitários), o Islão volta a ser praticado no Estado Espanhol, tanto por causa da emigração como por causa do crescente número de cidadãos espanhóis, que se reconhecem muçulmanos.
Prezados Irmãos,
Assalamu Alaikum Wa ráhmatullahi Wa barakatuh:
Esta realidade encontrou um reflexo na Legislação Espanhola na Constituição de 1978, e de um modo específico em 1989, quando o Islão foi reconhecido oficialmente como “religião notoriamente enraizada”, e em 1922, com a assinatura de um acordo de cooperação entre o Estado e a Comissão Islâmica de Espanha. Este acordo foi realizado num momento em que se cumpriam quinhentos anos das Capitulações de Granada, os pactos assinados pelos Reis Católicos com os Muçulmanos Espanhóis, através dos quais se garantia a sua liberdade de culto. Como é sabido, as Capitulações foram incumpridas de forma sangrenta, dando início ao período mais obscuro da história da Península Ibérica.
É necessário recordar que a prática do Islão permaneceu proibida nas nossas terras durante séculos, com o qual todo o mundo reconhecerá o Acordo como um feito saudável: o fim de quinhentos anos de monopólio religioso, de pensamento único imposto pela força, e a conseguinte recuperação da liberdade religiosa e da consciência que tinha caracterizado a Espanha Muçulmana. O retorno do Islão a Espanha não vem abrir uma ferida curada pelo tempo, mas é a possibilidade de fechar uma ferida aberta, com a conseguinte recuperação de um passado destruído pela violência e pelo fogo.
Este feito pode trazer novas luzes a isso que os intelectuais chamaram “a realidade histórica de Espanha”. Situamo-nos perante a possibilidade de reescrever a história da Península desde o ponto de vista do cruzamento de civilizações e culturas, recordar o nosso passado como expressão de um pluralismo que sempre devia ter prevalecido numa terra situada como confluência dos mundos. Estamos num momento privilegiado para rever a nossa história, para superar toda a tentação totalitária e plantar um futuro onde a convivência entre as religiões e concepções do mundo seja possível, o que nos exige o esforço pessoal de superar toda a tentação de considerar o nosso caminho como o melhor ou o único possível, de reconhecer a todo o mundo o seu direito de eleger aqueles princípios pelos quais quer guiar a sua vida.
No entanto, a situação da liberdade religiosa em Espanha está longe de ser boa. A resistência em cumprir com o mencionado Acordo por parte do Estado Espanhol tem a sua origem na resistência dos poderes que se beneficiaram de exercer o monopólio, e que olham para a diversidade como um perigo. Todos aqueles que advogamos pelo reconhecimento da realidade plural de Espanha, quer seja a nível religioso ou das diferentes nacionalidades vemo-nos defrontados com a mesma persistência de estruturas mentais que têm a ver com o Antigo regime. O facto de que estas correntes reacionárias vinculadas ao nacional catolicismo tenham tanta força constitui um autêntico escândalo, é a negação dos princípios do estado de direito que deveriam reger todos os cidadãos.
No caso dos muçulmanos, isto significa: dificuldades para abrir centros de culto, negação de espaços em cemitérios públicos, não comemoração de festivi-dades religiosas islâmicas, não regulamentação da alimentação halal, negação da participação dos mu-çulmanos na gestão do património de origem islâ-mica, restrição do direito ao ensino do Islão nas escolas, e uma geral desatenção das instituições para com as necessidades religiosas deste colec-tivo. Tudo o que foi mencionado são direitos legítimos dos cidadãos muçulmanos, mencionados como tal na Lei do Acordo de Cooperação, direitos que são vulne-rados uma e outra vez por juntas, comunidades au-tónomas e por todo o aparato do Estado.
A falta de cultura democrática em Espanha é desoladora. Hoje em dia, os princípios constitucionais de aconfessionalidade e de igualdade e não discriminação entre as religiões não são respeitados, ainda sendo os pilares da liberdade religiosa. A Igreja Católica recebe enormes quantidades de dinheiro, saído dos nossos bolsos, e goza de claros privilégios. Os políticos acodem a atos religiosos católicos, no exercício das suas funções públicas, e as Forças Armadas continuam a celebrar festividades religiosas católicas, que discriminam os membros de outras confissões. As câmaras financiam o restauro e manutenção de Igrejas, mas nega-se ajuda e proteção às confissões não católicas.
Os cidadãos de confissão muçulmana têm muitos motivos de queixa, e, no entanto, somos assinalados constantemente como causa de problemas. É curioso que se chamem constantemente os emigrantes muçulmanos a integrar-se na sociedade, a cumprir com os seus deveres, no entanto o Estado e a Sociedade no seu geral permitem-se vulnerar, de forma manifesta, os seus direitos. O que gostaria de saber é quais sãos os deveres como cidadãos que se supõe que os muçulmanos não cumprem em Espanha. Pelo contrário, sei muito bem quais são os direitos que o estado atual das coisas não nos garante.
“Wa salamu aleikum wa ráhmatullahi wa barakatuh.
E a paz de Deus esteja convosco... ."■
Fonte: 05/09/2013 - Autor: Abdennur Prado - Fonte: Webislam – Tradução: Yiossuf Adamgy
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