quinta-feira, novembro 15, 2012

ALDEIA DAS RELIGIÕES- ENCONTRO DE DIVERSAS RELIGIÕES EM PORTUGAL

Em nome de Deus o Clemente e Misericordioso!

Queridos irmãos e caros leitores, hoje, eu quero dividir com vocês uma experiência maravilhosa vivida por irmãos portugueses ou mesmos de outras nacionalidades, mas, que vivem naquele país. Enquanto em alguns lugares do mundo pessoas de diferentes credos de procuram nisso um motivo para discórdia, naquele mais milenar a proposta é aproximar os credos, conhecer suas bases religiosas, compreenderem suas crenças e por fim, conviverem harmoniosamente com as diferenças.

Centro Cultural Islâmico do Porto, em representação dos muçulmanos residentes em Portugal, participou na “Aldeia das Religiões”, que se realizou em Priscos – Braga, nos dias 25 a 28 de Outubro de 2012, no âmbito da Capital Europeia da Juventude. É a segunda vez que, a nível mundial, se realiza este tipo de encontros. A primeira experiência teve lugar no Brasil em 1992, apenas por uma noite. Em Priscos, uma aldeia pacata à entrada de Braga, os visitantes puderam visitar e dialogar com as diferentes confissões religiosas durante 4 dias, entre as 10 horas e às 22 horas.

Foram construídas de raiz 13 casas todas iguais, que albergaram as diversas confissões religiosas, entre elas, a Igreja Católica e a Comunidade islâmica, bem como outras minoritárias, como por exemplo a Comunidade Portuguesa de Candomblé Yorúbá.

Hesitamos em aceitar o convite, porque o evento teve lugar na altura da comemoração do Idul Adha (festa religiosa dos muçulmanos relativa ao final da Peregrinação à Maka). Mas o Padre João Torres, da paróquia de Priscos e responsável pelo evento, insistiu na nossa presença, considerando que era importante, por dois motivos: a primeira, para os visitantes obterem esclarecimentos sobre os verdadeiros fundamentos do Islão, em contraste ao que se ouve e se lê; em segundo lugar porque ele guarda boas recordações do convívio com os muçulmanos, quando esteve em Moçambique, em missão de serviço. Com estes argumentos, acabámos por aceitar. 

Para decorar e apetrechar a “nossa casa” com motivos islâmicos, tive o apoio de um vizinho e amigo, que sendo temente a Deus, não professa a nossa religião. Este é um exemplo de entre ajuda, da harmonia e da convivência pacífica, independentemente da raça e da confissão religiosa de cada um. Em caso de emergência, é o vizinho que está mais próximo para nos acudir. Quem acredita em Deus, e no Último dia, deve tratar o seu vizinho generosamente. Aicha e Ibn Omar referiram que o Profeta (Que a Paz e as Bênçãos de Deus estejam com ele), lhes transmitiu a seguinte preocupação: “O anjo Gabriel recomendou-me frequentemente no que se refere aos direitos dos vizinhos, que receei que estes também seriam declarados como herdeiros)”. Bukhari 73:43,44

Nos primeiros dois dias do certame não foi possível a nossa presença, por motivos profissionais e por causa do Idul Adha, dia de orações e de festa. Nos referidos dias, o Padre João Torres, responsável pelo evento, ficou a tomar conta da “nossa casa”.

Nesses dias, os visitantes tiveram acesso às informações acerca do islão que se encontravam afixadas nas paredes, bem como às fotocópias que foram distribuídas gratuitamente. Ao longo destes anos, nas diversas reuniões de esclarecimento e de divulgação da Religião islâmica, tenho convivido com responsáveis das várias igrejas cristãs, em especial com os padres católicos, com os quais mantenho uma relação de cordialidade e de proximidade. Refere o Alcorão: “….E encontrarás os mais próximos dos crentes aqueles que dizem “somos cristãos”. Isso porque entre eles há sacerdotes e monges e eles não são orgulhosos”. 5:82.

Nos dias seguintes, sábado e domingo, a “Aldeia da Religiões”, foi “invadida” por milhares de visitantes. Este evento foi pensado nos jovens, a fim de perceberem os fundamentos e os rituais de cada confissão. Organizados em grupos, vieram acompanhados pelos professores e outros na companhia dos pais. Os mais idosos também marcaram presença. Movidos pela curiosidade, quiseram saber as manifestações espirituais de cada uma das confissões e como Deus é representado.

