Por: M. Yiossuf Adamgy
Prezados Irmãos,
Assalamu Alaikum Wa ráhmatullahi Wa barakatuh:
O nosso irmão e leitor de “Al Furqán” Yassin Fakir traduziu e enviou para a Al Furqán o artigo intitulado «Seguindo as Tradições», da autoria de Joseph Islam, o qual foi publicado na “Reflexão Islâmica” nº. 24.
Na altura, não obstante o artigo em questão requerer um comentário esclarecedor da minha parte, em ralação a alguns pontos, publiquei-o na sua íntegra, acrescentando-lhe, no entanto, apenas e em separado, uma informação sobre o livro «Um Dia na Companhia do Profeta Muhammad (s.a.w.)», editado pela “Al Furqán”, livro esse que apresenta 100 “Ahadith” seleccionados, para que os Muçulmanos e Não-Muçulmanos se familiarizem com a Sunnah do Profeta Muhammad (s.a.w.).
Decidi fazer o meu comentário, posteriormente e em separado, na “Reflexão Islâmica” seguinte, ou seja esta, a nº. 25.
Entretanto, quando me preparava para a publicar, recebi do ilustre Maulana Rizwan, Director do Colégio Islâmico de Palmela, um e-mail, onde manifesta o seu desagrado em relação ao conteúdo do artigo de Joseph Islam, e dizendo, a dado passo, o seguinte, que passo a citar:
«No artigo que Bhai Yussuf enviou, o autor (Joseph Islam) diz:
"Comer com a mão esquerda ou a mão direita não é uma questão do Alcorão. Mas, se alguém afirma, sem o mandado do Alcorão que os crentes são obrigados a comer com a mão direita por uma questão religiosa, então isso é inaceitável à luz do Alcorão, independentemente de como muçulmanos tentam justificar as tradições em nome do Profeta."
Isto é muito grave, não sei se Bhai Yussuf conhece pessoalmente o autor ou não, mas o teor do artigo evidencia a teoria dos Munkirin Hadith (ou Quránis).
Hoje falou de comer com a mão direita não estar no Qurán, por isso, simplesmente, rejeita-se apesar de à luz de claros Ahadith Sahih este acto ser considerado Sunnah do nosso Querido Raçulullah (Sallalláho Alaihi Wa Sallam). Hoje é isso amanhã talvez se questione onde está no Qurán que Salatul Fajr tem dois Fardh e Zuhr quatro e que Asr tem quatro e assim sucessivamente.
Com certeza que terá conhecimento dos Ahadith mas apenas por uma questão de relembrar deixo aqui dois Hadith claros:
a) Sayyiduna Abdullah Ibn Umar (Radiyalláhu Anhuma) relata que Raçulullah (Sallalláho Alaihi Wa Sallam) disse: "Quando um de vós comer, deve comer com a mão direita e se beber também deve beber com a mão direita." (Musslim, Tirmizi)
b) Sayyiduna Abdullah Ibn Umar (Radiyalláhu Anhuma) relata que Raçulullah (Sallalláho Alaihi Wa Sallam) disse: "Nenhum de vós não deve comer ou beber com a mão esquerda pois o shaitán é que come e bebe com a mão esquerda." (Musslim)
Referir-se acerca deste tipo de narrativas claras e sucintas como não aceitável à luz do Alcorão é simplesmente o caminho da rejeição da fonte do Islám ou seja a Sunnah (Hadith). Pelo conhecimento que tenho de si, creio que até Bhai Yussuf não corroborará com essa visão pois nesse mesmo email há o anúncio de mais uma obra sua onde o Senhor, Mashaallah, escreve no sinopse o seguinte:
«Este livro observa as regras e as normas desde ao erguer-se ao alvorecer até à hora de ir dormir, na última parte da noite.
Os 100 Ahadith apresentados neste livro foram seleccionados e traduzidos pelo autor, das colecções de Sahi al-Bukhari, Sahi Muslim, Jami al-Tirmidhi, Sunan Abu Daud, Sunan al-Nissa’i e Sunan Ibn Maja. A maior parte foi retirada de Miskatal-Masabih e Riyad al-Salihin».
Bhai Yussuf sabe que o nosso querido Raçulullah (Sallalláho Alaihi Wa Sallam) deixou para a Ummah duas coisas acerca das quais ele foi claro:
"Deixo ficar convosco duas coisas que se segurarem a elas jamais se desviarão: Livro de Allah e a minha Sunnah."
Por conseguinte, tentar compreender o Quran sem a Sunnah (Hadith) não só é impossível como até é contra a orientação do próprio Qurán que diz:
"E a Ti enviamos a Mensagem para que expliques os humanos a respeito do que foi revelado, para que meditem." (Surah Nahl (16), Versículo 44).
Portanto, Raçulullah (Sallalláho Alaihi Wa Sallam) é o Mufassir (explicador) do sagrado Qurán, não sendo possível entender o Sagrado Qurán sem a sua explicação.
O facto de este artigo ter sido enviado por si, um homem respeitado por todos na nossa Comunidade, poderá criar nos nossos irmãos e irmãs muitas dúvidas e confusão, algo que shaitán aproveitará para desestabilizar o Imán (fé) que infelizmente nem é tão forte, nos dias de hoje.
Assim, agradeço que reflicta sobre as observações que deixo aqui e inshaallah se pretender, poderemos falar pessoalmente, também.
Jazakallah pela sua atenção.
Wassalam.
Rizwan».
///
Respondi ao Maulana Rizwan, dizendo-lhe que concordava com ele, agradecendo a sua intervenção. Que eu próprio era de opinião que se deve esclarecer, tanto que estava já a preparar um artigo a esse respeito. Com a sua ajuda, seria melhor.
Face ao exposto, solicitava a sua autorização para, baseando nesse seu e-mail, divulgar estas suas observações (e outras mais que fossem convenientes) na próxima reflexão. E que esperava que, in cha Allah, com esse esclarecimento, pudesse transmitir e rebater essas posições, não obstante o autor do artigo ter a respectiva liberdade de pensamento.
Quanto à sua afirmação ou opinião, no final do seu e-mail: “o facto de este artigo ter sido enviado por si, um homem respeitado por todos na nossa Comunidade, poderá criar nos nossos irmãos e irmãs muitas dúvidas e confusão...”, devo dizer, aqui, com todo o respeito e sinceridade, que não comungo dessa opinião, pois não obstante estar em desacordo em relação a alguns pontos deste artigo de Joseph Islam (traduzido e enviado por Yassin Fakir) que aqui se irá esclarecer, há que sublinhar o respeito que o autor merece, como testemunho revelador da tolerância, da liberdade de pensamento e do nível intelectual do debate de ideias dos pensadores. A minha missão é trazer luz à essas questões, de acordo com a Sunnah do Profeta (s.a.w.), sem contundir com o Alcorão.
Posto isto, aqui vai o meu simples e curto esclarecimento (embora, a esse respeito, já o tivesse feito, noutros meus artigos):
É certo que a primeira fonte do Islão é o Alcorão e depois a Sunnah, os Ahadith que servem para explicar e esclarecer os versículos Alcorânicos. Não para os contrariar. Por conseguinte, os Quranis não estão certos na sua inclinação de seguirem exclusivamente o Alcorão, pois erram ao supor que se seguirem Muhammad (p.e.c.e.) não estão a seguir o Alcorão. Obedecer ao Profeta é obedecer a Deus (ár. Allah). [Alcorão, 4:80]. Na verdade, vós tendes um bom exemplo no Mensageiro de Allah… [Alcorão, 33:21].
Por outro aldo, o Profeta Muhammad (p.e.c.e.) distinguia, inequivocamente, aquilo que lhe tinha chegado sob a forma de revelação divina, e o que não: «Não passo de um ser humano. Quando vos ordeno algo relativo à vossa religião, aceitem-no. Se vos ordenar algo baseado na minha opinião pessoal, sou meramente um ser humano».
Os seus seguidores assim o sabiam, pois ele frequen-temente seguia os seus conselhos ao invés de insistir nas suas próprias ideias, quando estas não eram reve-lações.
Aceitam a palavra do Alcorão e de Muhammad (p.e.-c.e.), que este era um ser humano que cometia falhas mas, como era um Profeta, era corrigido por Allah.
Aceitam a palavra do Alcorão e que o Alcorão (os seus ensinamentos, como originalmente transmitidos, — i.e. o seu significado, Alcorão, 56:77-80) será preser-vado. Esta promessa não abarca os Ahadith. Os Aha-dith, apesar de conterem a Sunnah do Profeta (s.a.w.) são variáveis, tanto em termos de qualidade, confiança e interpretação. Devemos ser cautelosos na sua abordagem, embora não haja necessidade de os rejeitar a todos. É através dos Ahadith (Sahih) que sabemos a história do Profeta (s.a.w.) e a compre-ensão da revelação do Alcorão.
Existe sempre a possibilidade de seleccionar alguns Ahadith que são triviais, outros que aparentemente con-tradizem o Alcorão, outros que se contradizem entre si, outros ainda que são relatos diferentes de um mesmo acontecimento, outros elaborados como acrescentos ou distorções por sectários e assim por diante. Apesar dis-so, existem muitos que nos relatam as circuns-tâncias em que alguns dos versículos do Alcorão foram revelados, outros que nos dizem como aque-les foram interpretados e aplicados em determinada altura, e outros ainda que iluminam os versículos do Alcorão.
Se Allah me ajudar e se tiver algum apoio financeiro, gostaria, de um dia, publicar, para esclarecimento desta temática (Alcorão e a Sunnah são fontes inseparáveis do Islão), um trabalho intitulado "A Ciência do Hadith", estudando duas ciências principais: ‘ilm al-hadîz riwâyatan (a ciência do hadith enquanto a sua trans-missão) e o ‘ilm al-hadîth dirâyatan (a ciência do hadith como investigação)..., dando ênfase que a Sunnah tem, categoricamente, o seu lugar na Legislação Islâmica, e isso porque o Profeta Muhammad (s.a.w.) ordenou aos seus companheiros que obesdecessem o Alcorão e a Sunnah.
Para os eruditos do Islão, na verdadeira acepção da palavra, a Sunnah é o registo de todos os feitos, ditos e confirmações do Mensageiro, não obstante ser a segunda fonte da Legislação Islâmica (o Alcorão é, obviamente, a primeira).
O Alcorão e a Sunnah são inseparáveis. A Sunnah clarifica as ambiguidades que contém o Alcorão, explicando-se sobre o mencionado de modo sucinto neste; especificando o não condicionado; generalizando o específico; e particularizando o geral...
Por exemplo, como orar, jejuar, dar esmola e fazer a peregrinação é estabelecido e explicado na Sunnah. Na verdade, a Sunnah é relevante no que diz respeito a todos os aspectos do Islão e os muçulmanos devem viver de acordo com isso. Por este motivo, tem sido estudado e transmitido, de geração em geração, quase com o mesmo cuidado que com o Alcorão.
O Profeta (p.e.c.e.) ordenou aos seus Companheiros que obedecessem a Sunnah categoricamente. Falou claramente para que eles pudessem entender e memorizar as suas palavras e os exortou que transmitissem a sua palavra às gerações futuras. Às vezes, ele até pedia que eles escrevessem as suas palavras, uma vez que "tudo o que digo é verdade". Os Companheiros prestavam toda atenção aos seus ditos e feitos e mostravam um grande desejo de moldar as suas vidas à dele, mesmo nos pequenos detalhes. Consideravam cada palavra e ação dele como um mandato divino ao qual deviam respeitar e seguir da forma mais fiel possível. Ao considerar as suas palavras como presentes divinos, eles interiorizaram-nas, preservaram-nas e transmitiram-nas.
Considerando que a verdade é a pedra angular do carácter muçulmano, os Companheiros não mentiam. Da mesma forma não alteraram o Alcorão, fazendo tudo o possível para preservar as tradições e confiá-las para as gerações futuras, memorizando-as ou escrevendo-as. Entre as colecções de Hadith feitas na época dos Companheiros, existem três muito famosos: a Al-Sahifa al-Jurema por Abdallah ibn Amr ibn al-As, Al-Sahifa Al- Saheehah por Hammam ibn Munabbih e Al-Majmu por Zayd ibn Ali ibn Husayn.
Os Companheiros foram extremamente sérios narran-do as tradições. Por exemplo, Aisha e Abdallah ibn Omar (r.a.) narraram-nas palavra por palavra, sem mudar sequer uma única letra. Ibn Massud e Abu al-Darda (r.a.) tremiam como se tivessem febre, quando se lhes pedia para que transmitissem uma tradição.
O Califa Omar ibn Abd al-Aziz (que governou durante a época de 717-720 d.C.) ordenou que fossem escritas as tradições preservadas oralmente e rela-tado numa base individual. Personalidades famosas tais como Said ibn al-Musayyib, Alqama, Sufyan al-Zawri e Zuhri, foram os pioneiros desta tarefa sagrada. Em seguida, eles foram seguidos pelos grandes especialis-tas que concentraram completamente na transmissão exacta das tradições e no estudo de seu significado, formulação e prudentes críticas de seus narradores.
Graças a todos eles, temos uma segunda fonte do Islão na sua pureza original. Somente através do estudo da vida do Profeta (s.a.w.) e moldando a ela a nossa vida, é que se pode alcançar a satisfação de Allah e o caminho que conduz ao Paraíso. Os grandes santos receberam a sua luz deste "sol" e guia, o Profeta Muhammad (s.a.w.), enviando-a aos que se encontra-vam na obscuridade, a fim de que pudessem encontrar o seu caminho.
Posteriormente o Bukhari e o Muslim e outros fizeram o seu melhor ao seleccionarem os Ahadith, não obstante terem rejeitado milhares de Ahadith aquan-do da sua consagrada selecção, por duvidarem da veracidade dos mesmos; ainda assim, eventualmente, poderão ter passado alguns Ahadith com falhas ou não serem correctos. Por conseguinte, os eruditos islâmi-cos são, na sua maioria, unanimes em afirmar que qualquer hadith que, em vez de esclarecer, contrarie o espírito dos versículos Alcorânicos, deve ser rejeitado.
«Quem introduza na nossa Sunnah uma opinião que não existia, será rejeitado”. (Bukhari, Muslim e Ibn Maja).
Este válido critério foi observado pelos grandes eru-ditos do Islão, desde o início. Hazrat Aisha (r.a.) teve um papel de capital importância no que se chamou a codificação ou regulamentação da Tradição do Profeta (s.a.w.) ou Tawtiq as-sunna. Foi a primeira sábia que criou as bases para esta codificação utilizando, parti-cularmente, o princípio da confrontação do hadith com o Alcorão. A sua célebre frase “Entre vocês e eu está o Livro de Deus”, dita num dos seus debates com outros sábios, foi tomada como base da legislação de nume-rosas disciplinas a fim de avaliar qualquer hadith, antes da sua propagação e difusão.
Continua a ser o fio condutor dos pensadores actuais. Ibn Khaldun escreveu: "Não acredito em nenhum Hadith ou relato de um Companheiro do Profeta, paz esteja com ele, como sendo verdadeiro se diferir do sentido do Alcorão, por muito fidedignos que tenham sido os seus narradores. Não é impossível que um narrador pareça fidedigno, embora seja movido por outros motivos. Se os Ahadith fossem analisados pelos seus conteúdos como o foram relativamente à cadeia de narradores que os transmitiram, grande parte deveria ter sido rejeitado. Um princípio aceite é o de que um Hadith pode ser rejeitado se divergir do sentido do Alcorão, dos princípios da Chariah, das leis da lógica, ou de qualquer outra verdade evidente". Este critério, que foi apresentado pelo Profeta Muhammad (p.e.c.e.) e seguido por ibn Khaldun, está em perfeita harmonia com a análise científica moderna».
Espero ter esclarecido, satisfatoriamente.
Que Deus nos abençoe a todos, concedendo-nos orientação e felicidade. Qualquer bem que advenha deste esclarecimento, deve-se à benevolência de Deus e, caso eu tenha dito algo inútil, foi por defeito meu. Deus, o Altíssimo, é perfeito.
Crê quem quiser, não crê quem quiser. Apenas Allah nos julgará.
"Ó Allah! É de Ti que dependemos, é a Ti que recorremos, e é para Ti que todos nós regressaremos." (Alcorão, 15:19). ■