Não esperávamos ver tanta gente, porque normalmente este tipo de eventos não tem suscitado grandes concentrações de pessoas. Foram distribuídas mais de 2.500 fotocópias referenciando diversos temas, nomeadamente: Princípios Gerais do islão,

Os Pilares da Fé, a Importância da Água no Islão, a Esposa, versículos do Alcorão,Jesus também um Profeta do islão e a Espiritualidade no Islão.

Com o apoio da Al Furqan, editora de livros islâmicos de Portugal, foi possível colocar à disposição dos visitantes, livros diversos focando temas da história do Islão, bem como de assuntos da actualidade. Nestas terras do Norte de Portugal, muito conservadora, os pilares da fé islâmica são desconhecidos. Conhecem o Islão pelas informações deturpadas que são transmitidas através da comunicação social, a qual muitas vezes associa a violência à Religião. Ao entrarem na “nossa casa”, os visitantes deparavam-se com um grande quadro representando a Mesquita Sagrada de Maka e no centro a Caba. Entre outras exclamações o que mais ouvi foi: “É esta a pedra negra que vocês adoram?”; “Que quadro bonito! Ficaria muito bem na minha sala!”. Estavam assim lançados os temas para o diálogo. O quadro representa o período de Haj – a Peregrinação a Meca, que estava a decorrer. A peregrinação a Meca é obrigatória, pelo menos uma vez na vida, para os muçulmanos que tenham possibilidades financeiras. Foi assim possível falar do Profeta Abraão – Que a Paz de Deus esteja com ele, tronco comum das 3 religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo. Ele e o seu filho primogénito Ismael, também Profeta do Islão, reconstruiram a Caba, a Casa de Deus.

Depois de concluídos os trabalhos, pai e filho circundaram a casa por 7 vezes, louvando e pedindo a Deus: “Senhor Nosso, aceita (este serviço) de nós. Tu és o Exorável, o Sapientíssimo”. 2:127. “Senhor Nosso! Faz de nós submissos a Ti, e que surja da nossa descendência, um povo submisso à Tua vontade…” 2:128.

“Senhor Nosso! Faz surgir no seu meio, um Mensageiro saído entre eles, que lhes recite os Teus Versículos e lhes ensine a Escritura e a Sabedoria, e os purifique; Tu és o Poderoso, o Sábio.” 2:129.

A peregrinação consiste em lembrar as principais tribulações sofridas pelo Profeta Abraão e sua família, nomeadamente quando Deus testou Abraão, que recebeu instruções através do sono para sacrificar o seu filho Ismael. Quando se dirigia para cumprir as ordens de Deus, Abraão foi tentando pelo diabo por três vezes, persuadindo-o para que não o fizesse. Abrão afugentou o diabo, atirando 7 pedras.

Por 3 vezes o Profeta Abraão foi tentado e por três vezes atirou pedras para afugentar o diabo. Deus com a sua infinita misericórdia, entregou a Abraão um carneiro para ser sacrificado. Também os muçulmanos quando vão fazer a peregrinação, vão atirar as pedras para 3 grandes pilares, representando os diabos. Não os que tentaram Abraão, mas os que nos atormentam dia a dia e nos desviam do caminho da verdade. Os muçulmanos que estão em peregrinação e os que estão em todo o mundo, sacrificam carneiros, camelos ou vacas, lembrando o sacrifício que Abraão. Com esta explicação, muitos interrompiam: ”É só o prazer de matar animais?. Por ser um dia de festa, a carne é dividida em 3 partes iguais, uma para nosso consumo próprio, outra para os vizinhos e familiares e outra para os pobres. Assim, todos têm o suficiente para passarem o dia de festa. A carne era e continua a ser um bem escasso para os mais necessitados. Depois deste esclarecimento, exclamavam e continuavam com as perguntas: “Ah, assim tem lógica! E já agora, vocês adoram a pedra negra?”. Não adoramos a Caba, só adoramos unicamente a Deus, e não necessitamos de nenhuns intermediários, para nos dirigirmos a Ele. Nas nossas Mesquitas não temos figuras de Santos ou de Profetas. A representação em imagens não é permitida, porque isso conduziria à adoração dos mesmos. A Caba é um lugar sagrado e serve de orientação para todos os muçulmanos para se virarem na sua direcção para efectuarem as orações. Se a Caba desaparecesse, o local em si, continuaria sagrado.

A condição da mulher muçulmana foi tema de conversas e de pedidos de esclarecimentos. Em qualquer parte do mundo, onde os empregos são escassos, os melhores lugares são ocupados pelos homens e as mulheres ficam a tomarem conta da casa e dos filhos. Elas ficam assim mais disponíveis para educarem os filhos. Com a evolução dos tempos, com o aumento da oferta de trabalho e com a necessidade de aumentar os rendimentos do lar, a mulher começou a exercer diversas profissões. Era assim também em Portugal, se recuarmos para os anos 40 e 50. Hoje em dia, muitas mulheres muçulmanas já estudam, trabalham e ocupam lugares de destaque e de responsabilidade. É uma evolução gradual, dependente das condições económicas e financeiras dos países ondem vivem. Infelizmente algumas mulheres, em qualquer parte do mundo, sofrem violências por parte dos maridos desprovidos de carácter, como é o exemplo, em Portugal, dos 28.980 casos de violência doméstica participados às autoridades em 2011 e das mais de 30 mulheres que são mortas anualmente. O Islão recomenda o tratamento condigno à mulher. Repetidamente o Profeta e a Palavra de Deus, alertam-nos para o bom carácter em relação a todos, em especial para com a mulher. O homem encontrará o paraíso nos pés da mãe. A melhor descrição acerca do relacionamento entre marido e mulher, é referida no Cur’ane: “Elas são as suas vestimentas e vós sois as vestimentas delas”. 2:187.

Protecção, apoio e conforto mútuo.

À pergunta “Nas mesquitas, porquê que as mulheres fazem as orações  separadas dos homens?”, esclarecemos: Nas orações em congregação, os crentes ficam muito juntos uns dos outros, ombro a ombro. E uma das partes da oração, é de nos prostrarmos a Deus. Por estarmos “colados” uns aos outros, os homens e as mulheres oram em salas separadas. Assim, Desligamo-nos de tudo e mantemo-nos concentrados nas orações. Referi também que nas Igrejas do interior, onde já fui várias vezes assistir a casamentos ou acompanhar funerais, os homens ficam numa ala e as mulheres noutra e isto não corresponde a nenhuma descriminação, mas sim respeito pelo lugar onde nos encontramos.

Nós acreditamos em Deus e vocês acreditam em Allah? De que matéria é Ele representado? Eram outras perguntas frequentes. Outros afirmaram que Allah é Deus dos Árabes. Ficaram espantados quando lhes disse que os Cristãos Coptas que estão no Egipto, também dizem Allah quando se referem a Deus. Deus é único para toda a humanidade e cada povo O denomina na sua própria língua. Assim, Allah é o termo arábico, que significa Deus, God, Dieu, Kulukumba (um dos dialectos moçambicanos).

Deus não é feito de ouro, de prata ou de qualquer outra matéria. Ele é o Único e não tem nenhuma representação, porque ninguém O conhece como Ele é. “Adorai a Deus e não lhe atribuais parceiros…”.

Muitos ficaram surpreendidos quando falámos de Issa – Jesus e de sua mãe Mariam – Maria, que a Paz de Deus esteja com eles; do nascimento milagroso de Jesus, masnão como filho de Deus; dos milagres feitos com a permissão de Deus; de ser um dos Mensageiros / Profetas mais importantes do islão; e que descerá à terra, quando se encontrar próximo o final do mundo. Quando lhes falámos de outros Profetas,

nomeadamente Abraão, Moisés, David, Salomão, João Baptista, compreenderam de que o Islão é uma religião monoteísta, sendo o Profeta Abraão o tronco comum das três religiões, o Judaísmo, Cristianismo e o islamismo. “Porque entram descalços nas mesquitas?” As Mesquitas são lugares sagrados, como as Igrejas e as Sinagogas. São Casas de Deus e devemos permanecer nelas de forma humilde e com trajes adequados. Entramos descalços para não transportarmos os detritos das ruas e porque são lugares onde nos prostramos a Deus. Por outro lado Deus refere na Bíblia – Êxodo 3:4,5: “Deus chamou Moisés no meio da sarça:

“Moisés! Moisés!” – Ele respondeu: “Aqui estou”. Deus disse-lhe; Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés porque o lugar onde te encontras é terra sagrada”. E Deus diz no Cur’ane: “Tira as tuas sandálias porque estás no vale sagrado de Tuwa”. 20:12

O tema quente muito debatido, foi a questão das guerras. Perguntaram os motivos “da Jihad, das guerras santas”, que actualmente são noticiadas com muita frequência nas televisões. A questão da Palestina e a invasão do Iraque, foram os principais temas de conversa. Um dos visitantes, ao pretender justificar a invasão do Iraque, afirmou: ”a América fez bem em invadir o Iraque, para derrubar o ditador”.

Imediatamente se ouviram vozes discordantes e curiosamente o “debate” teve lugar  entre os visitantes. Para acalmar os ânimos, pedi a palavra para referir que já é mais do que conhecido de que a invasão ocorreu sob um falso pretexto de existência de “armas de destruição massiva” e que a guerra só veio trazer a destruição de um país, a desestabilização política e militar da região, a morte de milhares de civis e de militares e o aumento da desconfiança e do ódio em relação aos invasores. O dinheiro despendido nesta invasão, poderia ter sido utilizado para ajudar a combater o flagelo da fome e da pobreza, que continuam a afligir milhões de seres humanos.

A Jihad não é guerra santa. É o esforço no caminho de Deus. A Jihad pode ser o esforço de um crente, na procura de conhecimentos escolares, com vista à obtenção de melhores condições de vida para si e para os seus. Neste caso particular, a melhor jihad é não ter medo de, cara a cara, proferir uma palavra justa, perante um governante injusto.

A questão da Palestina foi explicada recorrendo a exemplos concretos do que se passa em Portugal. Os diferendos relativos à posse da terra, geram conflitos entre vizinhos e herdeiros. Se alguém verificar que o seu quintal foi ocupado, ele ficará muito aborrecido com a situação. Pior ainda se a ocupação se estender a uma divisão da casa. Ele fará todos os possíveis para retirar os invasores, recorrendo aos tribunais. Com processos “apinhados”, as instâncias judiciais vão arrastando as decisões por muitos anos. Entretanto a paciência vai-se esgotando e os protagonistas continuarão a acusar-se mutuamente, recorrendo à força. Muitas vezes os diferendos acabam em mortes. Em Portugal, onde vivemos em paz, é frequente ouvirmos que um irmão matou o outro por causa dum pedaço de terreno.

A maior parte das querelas que vemos neste mundo conturbado, são derivadas por questões políticas, económicas e territoriais. Alguns muçulmanos, não respeitando os ensinamentos religiosos, em resposta às provocações, manifestam-se duma forma violenta, utilizando o nome da religião, acendendo ainda mais a fogueira da discórdia.

“….Quem matar uma pessoa que não tenha cometido homicídio ou semeado corrupção na terra, será julgado como se tivesse assassinado toda a humanidade.” Cur’ane 5:32.

Durante os dias em que decorreram as actividades, a afluência dos visitantes obrigou os responsáveis a permanecerem nas “suas casas”. As pausas eram aproveitadas para tomarmos em conjunto as refeições, num refeitório construído para o efeito. Os responsáveis das casas aproveitaram a oportunidade para conversarem acerca de diversos temas e pontos de vista religiosos. A curiosidade era imensa, mesmo entre as confissões cristãs. As voluntárias que se ofereceram para a cozinha, muito amáveis, serviram-nos refeições quentes, compostas por comida vegetariana e com opção de peixe e de carne. Por uma questão de respeito e de tolerância, nas ementas não constavam as carnes de porco e de vaca.

A nossa participação na “Aldeia das Religiões” teve como objectivo principal, esclarecer os visitantes dos verdadeiros princípios da fé islâmica. “Convoca (os humanos) à senda do teu Senhor com sabedoria e uma bela exortação; dialoga com eles de maneira benevolente.” Cur’ane 16:125. Não vivemos sozinhos neste mundo, cada vez mais global. Também aprendemos convivendo com outras confissões, conhecendo outras formas espirituais de estar na vida. Conhecer os “outros”, mesmo que oceanos e montanhas nos separem, ajuda-nos a compreender e a perspectivar um mundo melhor, onde possamos viver em paz e em harmonia.

Participámos nesta concentração de confissões religiosas, com muito entusiamo e com muito empenho, mas sem qualquer intenção de converter alguém ao Islão. “Não há compulsão na religião”. Cur’ane 2:256. Deus deu a todos os seres humanos a faculdade da livre escolha. Os seguintes versículos são bem elucidativos: “ó descrentes (da minha religião). Eu não adoro o que vós adorais, nem vós adorais o que adoro……… Para vós a vossa religião e para mim a minha religião”.Cur’ane 109, 1 a 6.

“Quando é que a religião foi única? Sempre houve duas ou três…. Elas tornarse-ão uma no Dia do Julgamento, mas aqui em baixo é impossível, pois cada um tem finalidade e desejos diferentes… no Dia do Julgamento, todos se tornarão um, se voltarão para uma só direcção e terão a mesma língua e o mesmo ouvido....” Djalal Ud-Din-Rumi.

Cumprimentos

Abdul Rehman Mangá

15/11/2012

Nenhum comentário: