quinta-feira, setembro 10, 2015

Os refugiados sírios às portas da Europa islamófoba

Os governos europeus demonstraram um profundo desprezo pelos seres humanos de qualquer parte do planeta Por: Ángel Álvarez Hernández - Fonte: Webislam - 28/08/2015 - Versão portuguesa: M. Yiossuf Adamgy.

Prezados Irmãos, 

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alaikum ", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade. 

Não é de estranhar que os refugiados sírios tenham batido contra uma cruel porta de mármore quando querem entrar na Europa. Os governos europeus demonstraram um profundo desprezo pelos seres huma-nos de qualquer parte do planeta. As suas palavras estiveram sempre cheias de hipocrisia e mentiras. Só os Estados Unidos se podem comparar em mesquinhez. 

Nem os meninos, nem as mulheres grávidas pesaram na consciência dos líderes ocidentais quando destruíram o Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria ou Líbano. 

Não doeu a consciência à França, quando fomentou a guerra civil na Líbia para negociar o controlo e os benefícios do gás, e não se comovem os líderes ocidentais com os massacres de muçulmanos em Myanmar, Cachemira ou República Centro Africana. 

O importante é colher o dinheiro e correr como lobos, repartir as fontes de riqueza e os recursos naturais sem importar o custo de vidas humanas. A imagem horrível da morte, a mutilação ou o trastorno mental das suas vítimas, não existe na retina dos líderes ocidentais. 

O desespero dos refugiados sírios não começou ontem, mas sim no dia em que um grupo de sinistros e elitistas executivos neoliberais desenharam um plano estratégico, para tirar do poder Bashar al-Asad e poder assim controlar a rota do petróleo e do gás, que iria desde o Golfo Pérsico até ao Estreito dos Dardanelos, para abastecer toda a Europa Central em prejuízo dos interesses das petroleiras russas. Naquele dia começou o pesadelo para milhões de sírios. 

Não quero dizer, com isto, que a oligarquia russa ou a burocracia do Partido Comunista chinês sejam melhores, mas pergunto-me quem alimentou, vestiu, treinou e pagou aos fanáticos e delinquentes que formam as diferentes bandas criminais que desgarraram a Líbia e depois a Síria, senão o ocidente e os seus aliados árabes. 

Pergunto-me quem fabricou falsas ONGs, para fazer credíveis mentiras e justificar bombardeios e invasões de países, senão o ocidente. 

Quem disse que havia armas nucleares no Iraque senão o ocidente. 

Quem tem invadido o maior país produtor de ópio do mundo senão o ocidente. 

O ocidente é o grande pesadelo dos esfomeados, órfãos e desterrados da terra. O ocidente ama o poder, o domínio e a riqueza. O ocidente é negligente e epicúrio, e para manter-se vivo necessita chupar o sangue das suas vítimas sem se importar se estas são gregas ou sírias. O ocidente não faz distinção entre idades, sexos ou cor da pele. O mesmo mata na Ucrânia e na Nigéria. O importante é controlar a produção de diamantes, petró-leo, gás ou cacau. E se para isso é necessário financiar revoluções laranja, golpes de estado ou assassinatos, faz-se e ponto, porque não é algo pessoal mas só um negócio, como diria a máfia. 

O fedor dos crimes do ocidente é tão intenso como o desespero dos deserdados que chamam à sua porta. A esta hora um alto executivo de Wall Street estará devorando o seu pequeno-almoço, repleto de vísceras e corpos verdes inchados nas águas do mediterrâneo, enquanto olha para a subida do Nível de Risco em algum triste país do sul da Europa. 

Deus diz no Alcorão: “Certamente, quem consome os bens dos órfãos injustamente, só está enchendo o seu ventre de fogo: pois na Outra Vida sofrerá um fogo abrasador” (4:10). 

Os bombardeios 'humanitários' sobre a Líbia não trouxeram a democracia e os direitos humanos mas milhares de mortos e a destruição de um país que não voltará, em gerações, a viver com a qualidade de vida que teve e que agora é um estado falido, (como a Somália ou o Afeganistão), onde imperam os tenebrosos senhores da guerra que traficam com o petróleo no mer-cado negro. Algo similar ao que fazem os terroristas do mal chamado Estado Islâmico. 

A grande mentira sobre a qual se justificaram todos estes crimes é o mal chamado jihadismo. Querem fazer-nos crer, os líderes ocidentais e europeus, que lutam contra algo que chamam terrorismo islâmico, mas na realidade só lutam pelo ouro negro, a riqueza e o poder, em bene-fício da oligarquia financeira internacional e complexo industrial militar. 

Disse o Profeta Muhammad (p.e.c.e.): "Se não tens vergonha, faz o que quiseres". 

E os líderes europeus e ocidentais há muito tempo que creem ter assassinado Deus, e portanto creem que podem fazer o que quiserem, porque ninguém lhes pedirá contas. O ocidente já não tem moral e a ética é só para os que a podem pagar. 

Um alto oligarca norte-americano disse uma vez: tenho a Deus na minha lista trabalhando para mim! E começou a financiar igrejas evangélicas fundamentalistas por toda a América latina. 

A fé dos crentes mais sensíveis foi adulterada e mani-pulada centenas de vezes ao longo da história. Em nome de Deus (ár. Allah) roubou-se, violou-se e assassinou-se. 

Dizem-nos que o culpado das guerras do Médio Oriente é o terrorismo islâmico, mas terrorismo e islâmico são termos incompatíveis. O culpado das guerras no Médio Oriente não é Deus, mas aqueles que manipulam a sua mensagem, para roubar, matar e violar. Roubar o petróleo, matar os homens e violar as mulheres, como se estivéssemos numa nova Idade Média ou como se nunca tivéssemos saído dela. 

O primeiro acto de islamofobia dos líderes ocidentais foi pretender reduzir o Islão a um conjunto de mitos e fábulas facilmente manipuláveis. 

O segundo delito foi que os líderes árabes acreditaram nos líderes ocidentais e venderam o seu Islão em troca de poder e fabricaram doutrinas assassinas para atacar e sa-quear países irmãos. 

O terceiro acto de islamofobia dos líderes ocidentais foi manipular a opinião pública dos seus países criando uma imagem distorcida dos muçulmanos e do Islão, para justificar guerras neocoloniais, recortar direitos sociais e gerar uma atmosfera anti Islão, onde tudo estava permitido. 

O quarto acto islamófobo dos líderes ocidentais e árabes foi lançar uns muçulmanos contra os outros, para que se matassem entre eles, e semear o ódio, a morte e a confusão com actos terroristas em mercados, mesquitas e bairros chiítas ou sunitas. 

O quinto acto islamófobo dos líderes ocidentais e ára-bes foi consentir o assassinato de pessoas no ocidente a mãos de terroristas que se diziam muçulmanos, para assim justificar a intervenção dos países europeus e ociden-tais no norte de África e Médio Oriente. 

O sexto acto islamófobo por parte das seitas criadas pelos líderes árabes foi justificar o genocídio, a limpeza étnica e o ódio contra todos aqueles que não eram muçul-manos, para controlar as rotas petroleiras. 

O sétimo acto de islamofobia por parte dos líderes árabes foi e é ter abandonado os seus irmãos da Ummah nas mãos de sionistas, em troca de mais riqueza e poder. 

O oitavo acto de islamofobia é a utilização do Islão para eliminar, encarcerar ou exiliar opositores. 

O nono acto de islamofobia é utilizar o Islão para domi-nar e controlar países. 

O décimo acto islamófobo dos líderes árabes é enfren-tarem-se entre eles para devorar as migalhas de poder que o ocidente lhes lança, como se fossem cães na mesa do seu amo. 

Vemos como os líderes árabes saqueiam países e jogam no mercado internacional da compra de dívida pública, sendo implacáveis. 

Deus disse no Alcorão: 

“Quando os hipócritas vêm a ti, eles dizem: 'Damos fé de que tu és, em verdade, o Enviado de Deus!' Porém, Deus bem sabe que tu és realmente o Seu Enviado; e Deus dá fé de que os hipócritas mentem na sua declaração de fé. Fazem dos seus juramentos uma coberta para a sua falsidade, e desencaminham-se da senda de Deus. Que péssimo é o que fazem!" (Alcorão, Sura Al-Munafiqun, 63: 1-2). 

Depois de tudo isto não é de estranhar que os refugiados sírios batam contra uma cruel porta de mármore, quando querem entrar na Europa. Para a extrema-direita é fácil ir buscar o voto anti Islão, só necessita agitar os vídeos dos grandes líderes árabes, vivendo de maneira epi-cúria e ostentosa, enquanto o povo sírio morre de fome e guerra. 

A extrema-direita tornou-se adita aos vídeos de delinquentes e fanáticos gritando que Allah é Grande e decapitando inocentes. A extrema-direita deveria dar gra-ças ao mal chamado Estado Islâmico, porque os seus crimes fomentam o voto ultra e a islamofobia. 

Só desta perspectiva se pode compreender que os neonazis possam recrutar cada vez mais jovens, para apedrejar centros de refugiados na Alemanha, ou que o governo eslovaco não queira dar asilo a refugiados muçulmanos.

A tempestade que semeamos 

06/09/2015, por João Mendes 

In: http://aventar.eu/2015/09/06/a-tempestade-que-semeamos/ 

Não vale a pena insistir no óbvio, muito se tem escrito sobre ele. Que é uma catástrofe humanitária, uma fuga desesperada de quem não tem mais para onde fugir e procura um mínimo de segurança para si e para os seus. Que a Europa, que se gaba por ser o bastião da paz, da solidariedade e da tolerância tem demonstrado enormes dificuldades em lidar com o problema, incapaz como de cos-tume de falar a uma só voz e poluída por sujeitos mesqui-nhos como Viktor Órban, o fascista a quem curiosamente a imprensa apelida de conservador – o facto de liderar um partido que pertence ao PPE será apenas uma coincidência – pois, como sabemos, radicais são os do Syriza. Que temos a sensibilidade de uma folha de Excel de um qualquer ministro das finanças pró-austeridade e que infelizmente ainda precisamos de ver a imagem de uma criança morta na praia para percebermos a dimensão apocalíptica da situa-ção. Sim, já todos sabemos isso. Não nos permitimos sequer não saber. 

Mas para além do óbvio comum, olhemos para o outro óbvio que muitos parecem ainda não ter entendido: depois de anos de exportação de violência para o Médio Oriente e Norte de África, o Ocidente estava à espera de quê? De se manter hermeticamente fechado para o problema en-quanto beneficiava do petróleo dos desgraçados, lhes vendia armas e para lá enviava as suas empresas de construção para reerguer aquilo que havia ajudado a pulverizar? Achava mesmo que podia continuar a treinar terroristas, a armar fanáticos e a patrocinar bombardea-mentos que pouco mais fazem do que beliscar os alvos reais, provocando ao invés a destruição de hospitais, escolas e das vidas daqueles cuja vida é já um pesadelo e que se transformam assim em presas fáceis para o recrutamento de soldados sem nada a perder, cegos e movidos pelo ódio, tudo isto sem consequências? 

Tal como o Iraque, também a Síria está pior, muito pior, do que quando a boa nova da democracia ocidental chegou. Como um cão obediente segue o seu dono, os es-tados europeus têm seguido os EUA nas suas invasões e outras violações de soberania, regra geral com o intuito de depor ditadores que já o eram no tempo em que eram recebidos com toda a pompa e circunstância em Washington, Londres, Paris ou Bruxelas. Apoiamos, directa ou indirectamente, intervenções no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria e o que lá ficou depois dos mísseis da democracia ocidental foram infernos na terra onde impera a lei do mais forte e a arbitrariedade de quem ficou com as armas no dia em que os soldados da paz foram embora. 

O autoproclamado Estado Islâmico (EI) é o resultado mais visível desta política externa norte-americana apoiada pelo Velho Continente. Não é um exclusivo, ainda que as raízes do colonialismo ou o patrocínio de diferentes golpes de Estado tenham desempenhado o seu papel no passado, mas a verdade é que muitos combatentes do EI são dissidentes dos movimentos rebeldes que se fartaram de combater Assad pela libertação da Síria e passaram a combate-lo pela supremacia do fundamentalismo. Os tais que ajudamos a armar. E entre os que agora fogem é mais que certo existirem infiltrados jihadistas que se aproveitarão do desespero da maioria para trazer a violência e o radicalis-mo para o continente europeu e que terão nos indigentes, nos que sofrem às mãos de fundamentalistas como aqueles que governam a Hungria, terreno fértil para o recrutamento futuro que lhes permitirá expandir células terroristas que, como ervas daninhas, se multiplicarão pelas democracias ocidentais. 

Com tantos burocratas pagos a peso de ouro em Bruxelas, será que ninguém antecipou esta possibilida-de? É possível que não. Os burocratas de Bruxelas não são, em grande parte, melhores que os boys que dão a países como Portugal admiráveis experiências de gestão danosa. Por outro lado, nada fazia antever este cenário: os conflitos nos países de origem da maioria dos refugiados não sofre-ram agravamentos recentes que expliquem este boom mi-gratório e, apesar de tudo, fazer a travessia tem um preço, preço esse que os recursos praticamente inexistentes de sírios, afegãos, somalis ou iraquianos não podem pagar. E se não podem, de onde veio o dinheiro para pagar aos mercenários que transportaram mais de 100 mil pessoas nas últimas semanas? Terá sido o preço que o EI se predispôs a pagar para infiltrar uns quantos dos seus ou estaremos perante algo ainda mais obscuro? Seja como for, se nós, europeus, não estivermos à altura da situação, então o projecto de paz e solidariedade a que nos propu-semos estará oficialmente morto. Já chegaram os ventos que por lá ajudamos a semear. A tempestade que agora colhemos não é mais do que o fruto das opções políticas das pessoas que colocamos no poder. As nossas opções.

Quem não pretender continuar a receber estas reflexões, por favor dê essa indicação e retirarei o respectivo endereço desta lista. 

Obrigado. Wassalam. 

M. Yiossuf Adamgy - 09/09/2015 

quinta-feira, setembro 03, 2015

A cegueira da União Europeia face à estratégia militar dos Estados Unidos

Os responsáveis da União Europeia enganam-se completamente acerca dos atentados islamitas na Europa e as migrações para a União de gente fugindo das guerras. Thierry Meyssan mostra aqui que tudo isto não é a consequência acidental dos conflitos no Médio-Oriente alargado e em África, mas sim um objectivo estratégico dos Estados Unidos. or: Thierry Meyssan - ede Voltaire | Damasco (Síria) | 27 de Abril de 2015 - http://www.voltairenet.org/article187425.html.

Prezados Irmãos, 

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alai-kum", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade. Os dirigentes da União Europeia encontram-se subitamente confrontados com situações inesperadas. Por um lado, atentados ou tentativas de atentados perpetrados, ou reparados, por indivíduos que não pertencem a grupos políticos identificados; por outro lado um afluxo de migrantes, via mar Mediterrâneo, dos quais vários milhares morrem às suas portas.

Na ausência de análise estratégica, estes dois acontecimentos são considerados a priori como não tendo relação entre si e são tratados por administrações diferentes. Os primeiros recaem sobre os serviços de Inteligência e da polícia, os segundos sobre os serviços de alfândega e da Defesa. Ora, eles têm no entanto uma origem comum: a instabilidade política no Levante e em África.

Se os políticos da União Europeia tivessem viajado um pouquinho, não apenas no Iraque, na Síria, na Líbia, no Corno de África, na Nigéria e no Mali, mas também na Ucrânia, eles teriam visto com os seus próprios olhos a aplicação desta doutrina estratégica. Mas, eles contentaram-se em vir falar num prédio da Zona Verde em Bagda de, num palanque em Trípoli ou na praça Maidan de Kiev. Eles ignoram aquilo que as populações vivem e, a requisição do seu «Grande Irmão-big brother» fecharam muitas vezes as suas embaixadas de tal modo que se privaram de ter olhos e ouvidos no local. Melhor, eles subscreveram, sempre a requisição do seu «Grande Irmão», embargos, de modo que nenhum homem de negócios pudesse ir, nunca mais, até aos locais testemunhar o que acontecia por lá. 

Um número indeterminado de migrantes morreu no Mediterrâneo. Por vezes, as vagas depositam corpos nas praias italianas ou os controlos das alfândegas apreendem uma O caos não é um acaso, é o objectivo . Contrariamente ao que disse o presidente François Hollande, a migração de Líbios não é a consequência de uma «falta de acompanhamento» da operação «Protector unificado», mas o resultado pretendido por esta operação na qual o seu país desempenhou um papel de líder. O caos não se instalou porque os «revolucionários líbios» não se puseram de acordo entre si após a «queda» de Muammar el-Kadafi, ele era o objectivo estratégico dos Estados Unidos. E estes conseguiram atingi-lo. Não houve uma «revolução democrática» na Líbia, jamais, mas sim uma secessão da Cirenaica. Jamais houve uma aplicação do mandato da ONU visando «proteger a população», mas o massacre de 160.000 Líbios, três quartos dos quais civis, sob os bombardeamentos da Aliança (dados da Cruz-Vermelha Internacional).

Eu lembro-me, antes de me juntar ao governo da Jamahiriya Árabe Líbia, ter sido solicitado para servir de testemunha aquando de uma reunião em Trípoli, entre uma delegação dos EUA e representantes líbios. Durante esta longa reunião, o chefe da delegação dos EU explicou aos seus interlocutores que o Pentágono estava pronto a salvá- los de uma morte certa, mas exigia que o Guia lhe fosse entregue. Ele acrescentou que, quando el-Kaddafi estivesse morto, a sociedade tribal não conseguiria aceitar uma nova liderança antes de, pelo menos, uma geração,  o país seria então mergulhado num caos que jamais havia experimentado. Eu relatei esta conversação em numerosas ocasiões e não parei, desde o linchamento do Guia, em Outubro de 2011, de predizer aquilo que acontece hoje em dia.

A «teoria do caos»

Quando, em 2003, a imprensa norte-americana começou a referir a «teoria do caos», a Casa Branca ripostou evocando um «caos construtivo», insinuando que se iriam destruir estruturas de opressão para que a vida pudes-se fluir em liberdade. Mas jamais Leo Strauss, nem o Pentágono até então, haviam usado esta imagem. Pelo contrário, segundo les, o caos seria tal ordem que nada aí se pudesse estruturar, para além da vontade do Criador da Ordem nova, os Estados Unidos [3].

O princípio desta doutrina estratégica pode ser resumido assim: o modo mais simples para pilhar os recursos embarcação cheia de cadáveres. guerras do «Médio-Oriente Alargado», mas que são comandados por aqueles que, igualmente, comanditaram o caos nesta região. Nós preferimos continuar a pensar que os «islamitas» querem atacar os judeus e os cristãos, quando a imensa maioria das suas vítimas não são nem judias nem cristãs, mas muçulmanas. Com sobranceria, nós os acusamos de promover a «guerra de civilizações», quando o conceito foi forjado no seio do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos e é estranho à sua cultura [5].

- Nenhum dirigente europeu-ocidental, absolutamente nenhum, ousou publicamente considerar que a próxima etapa será a «islamização» das redes de distribuição de drogas como no modelo dos Contras da Nicarágua vendendo as drogas na comunidade negra da Califórnia com a ajuda e sob as ordens da CIA [6]. Nós decidimos ignorar que a família Karzai retirou a distribuição da heroína afegã à máfia Kosovar e a encaminhou para o Daesh (Exército Islâmico- ndT) [7].

Os Estados-Unidos jamais quiseram que a Ucrânia se junte à União As academias militares da União Europeia não estudaram a «teoria do caos», porque elas a isso foram interditas. Os poucos professores e pesquisadores que se aventuraram neste campo foram severamente sancionados, enquanto a imprensa qualificava de «conspiracionistas» os autores civis que a tal se interessavam.

Os políticos da União Europeia pensavam que os acontecimentos da praça Maidan eram espontâneos e que os manifestantes queriam deixar a órbita autoritária da Rússia e entrar no paraíso da União. Ficaram estupefatos aquando da publicação da conversa da subsecretária de Estado, 

Victoria Nuland, evocando o seu controlo secreto dos acontecimentos e afirmando que seu objectivo era o de «f...a União» (sic) [8]. A partir daquele momento, eles não compreenderam mais nada do que se estava a passar.

Se eles tivessem permitido a livre pesquisa em seus países, eles teriam percebido que, ao intervir na Ucrânia e aí ter organizado a «mudança de regime», os Estados Unidos asseguravam-se que a União Europeia permaneceria ao seu serviço. A grande angústia de Washington, após o discurso de Vladimir Putin na Conferência sobre a Segurança em Munique de 2007, é que a Alemanha perceba onde está o seu interesse: não com Washington, mas sim com Moscovo [9]. Ao destruir progressivamente o Estado Ucraniano, os Estados Unidos cortam a principal via de comunicação entre a União Europeia e a Rússia. Vós podeis virar e revirar, em todas as direções, a sucessão dos eventos, e não conseguireis achar-lhe um sentido diferente. Washington não deseja que a Ucrânia se junte à União, como o atestam as declarações da Srª. Nuland. O seu único objectivo é transformar este território numa zona de circulação perigosa.

A planificação militar do E.U.Eis-nos pois face a dois problemas que se desenvolvem muito rapidamente: os atentados «islamitas» apenas começaram. Os migrantes triplicaram no Mediterrâneo em apenas um único ano.

Se a minha análise for exata, nós vamos assistir ao longo da próxima década aos atentados «islamitas» ligados ao Médio-Oriente Alargado e à África, copiados como atentados «nazis» relacionadas com a Ucrânia. Descobriremos, então, 

[5] “O "choque de civilizações"”, Thierry Meyssan, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 4 de Junho de 2004. [6] Dark Alliance, The CIA, the Contras and the crack cocaine explosion (Ing- «Aliança Maléfica, A Cia, os Contras e a explosão do tráfico de cocaina» - ndT), Gary Webb, foreword by Maxime Waters, Seven Stories Press, 1999. 7] «La famille Karzaï confie le trafic d’héroïne à l’Émirat islamique» (Fr- A Família Karzai e o tráfico de heroína para o Emirado islâmico» - ndT), Réseau Voltaire, 29 novembre 2014.[8] «Conversation entre l’assistante du secrétaire d’État et l’ambassadeur US en Ukraine» (Fr- «Conversa entre a assistente do secretário de Estado e o embaixador dos E.U. na Ucrânia» - ndT), par Andrey Fomin, Oriental Review (Russie), Réseau Voltaire, 7 février 2014.[9] “O carácter indivisível e universal da segurança global”, Vladimir Putin, Tradução Resistir.info, Rede Voltaire, 11 de Fevereiro de 2007.[10] O documento mantêm-se classificado, mas o seu conteúdo foi revelado em «US Strategy Plan Calls For Insuring No Rivals Develop» (Ing - «Plano Estratégico E.U. Exige a Certeza que Nenhum Rival se Desenvolva» - ndT), por Patrick E. Tyler, New York Times de 8 de março de 1992. O quotidiano publica igualmente extensos extractos na página 14: «Excerpts from Pentagon’s Plan: "Prevent the Re-Emergence of a New Rival"» (Ing - «Excertos do Plano do Pentágono: “Previna-se a Reemergência de um Novo Rival”» - ndT). Informações suplementares são publicadas em «Keeping the US First, Pentagon Would preclude a Rival Superpower» (Ing- «Mantendo os E.U. na Dianteira, o Pentágono Impediria um Rival como Superpoder» - ndT) por Barton Gellman, The Washington Post de 11 de março de 1992. [11] «Attaque contre l’euro et démantèlement de l’Union européenne» (Fr- «Ataque ao Euro e desmantelamento da União Europeia» - ndT), par Jean-Claude Paye, Réseau Voltaire, 6 juillet 2010.

Obrigado. Wassalam. 

M. Yiossuf Adamgy - 03/09/2015

quarta-feira, agosto 19, 2015

Bonito texto de Cat Stevens sobre a impossibilidade do terrorismo no Islão

O Profeta (p.e.c.e.) disse: “Que pereçam aqueles que insistem em dificultar a fé” e “Um crente permanece dentro dos limites da sua religião sempre e quando não matar ilegalmente uma outra pessoa”. 

Prezados Irmãos,

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alai-kum", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade.

Desde os horríveis ataques terroristas levados a cabo na América, a especulação dos meios de comunicação em massa apontou o seu infame dedo acusador para os Muçulmanos e para o Mundo Árabe, o que significa ue o cidadão comum dos Estados Unidos e de outros aíses ocidentais tornou-se presa fácil dos fanáticos anti-religiosos. Que vergonha! 

Infelizmente, o último horror que feriu os Estados Unidos parece ter sido causado por pessoas do Médio Oriente, com nomes Muçulmanos. Uma vez mais, a vergonha. 

Isto alimenta o ódio por uma religião e por pessoas que nada têm a ver com tais eventos. Por este motivo, desejo explicar alguns dos elementos básicos sobre este nobre caminho a que chamamos Islão, antes que (Allah não o permita) um outro desastre aconteça e, da próxima vez, sejam provavelmente os Muçulmanos o alvo. 

Converti-me ao Islão há mais de 20 anos, durante um período de busca enquanto estrela pop errante. 


Encontrei uma religião que aliava a razão científica com a realidade espiritual, numa fé unificada, deveras afastada dos títulos de violência, destruição e terrorismo. 

Uma das primeiras coisas interessantes que aprendi no Alcorão foi que o nome desta religião (Içlam) provém da palavra Salam (paz). Longe de ser a mensagem etnocêntrica turco-árabe de que estava à 
espera, o Alcorão apresentava uma crença na existência universal de Allah, um Allah Único para todos. 

Não existe discriminação entre as pessoas: refere que podemos ser de diferentes cores e formar diferentes tribos, mas que todos somos humanos, e “as melhores pessoas são as que mais conscientes são de Allah”. 

Actualmente, enquanto Muçulmano, fui arrasado pelo horror dos recentes acontecimentos: o desdobramento da morte e a indiscriminada carnificina que temos testemunhado e que abalou a confiança da Humanidade em si mesma. O terror a esta escala afecta a todos neste pequeno planeta, e ninguém está livre das sequelas. Para além disso, devemos ter em mente que esta violência é quase quotidiana em terras muçulmanas: esta não deveria ser agravada por ataques vingativos sobre famílias e comunidades inocentes. 

Eu, tal como a maioria dos Muçulmanos, sinto que é dever esclarecer que estes actos, estas matanças 
incompreensíveis, nada têm a ver com as crenças Islâmicas. O Alcorão refere especificamente: “Quem mata uma pessoa sem que esta tenha cometido um crime ou semeado a corrupção sobre a Terra, é como se matasse toda a Humanidade. E quem salva uma vida é como se salvasse toda a Humanidade”. (Alcorão, 5:32). 

O Alcorão que os nossos jovens aprendem está repleto de lições sobre a história da Humanidade como um todo. O Injil (Evangelho), assim como a Tora, são também mencionados: ‘Issa (Jesus) e Ibrahim (Abraão), que a paz esteja com eles, são também mencionados. 

De facto, existem mais men-ções no Alcorão a Mussa (Moisés), que a paz esteja com ele, do que em qualquer outro Livro. O Alcorão reconhece a coexistência de outras religiões e, com isso, reconhece 
que outras religiões podem viver juntas e em paz. 

Allah diz: “Não é permitido obrigar alguém a acreditar” (Alcorão 2:256). Isto significa que as pessoas não devem ser obrigadas a mudar de fé. Do mesmo modo, diz também: “Vós tendes a vossa religião e eu a minha” (Alcorão 109:6). Apontar os valores religiosos e a justiça representam o centro do Alcorão. A história Alcorânica que ensinamos aos nossos jovens fornece vários exemplos de relações interreligiosos e internacionais de como viver em harmonia. 

Todavia, alguns extremistas pegam em fragmentos das escrituras fora do contexto. Agem de maneira individual e, quando não podem aparecer juntos como parte de uma estrutura política ou de um processo consultivo, estas fracções dissidentes criam as suas próprias regras, contrárias ao espírito do Alcorão, o qual exige que os que são reconhecidos como líderes dos Muçulmanos devem consultar-se mutuamente no que se refere aos assuntos da sociedade. No Alcorão, existe uma Sura inteira intitulada “A Consulta”. 

O bem-estar comum é essencial para a vida humana; por isso mesmo, existe um conceito que o Alcorão chama de Istihsan, e que significa “procurar o bem comum”. Mesmo quando o Alcorão pode determinar um parecer, supõe-se também que os estudiosos devem considerar as circunstâncias prevalecentes nesse momento. Por vezes, isso significa escolher o mal menor ou, inclusive, suspender a legislação, caso necessário: por exemplo, uma pessoa que rouba pão durante uma fome, não é tratada como um ladrão. 

Uma vez escrevi uma canção: “Onde brincam as crianças?”. A nossa simpatia e os nossos sentimentos transparecem para com as famílias de todos os que perderam a vida nesses trágicos actos de violência, assim como com todos aqueles feridos. Contundo, a vida deve continuar. As crianças necessitam ainda de brincar e as pessoas precisam viver e aprender mais sobre os seus vizinhos, para que a ignorância não origine mais fanatismo cego. A moderação é parte da fé; assim sendo, os que acusam as escolas Muçulmanas de fomentar o fanatismo, devem aprender um pouco mais sobre o Islão. 

O Profeta, sallallahu ‘alayhi wa sallam, disse: “Que pereçam os que insistem em dificultar a fé”; e “Um crente permanece dentro dos limites da sua religião sempre e quando não matar outra pessoa 
ilegalmente”. 

Tal conhecimento e palavras de orientação são urgentemente necessárias nos tempos presentes, para separar os factos da falsidade e para reconhecer a definição do que o último Profeta, sallallahu ‘alayhi wa sallam, fez sobre o que torna ou não uma pessoa representativa da fé que praticou e ensinou.

Quem não pretender continuar a receber estas reflexões, por favor dê essa indicação e retirarei o respectivo endereço desta lista.


Obrigado. Wassalam. 


M. Yiossuf Adamgy - 19/08/2015

03/07/2015 - Autor: Yusuf Islam (Cat Stevens) – Fonte: Blogue Océano Celeste — Versão portuguesa: M. Yiossuf Adamgy.

sexta-feira, agosto 14, 2015

Percepções Errôneas - As Leis da Charia e as Mulheres



Por Dr. Jasser Auda — Versão portuguesa: M. Yiossuf Adamgy

Saúdo-vos com a saudação do Islão, "Assalam alai-kum", (que a Paz esteja convosco), que representa o sincero esforço dos crentes por estender o amor e a tolerância entre as pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade.

A questão das mulheres representa o verdadeiro teste para a atual reforma Islâmica. O motivo para tal é a diferenciação infundada e injusta entre homens e mulheres, profundamente enraizadas nas muitas opiniões populares que herdamos das eras do declínio da civilização Islâmica.

Antes de mais, é necessário proceder às seguintes
1. Entre Islão e Muçulmanos 
2. Entre a Charia e as madhhabs Islâmicas ou escolas de jurisprudência (islâmicas)
3. Entre as Transcrições e as interpretações das Transcrições

1. Entre Islão e Muçulmanos - Primeiro, devemos diferenciar entre Islão e Muçulmanos. Isto não acarreta necessariamente um sentido negativo. Todavia, é crucial que separemos (tanto quanto possível) entre a Religião, Islão, e os seus seguidores, Muçulmanos. O que os Muçulmanos fizeram, ou fazem atualmente, não é necessariamente aquilo que o Islão é.

O Islão possui uma essência que todo o Muçulmano deve abraçar. Contudo, para além dessa essência, a mesma religião, Islão, pode manifestar-se, e manifestou-se, numa variedade de aspectos e formas em várias culturas. Algumas dessas culturas possuíam estruturas sociais geralmente anti-mulheres, e os verdadeiros eruditos esforçaram-se por implementar os valores Islâmicos de justiça e igualdade dos seres humanos.

Um exemplo é a prática de proibição da entrada das mulheres Muçulmanas nas Mesquitas, apesar da clara instrução do Profeta Muhammad (que a paz e as bênçãos estejam com ele): “Não impeçam as servas de Allah de irem às Mesquitas de Allah” (Al-Bukhari), e não obstante o facto de o Profeta (que a paz e as bênçãos estejam com ele) ter liderado a Oração para muitos homens e mulheres, na sua própria Mesquita (alinhando as mulheres atrás dos homens).

Outro exemplo contemporâneo é a proibição das mulheres conduzirem carros em alguns países Islâmicos, apesar de séculos de práticas semelhantes empreendidas por mulheres Muçulmanas, a começar pela esposa do Profeta (s.a.w.), `A'ishah (r.a.), a qual liderou toda uma batalha montada no seu camelo (A Batalha do Camelo, ou Mawqi`at Al-Khamal). São muitos os exemplos neste domínio.

Do mesmo modo, é importante diferenciar entre Islão e a história do mundo Islâmico, o que pode ter os seus lados positivos, assim como negativos, no que Nós, Muçulmanos, temos que admitir que exista uma imensa bagagem anti-mulheres na história do mundo Islâmico a qual é, simplesmente, não Islâmica, tendo em conta as referências e fontes de legislação do Islão.

Um exemplo é o do conceito de “harém”, em que um homem rico ou pobre basicamente encarcera um vasto número de mulheres para seu próprio prazer, com o nome de concubinas. Damos graças a Deus por esse costume não Islâmico não mais existir.

Outro exemplo é o de honrar as matanças que continuam a acontecerem, algumas “em nome do Islão” em determinados lugares (conforme acontece no Paquistão, na Nigéria e na Jordânia dos dias de hoje), não obstante o fato de ser claramente contra o Islão e não ter precedentes na lei Islâmica.

Além disso, é necessário diferenciar entre Islão e as políticas dos Muçulmanos. O Islão trata-se de um modo de vida que, naturalmente, inclui políticas e governos. Todavia, as posições políticas, ainda que baseadas em determinados valores Islâmicos, não são necessariamente parte do “Islão” que todo o Muçulmano deve abraçar. Quando se trata das mulheres, existe um laço subtil, ainda que extrema-mente forte, entre muitas das fatwas anti-mulheres (como as atrás referidas) e determinados programas políticos.

2. Entre a Charia e as madhhabs 
A segunda importante diferenciação é entre a Charia e as escolas de jurisprudência Islâmicas (em Árabe: madhahib al-fiqh). Na língua Inglesa, (porque não dizer no Ocidente) a palavra Charia tem conotações negativas, visto ser comumente usada em referência a vários castigos corporais praticados, em alguns países, em nome da lei Islâmica, castigos esses normalmente, infelizmente, aplicados aos fracos e pobres dessas sociedades, e que não são aplicados aos ricos ou politicamente poderosos.

Contudo, no Alcorão a palavra Charia é usada para significar apenas “o caminho celestial revelado ou modo de vida” (Alcorão, 5:48, 45:18). Assim sendo, tudo acerca do Islão é Charia. É suposto tratar-se do “modo de vida” Islâmico.

Quanto às escolas de fiqh, a palavra fiqh é usada no Alcorão e nos Ahadith de várias maneiras para se referir ao entendimento, à compreensão e à obtenção do conhecimento da religião em geral (por exemplo, Alcorão 4:78, 6:25, 9:122). Contudo, nas escolas Islâmicas da lei, a palavra fiqh normal-mente tem sido definida como “o conhecimento das sentenças práticas”.

É essencial saber que a Charia foi revelada, mas que o fiqh não! A Charia é o que Deus disse e que o Profeta (que a paz e as bênçãos estejam com ele) instruiu cada Muçulmano a fazer, mas fiqh é a compreensão dos eruditos, em diferentes eras e localizações geográficas, do conhecimento revelado e a sua opinião nas suas tentativas de aplicar a Charia à (sua) verdadeira vida.

Assim sendo, e falando de um modo geral, o fiqh está sujeito à sociedade e às circunstâncias em que foi aplicado, e poderá não representar (necessariamente) os mandamentos de Deus e nem (necessariamente) o que devemos fazer nas nossas atuais circunstâncias.

Evidentemente, existem questões no Islão que são universais e que cada Muçulmano, indiferentemente de onde e como está, deve aplicar. Devemos consultar os eruditos de fiqh nestas áreas. Todavia, refiro-me aqui às questões relativas a mudanças e, especialmente, questões relativas às mulheres, as quais, a meu ver, sofreram imensas descriminações de vários eruditos – contrárias à Charia Islâmica ou modo de vida revelado.

3. Entre as Transcrições e as interpretações das Transcrições 
A terceira importante diferenciação é entre as Transcrições e a interpretação das Transcrições. As Transcrições são universais, mas as suas interpretações variam com a mudança do tempo e as circunstâncias.

Todavia, existem limites quanto ao que pode ser uma interpretação válida. Uma interpretação válida não pode, por exemplo, alterar o significado de algo, inclusive acabar por o alterar, até acabar por obter algo radicalmente diferente do que foram os ensinamentos óbvios da Transcrição ou a tradição óbvia do Profeta do Islão (que a paz e as bênçãos estejam com ele).

A este respeito, torna-se necessário compreender como determinadas interpretações históricas moldaram o Islão nas mentes de muitos Quem não pretender continuar a receber estas reflexões, por favor dê essa indicação e retirarei o respectivo endereço desta lista.

Obrigado. Wassalam. 
M. Yiossuf Adamgy - 13/08/2015 - Jumua Mubaraka para todos!

quinta-feira, agosto 13, 2015

O Sistema Judiciário Do Islam - Contribuições Especiais dos Muçulmanos

A lei existe na sociedade humana desde tempos imemoriais. Toda raça religião, e todo grupo de homens trouxe alguma contribuição a essa esfera. A contribuição feita pelos muçulmanos é tão rica quanto meritória e valiosa.

Ciência da Lei 

Todos os antigos tiveram as suas leis peculiares e próprias. Entretanto, parece que jamais havia se pensado antes do Ach-Chafi'i (150-204 da Hégira/767- 820 d.C.), numa ciência da lei, abstrata na existência e distinta das leis e dos códigos. A obra desse jurista, Risála, designa essa ciência pelo expressivo título de "Raízes da Lei", advindo daí os diversos ramos da regulamentação da conduta humana.

Esta ciência, chamada daí para frente de Usul-al-Fiquih, pelos muçulmanos, trata simultaneamente da filosofia da lei, da fonte das regras, e dos princípios da legislação, interpretação e aplicação dos textos legais. Essas leis, regulamentos são chamados de "ramos" (furú) dessa árvore. 
A Intenção do Ato 

Entre as novidades no domínio dos conceito fundamentais da lei, podemos apontar a importância dada ao conceito de motivo e intenção (niya) dos atos. Esta noção se baseia no célebre parecer do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele);

"Os atos devem ser julgados de acordo com as intenções." 

Desde então, a infração ou crime intencional e o ato involuntário, não tem sido tratados de maneira igual pelos tribunais. 
Constituição Escrita do Estado 

É interessante como também inspirador, observar que já na primeira revelação recebida pelo Profeta do Islam, que era uma pessoa iletrada, constava o engrandecimento do cálamo como meio de conhecimento das coisas ignoradas, e como sendo uma graça de Deus.

Não nos surpreende que quando o Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); dotou seu povo de um organismo estatal criado do nada, ele tenha promulgado uma constituição escrita para esse Estado, que era inicialmente uma cidade-estado, mas meros dez anos mais tarde, quando seu fundador morria, já se estendia por toda a Península Arábica e as partes do sul do Iraque e da Palestina.

Após outros quinze anos, durante o califado de Uthman ocorreu uma penetração fantástica dos exércitos muçulmanos na Andaluzia (Espanha) por um lado e no Turquestão chinês pelo outro, através dos países intermediários. Essa constituição escrita, preparada pelo Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); contendo 52 cláusulas, sobreviveu até os nossos dias inteira.

Ela trata de uma variedade de questões, tais como os direitos e deveres que dizem respeito ao governante e aos governados, legislação, administração da justiça, organização da defesa, tratamento de súditos não-muçulmanos, seguro social baseado na mutualidade, e outros requisitos daquela época. O Ato (Constitucional) data de 622 da era cristã, do primeiro ano da Hégira.

A Lei Internacional Universal 

A guerra, que infelizmente sempre tem sido freqüente entre os membros da família humana, é a ocasião quando se está menos disposto a conduzir-se racionalmente e praticar justiça principalmente sobre os próprios súditos em favor do nosso adversário.

Como isto na verdade é uma questão de vida ou morte, uma batalha pela própria sobrevivência, na qual o menor deslize ou erro pode levar a conseqüências perigosas, os soberanos e chefes de Estado sempre reivindicaram o privilégio de decidir, a seu próprio critério, as medidas a serem aplicadas ao inimigo.

A ciência relacionada com esse comportamento dos soberanos independentes existe desde os tempos mais remotos; mas fazia parte da política e mera prudência, quando muito guiada pela experiência. Os muçulmanos parecem ter sido os primeiros a separar esta ciência da lei internacional pública das vontades e desejos mutáveis dos governantes dos Estados, e de dispô-la numa base puramente legal.

Além do mais, foram eles que deixaram para a posteridade, os tratados mais antigos existentes sobre a lei internacional desenvolvidos como unia ciência independente. Eles a chama de siyar, ou seja, conduta do soberano. E mais, nos códigos convencionais de leis, fala-se desse assunto como integrante da lei da terra.

Aliás, fala-se dele imediatamente em seguida à questão do banditismo, como se a guerra pudesse ser justificada com as mesmas razões que a ação policial contra os assaltantes de estrada. O resultado disso é que os beligerantes têm, não apenas direitos, como também, obrigações, reconhecidas pelos tribunais muçulmanos.

Características Gerais da Lei Muçulmana 

A primeira coisa que espanta o leitor de um manual sobre a lei islâmica é de que ela procura regular todo o leque de atividades da vida humana, tanto no seu aspecto material como espiritual. Tais manuais começam geralmente com os ritos e práticas do culto, e discutem nesse mesmo capítulo também as questões constitucionais da soberania, uma vez que o Imam, ou seja, o chefe do estado é o líder ex-ofício das orações na mesquita,

Não devemos portanto nos espantar de essa parte também tratar dos impostos devidos ao erário; uma vez que o Alcorão freqüentemente fala sobre o culto e o imposto do zakat no mesmo versículo, tratando esse imposto como uma das formas de se louvar a Deus por intermédio do dinheiro.

Depois disso, discutem-se as relações contratuais de todos os tipos; em seguida os crimes e suas penalidades, que incluem as leis da guerra e da paz com países estrangeiros, a lei internacional e também a diplomacia; e finalmente os regulamentos que regem a herança e os testamentos.

O homem consiste de corpo e alma; e se o governo com seus enormes recursos, cuidar tão somente dos assuntos materiais, o espírito ficará esfomeado, e sendo deixado à sua própria mercê, seus recursos serão Paupérrimos em comparação com os que são disponíveis para os assuntos seculares.

O desenvolvimento desigual do corpo e da alma levarão à falta de equilíbrio do homem, cujas conseqüências serão, a longo prazo, desastrosas para a civilização. Este tratamento do todo, tanto do corpo como da alma, não implica que os não iniciados devem se aventurar nos domínios da religião, tanto quanto não se deve permitir ao poeta aventurar-se a realizar cirurgias; todo campo de ação humana deve ter seus próprios especialistas e pessoas qualificadas. 

Outra característica da lei islâmica parece ser a ênfase posta na correlação do direito e da obrigação. Não somente as relações mútuas dos homens entre si, mas também a relação dos homens com seu Criador, são baseadas no mesmo princípio; e o culto não é mais que o cumprimento do dever do homem correspondente aos direitos que a providência lhe concede. Para falar somente dos "direitos do homem", sem ao mesmo tempo dar relevo aos seus deveres, seria o mesmo que transformá-lo em um animal voraz como o lobo, ou no próprio diabo. 

A Filosofia da Lei 

Os juristas clássicos entre os muçulmanos, põem as leis sobre a base dupla do lícito e ilícito. Deve-se praticar o que é lícito e abster-se do que é ilícito. O lícito e o ilícito são às vezes absolutos e evidentes por si, e outras vezes, apenas relativos e parciais.

Isto nos leva à divisão em cinco categorias de todas as regras jurídicas, tanto as ordens como as injunções. Desse modo, tudo que é absolutamente lícito será um dever absoluto, e devemos praticá-lo. Tudo que tem um caráter lícito preponderante é recomendável e considerado meritório.

As coisas que têm ambos esses aspectos, do lícito e ilícito, em proporções iguais, ou que não possuem nenhum dos dois, seriam deixadas ao critério do indivíduo optar se as praticasse ou se delas se abstivesse, e até de mudar tal prática de tempos em tempos.

As coisas absolutamente ilícitas seriam objeto de proibição total, e seriam repreensíveis e desencorajadas. A divisão básica dos atos ou regras em cinco categorias pode ter outras subdivisões para inserir nuances menores, tal como os indicadores do dial de um bússola que acrescentam direções compostas além dos quatro pontos cardeais principais.

Resta definir e distinguir entre o lícito e o ilícito, O Alcorão, sendo a Palavra de Deus e um livro sagrado para os muçulmanos, fala dessas coisas em multas ocasiões, dizendo-nos sempre que devemos praticar o ma'ruf e nos abster domunkar. Ora, ma'ruf quer dizer um ato lícito que é reconhecido como tal por todos, até pela própria razão, e, portanto, é lícito. Enquanto munkar significa aquilo que é rejeitado por todos por não ser de modo algum bom, um mal que é reconhecido como tal por todos; e aquilo que até a própria razão reconhece como mal, deve ser proibido.

Uma grande parte da moralidade do Islam está contida neste domínio; e são raros os casos em que o Alcorão proíbe algo a respeito de que exista qualquer divergência de opinião humana, tal como a proibição de bebidas alcoólicas, ou de jogos de azar; mas para dizer a verdade, a razão de ser da lei, mesmo em tais casos, jamais é negada às mentes lúcidas e férteis. Na prática, isto é uma questão de confiança na sabedoria e inteligência do Legislador, cujas diretrizes em todos os demais casos não tem causado senão a aprovação universal.

As Sanções 

Encontram-se entre os membros da raça humana os mais variados temperamentos, e estes podem ser agrupados em três grandes categorias: a daqueles que são bons e resistem a quaisquer tentações do mal, sem precisar de serem compelidos a tanto; a daqueles que são maus, e procuram, por todos os, meios, fugir de toda e qualquer vigilância; e finalmente, a daqueles que se comportam de maneira adequada só enquanto temem as conseqüências, mas que se permitem praticar o ilícito também quando são tentados, quando há uma maior ou menor probabilidade de escaparem ilesos de qualquer represália.

Infelizmente, o número dos indivíduos da primeira categoria é muito limitado; estes não precisam nem de guias nem de sanções contra a violação de leis. As outras duas categorias necessitam de sanções em benefício da sociedade. A disposição do espírito de causar danos a outrem pode ser uma doença, um resquício de animalidade criminosa, resultado de uma má educação, ou ser devida a outras causas.

Um esforço terá de ser feito para controlar e neutralizar o dano que possa ser causado por homens da segunda categoria, cujo número felizmente também não é muito grande. Resta a terceira categoria, intermediária, e que é constituída pela grande maioria dos homens. Estes necessitam de sanções, mas de que espécie?

Vale dizer que se o próprio chefe tivera uma consciência pesada, por ter cometido alguma coisa proibida, ele teria pouca disposição para repreender outros a respeito da mesma coisa. Portanto, o Islam atinge a raiz e a fonte desse tipo de mal, e declara que ninguém está isento das obrigações, nem mesmo o soberano, nem o próprio profeta.
Os ensinamentos, como a própria prática do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); seguidos pelos seus sucessores, exigem que o chefe do Estado deve ser plenamente capaz de ser intimado a comparecer perante os tribunais do país, sem qualquer restrição. A Tradição Islâmica tem sido a de os juízes jamais hesitarem na prática de decidirem contra os seus soberanos em casos de prevaricação. 

É desnecessário mencionar-se pormenorizadamente as sanções materiais que existem no Islam, como também em todas as outras civilizações. Por isso existem funções públicas que são encarregadas de manter a lei e a ordem, de vigiar e de custodiar, de cuidar da paz e da tranqüilidade das relações de convívio dos habitantes do país e assegurar de que qualquer pessoa que seja vitimada por violência, possa reclamar diante dos tribunais e que a polícia traga os acusados a comparecerem para responder perante os juízes, bem como de que seja finalmente executada a decisão destes. 
Mas a concepção de sociedade que o Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); tinha, acrescentou ainda uma outra sanção, talvez mais eficaz que a sanção material, e que é a sanção espiritual, Mantendo toda a parafernália administrativa da justiça, o Islam impressionou nas mentes dos seus seguidores a idéia da ressurreição após a morte, o juízo Final e a salvação ou condenação por esse juízo Final.

E é assim que o crente cumpre suas obrigações mesmo quando ele tem a oportunidade de as violar impunemente, e se abstém de causar danos aos outros apesar de todas as tentações e de contar seguramente estar livre de qualquer risco de represália. 

Essa tríplice sanção por qual os governantes são sujeitos em condições de igualdade à lei geral, às sanções materiais e também às sanções espirituais, cada elemento servindo para fortalecer a eficácia do anterior, tenta assegurar no Islam a observância máxima das leis e a realização plena dos direitos e deveres de todos.

A Legislação 

Para melhor compreender as implicações da afirmação de que Deus é o supremo Legislador, precisamos meditar sobre os diversos aspectos da questão. 

O Islam acredita no Deus Único, o Qual não só é o Criador de todas as coisas, mas também o Provedor, o sine qua non da existência de todo o universo. Ele não é "posto no rol de aposentados" após ter criado tudo que Ele criou. O Islam acredita mais, que Deus transcende muito além da percepção física do homem, e de que Ele é Onipresente, Onipotente, Justo e Misericordioso.

Além de, por Sua clemência ilimitada, ter Ele dado ao homem não somente a razão como também de ter mandado mensageiros escolhidas entre os próprios homens, instruindo quais as direções que são mais sábias e mais úteis à sociedade humana. Deus é Transcendente, Ele envia as Suas mensagens aos Seus escolhidos por meio de portadores de mensagens celestiais intermediários. 

Deus é Perfeito e Eterno. Entre os homens, pelo contrário, há unia constante evolução. Deus não muda as Suas opiniões, mas exige dos homens somente aquilo de que são capazes dentro das suas capacidades individuais. É por isso que há divergências, pelo menos em certos detalhes, entre as legislações, que reivindicam para si próprias o de serem baseadas nas revelações Divinas. Em assuntos legislativos, a última lei revoga e substitui as que a antecederam; o mesmo é verdadeiro com respeito às revelações Divinas. 

Entre os muçulmanos, o Alcorão, que é um livro escrito na língua árabe, é a Palavra de Deus, uma revelação Divina recebida pelo Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); e destinada aos seus seguidores. Além disso, em sua qualidade de Mensageiro de Deus, Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); explicou o texto sagrado, e acrescentou outras diretrizes que estão registradas nas Tradições ou coleção dos seus relatos, ditos e atos.

Seria desnecessário dizer que as leis promulgadas por determinada autoridade só podem ser revogadas por ela mesma ou por uma autoridade superior, mas nunca por uma menor. Assim, a revelação Divina só pode ser revogada por uma outra posterior revelação Divina. Do mesmo modo, as diretrizes do Profeta só podem ser modificadas por ele próprio ou por Deus, mas não por qualquer dos seus discípulos ou outros. Mas este aspecto teórico de rigidez se transforma numa prática bastante elástica no Islam, para que os homens possam adaptar-se às exigências e às circunstâncias:

1) As leis, mesmo aquelas de origem Divina ou emanadas do Profeta, não têm, todas elas, o mesmo âmbito. Já vimos que somente algumas delas são obrigatórias; outras são apenas recomendadas, enquanto no restante dos casos, a lei permite' ampla extensão aos indivíduos. Um estudo das fontes mostrará que as regras da primeira categoria a das obrigatórias, são muito poucas; as recomendações são em número um pouco maior; e os casos em que o texto é silente são inúmeros; 

2) Uma autoridade inferior não modifica a lei, mas pode interpretá-la. O poder da interpretação não é monopólio de qualquer pessoa no Islam; qualquer um que tenha feito um estudo especial da matéria tem o direito de fazê-lo. Uma pessoa doente jamais irá consultar um poeta, nem mesmo um que tenha sido laureado com o prêmio Nobel; para se construir uma casa, não consultamos um cirurgião, e sim, a um engenheiro; do mesmo modo, para as questões legais, precisamos estudar as leis e aperfeiçoar nosso conhecimento do assunto; a opinião das pessoas não qualificadas será apenas aventureira. As interpretações dos especialistas mostram as possibilidades de adaptar até a lei Divina às circunstâncias; por Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); ter sido o derradeiro dos profetas e ter deixado este mundo como qualquer mortal, não há mais nenhuma possibilidade de receber uma nova revelação de Deus para decidir problemas surgidos pela divergência das interpretações. Devem evidentemente existir tais divergências, pois nem todos os homens pensam do mesmo modo. Pode-se ressaltar que os juízes, jurisconsultos e outros juristas também são seres humanos; e se eles divergem entre si, não será o público em geral o que terá maior autoridade de decisão. Num litígio judicial, deve ser obedecido o juiz-, em outros casos, as escolas que se dedicam ao estudo e interpretação das leis recebem a preferência aos olhos dos que seguem a respectiva escola e assim por diante;
3) Foi o próprio Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); quem enunciou a regra de que; "Meu povo jamais será unânime em relação a um erro". Tal consenso tem grandes possibilidades de desenvolver a lei islâmica, e adaptá-la de acordo com a mudança das circunstâncias; 
4) Um famoso incidente da vida do Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); merece ser relatado aqui, Moaz Ibn Jabal, um juiz designado do Iêmen, visitou o Profeta para se despedir dele antes de seguir para o seu posto. A seguinte conversação teve lugar entre os dois: "Com que fundamentação irás decidir os litígios? De acordo com as previsões contidas no Livro de Deus (o Alcorão)! E se não encontrares nenhuma provisão nele? - Então de acordo com a conduta do Mensageiro de Deus (Muhammad)! - E se nem aí encontrares exemplo apto? - Bem, então usarei a minha própria diligências. O Profeta ficou tão feliz com estas respostas que, longe de repreendê-lo, exclamou: "Deus seja louvado, Que guiou o mensageiro do Seu Mensageiro ao que mais agrada o Mensageiro de Deus!" 

Esta diligência pessoal de opinião e bom-senso por parte de um homem honesto e consciencioso não só é uma maneira de desenvolver a lei, mas também um recipiente da bênção do Profeta; 

5) Podemos recordar que, na legislação de um problema novo, na interpretação de um texto sagrado, ou em qualquer outro caso de desenvolvimento da lei islâmica, mesmo quando isto tenha sido feito com base numa consulta de consenso, sempre há a possibilidade de que uma regra adotada num processo venha a ser substituída por outra regra, por outros juristas que se utilizem dos mesmos métodos.

A história tem demonstrado que o poder de "legislação" deve, no Islam, ser confiado a sábios particulares, para que estes estejam isentos da interferência oficial. Tal legislação não deverá sofrer a influência da política quotidiana, nem atender a interesses de quaisquer pessoas em particular, mesmo que essa seja um chefe do Estado.

Os juristas, sendo todos iguais, cada um deles pode livremente criticar a opinião do outro, tornando possível, desse modo, o exame de todos os aspectos de relevo de um problema, quer de pronto, quer no curso de gerações seguintes, até que se alcance a melhor solução.

Vimos assim que a origem divina da legislação islâmica não a torna despropositadamente inflexível. O que é mais importante ainda é que esta qualidade de origem divina da lei inspira aos fiéis um respeito maior pela lei, tornando possível ser ela observada mais consciente e escrupulosamente. Podemos acrescentar que os juristas dos tempos clássicos haviam declarado unanimemente que: "Tudo que os muçulmanos consideram bom, o é também aos olhos de Deus."

Mesmo que isso não se refira a qualquer dito do próprio Profeta. O consenso, à luz de tal interpretação, implica que mesmo as conclusões dos sábios leigos, envolve aprovação Divina, um fato que só acrescenta ao respeito pela lei aos olhos dos homens.
A Administração da Justiça

Uma característica da legislação alcorânica neste sentido é a autonomia judiciária das diferentes comunidades componentes. Longe de impor a lei alcorânica a todos, o Islam admite e até encoraja que cada grupo, cristão, judeu, masdeísta, ou de outros, mantenha seus próprios tribunais, presididos por seus próprios juízes, de sorte a que se apliquem as suas próprias leis em todos os ramos do direito, civil como criminal.

Se as partes em disputa pertencerem a comunidades diferentes, uma espécie de lei internacional privada decide o conflito entre as leis. Ao invés de buscar a absorção e assimilação de todos dentro da comunidade "governante", o Islam protege os interesses de todos os seus súditos.

Quanto à administração da justiça entre os muçulmanos, a parte de sua simplicidade e rapidez, a instituição da purificação das testemunhas merece ser mencionada.

Note-se que, na realidade, os tribunais de todas as localidades, organizam arquivos que registram a conduta e hábitos de todos os habitantes, para saber sempre que necessário, se uma testemunha é confiável.

Não se deixa por conta da outra parte apenas derrogar o valor de um testemunho. O Alcorão diz que, se alguém ataca a castidade de uma mulher e não prova sua acusação pelos meios exigidos pelo tribunal, essa pessoa não somente é punida, mas passa a constar, para sempre, como indigna de testemunhar nos tribunais.

Origem e Desenvolvimento da Lei 
O Profeta Muhammad (que a Paz e a Bênção de Deus esteja sobre ele); ensinou dogmas teológicos aos seus seguidores; ele também lhes deu leis referentes a todas as atividades da vida, individuais ou coletivas, seculares assim como espirituais; além disso, ele criou um Estado a partir do nada, ao qual ele administrou, organizou exércitos aos quais comandou, estabeleceu um sistema diplomático e de relações exteriores ao qual controlou; e, se surgiam litígios, era ele quem os decidia para os seus "súditos".

Portanto, é à figura dele mais do que qualquer outra, que devemos nos voltar para estudar a origem da lei islâmica. Ele nasceu de uma família de mercadores e caravaneiros domiciliados em Makkah. Em sua juventude, ele havia visitado as feiras e mercados do Iêmen e da Arábia Oriental assim como da Palestina.

Seus contemporâneos costumavam também viajar para o Iraque, Egito e Abissínia para comerciar. Quando ele iniciou sua vida missionária, a violenta reação dos seus compatriotas obrigou-o a se exilar e domiciliar-se em outra cidade, Madina, onde o principal meio de subsistência dos habitantes era a agricultura.

Ali ele organizou a vida estatal; estabeleceu primeiro uma cidade-estado, que foi gradativamente transformada em um Estado que se estendia, à época de sua morte, por toda a Península Arábica além de algumas partes do Sul do Iraque e da Palestina.

A Arábia era atravessada por caravanas internacionais. É bem conhecido que os Sassânidas e os Bizantinos haviam ocupado algumas regiões da Arábia, e estabelecido colônias ou protetorados. As feiras, principalmente as da Arábia Oriental, atraíram mercadores da índia, China, e "do Leste e do Oeste", como descreveram Ibn Al-Kalbi e Al-Mas'udi.

Na Arábia não havia somente nômades, mas também povos sedentários como os Iamanitas e os Lihianitas, que haviam desenvolvido civilizações que datavam desde muito antes da fundação das cidades de Atenas e de Roma.

As leis que prevaleciam no país foram transformadas com a chegada do Islam em atos estatais de legislação; e o Profeta detinha, de parte de seus seguidores e súditos, a prerrogativa não só de modificar os velhos costumes, mas também de promulgar leis completamente novas.

Sua condição de Mensageiro de Deus era a razão principal do imenso prestígio de que desfrutava. Tanto era assim, que, não apenas o que ele dizia, como todos os seus atos, tornavam-se lei para os muçulmanos em todas as sendas da vida; até o silêncio dele implicava que ele não se opunha a algum costume que fosse praticado à sua volta por seus seguidores.

Essa fonte tríplice de legislação sejam, sua palavras, que se baseavam sempre nas revelações Divinas, seus atos e sua aprovação tácita das práticas e costumes de seus seguidores, tem sido preservada para nós no Alcorão e nas tradições. Ainda em vida dele, começou a germinar uma outra fonte ainda, constituída das deduções e elaborações das regras, nos casos em que a legislação silenciosa, o que era feito pelos juristas que não fossem chefes de Estado.

Havia juízes e jurisconsultos ao tempo do Profeta, até na metrópole, para não se falar dos centros administrativos das províncias. já mencionamos as instruções levadas por Moaz quando este foi enviado ao Iêmen como juiz. Havia casos em que os funcionários das províncias requeriam instruções do governo central, o qual também tomava a iniciativa e intervinha nos casos de decisões incorretas de seus subordinados, sempre que estas chegavam ao conhecimento da autoridade mais alta.

A ordem para alterar ou modificar os costumes e práticas antigas, ou para a islamização da lei de todo o país, só poderia se consolidar gradativamente, por que os juízes não intervinham senão nos casos que lhes eram submetidos; devem ter sido numerosos os casos que não lhes foram submetidos, sendo resolvidos pelos litigantes de acordo com a conveniência destes, à parte da lei. 

A morte do Profeta marca o cessar das revelações Divinas que possuíam a força de ordenar toda a lei, revogando ou modificando todos os costumes ou práticas antigas. Daí em diante, a comunidade muçulmana se viu obrigada a se contentar com a legislação já passada pelo Profeta, e com os meios autorizados para o desenvolvimento da lei autorizada pela própria legislação. 

Dessas (leis reveladas), as mais importantes talvez tenham sido as seguintes. Por diversas vezes, o Alcorão, depois de instituir determinadas proibições, acrescenta explicitamente que tudo o mais é lícito (no domínio envolvido). De maneira que, tudo aquilo que não contraria a legislação emanada do Profeta, é permissível, constituindo-se em lei positiva.

As leis e até os costumes de países estrangeiros sempre serviram de matéria prima aos juristas muçulmanos, de onde eles extraíam aqueles que eram incompatíveis com o Islam, considerando lícitos os demais. Essa fonte é permanente. 

Outra fonte, talvez surpreendente, é a diretriz fornecida pelo Alcorão, de que as revelações Divinas recebidas por profetas anteriores e cita diversos, como por exemplo, Enoch, Noé, Abraão, Moisés, Davi, Salomão, Jesus Cristo, João Batista (que a Paz esteja sobre eles); são também válidas para os muçulmanos.

Porém que essa diretriz se restringia às revelações comprovadas sem margem de dúvida, isto é, aquelas explicitamente reconhecidas pelo Alcorão ou pelas tradições. A lei do talião do Pentateuco é um caso mencionado no Alcorão. 

Passados apenas quinze anos da morte do Profeta, vemos os muçulmanos governando em três continentes, em vastos territórios da Ásia e da África, e na Andaluzia na Europa. O Califa Umar achou que o sistema fiscal dos sassânidas era bom e o manteve nas províncias do Iraque e do Irã; já o sistema fiscal dos bizantinos ele achava opressivo, por isso modificou-o na Síria e no Egito; e assim por diante.

Todo o primeiro século da Hégira foi um período de adaptação, consolidação e transformação. Os documentos escritos em pergaminhos encontrados no Egito nos informam de muitos aspectos da administração egípcia. já a partir do segundo século da Hégira, passamos a ter códigos de leis, compilados por juristas privados, tendo um dos primeiros sido o de Zaid Ibn ‘Áli, que morreu no ano 120 da Hégira.

Os antigos chamavam o Iêmen de "Arábia Felix", e não sem uma razão. Suas condições gerais e físicas, deram-lhe na antigüidade pré-cristã, uma superioridade incomparável sobre as outras regiões da Arábia, no que diz respeito à cultura e civilização; sua riqueza, testada pela Bíblia, era legendária, e seus reinos, poderosos.

No início da era cristã, uma onda de emigração levou certas tribos Iamanitas para o Iraque, onde elas fundaram o Reino de Hira, que ficou célebre por estimular as letras, e que continuou a existir até a aurora do Islam. Nesse meio tempo, o Iêmen conheceu o domínio dos judeus (sob domínio de Dhul-Nawas); a dominação cristã (pelos abissínios), seguida da ocupação do Irã pelos masdeístas ou parsis, que, por sua vez deram lugar ao Islam.

Os Iamanitas, influenciados por todas essas sucessivas interações e tensões, foram persuadidos pelo Califa Umar a emigrarem novamente para o Iraque para colonizá-lo, especialmente a região de Kufa, que era uma cidade nova construída sobre as ruínas da antiga Hira. Umar enviou Ibn Mas'ud, um dos mais eminentes juristas de entre os companheiros do Profeta, para organizar lá uma escola.

Seus sucessores nessa escola, Ibrahim An- Nakhai, Hammád, e Abu Hanifa foram todos, graças ao acaso da providência, especialistas em leis. Entrementes, ‘Ali, outro grande jurista dentre os companheiros do Profeta, transferiu a sede do califado de Madina para Kufa. Não é de surpreender, portanto, que esta cidade tornou-se o berço de tradições ininterruptas, adquirindo uma reputação crescente em matéria de leis. 

A ausência de qualquer interferência de autoridade central na liberdade de opinião dos juízes e juristas, provou favorecer enormemente o rápido progresso dessa ciência; mas também tinha suas inconveniências. Na realidade, um administrador experimentado e altamente conceituado como Ibn Al-Mukaffa’ reclamava, no início do segundo século da Hégira, da existência de uma quantidade enorme de divergências nas leis muçulmanas casuísticas, penais, leis da condição pessoal e outros ramos da legislação, especialmente em Hira e Kufa; e sugeriu ao Califa a criação de uma instituição superior para a revisão das decisões do judiciário, visando a imposição de uma lei única e uniforme em todas as partes do reino.

A sugestão foi abortiva. Seu contemporâneo, Abu Hanifa, cioso da liberdade da ciência, e zeloso de mantê-la a distância dos tumultos da política continuamente mutante, criou, ao invés, uma academia do direito. Composta de quarenta membros, sendo cada um especialista em alguma ciência relacionada com o direito, tal como a exegese do Alcorão, das tradições, a lógica, a lexicologia, etc.

A academia dispôs-se a uma profunda avaliação da legislação casuística da época, e empreendeu a codificação das leis, ela tentou também preencher as lacunas das leis muçulmanas a respeito de pontos sobre os quais não existiam nem precedentes no direito casuístico, nem textos que emitissem um parecer aplicável. Um dos seus biógrafos afirma que Abu Hanifa (falecido em 150 da Hégira) havia promulgado meio milhão de regras (ver Almuwaffak, 11, 137). 

Málik em Madina, e Al-Auza'i na Síria, empreenderam ao mesmo tempo um trabalho semelhante, porém eles dependiam somente de seu próprio conhecimento exclusivo e recursos pessoais. Se Abu Hanifa enfatizava a racionalização independente de recurso ao Alcorão e às tradições como bases da lei Málik preferia espelhar-se na população de Madina cidade impregnada pelas tradições do Profeta para emitir suas interpretações dedutivas ou lógicas. 

O Alcorão foi "publicado" apenas alguns meses após a morte do Profeta. A tarefa de coligir os ditados e atos do Profeta bem como os exemplos de sua aprovação tácita da conduta de seus companheiros, material esse que é chamado por tradições, foi empreendida por algumas pessoas ainda estando vivo o Profeta, e posteriormente, após sua morte, por muitas outras pessoas.

Mais de cem mil dos companheiros do Profeta deixaram valiosas tradições para a posteridade, baseadas em tudo que pudessem lembrar sobre o assunto. Alguns transcreviam essas recordações e outros as transmitiam oralmente. O material de grande valor legislativo estava naturalmente disperso pelos três continentes onde os companheiros do Profeta haviam-se domiciliado no tempo dos califas Umar e Uthman.

Nas gerações que se seguiram, os pesquisadores compilaram tratados, inclusive mais abrangentes, baseados na amálgama das coleções de memórias pessoais dos Companheiros do Profeta.

A avaliação da lei casuística e a codificação das tradições foram completadas como obras paralelas na mesma época, porém uma ignorava e colocava em suspeição a outra. Ach-Cháfi'i nasceu no ano em que Abu Hanifa morreu.

As diferenças mútuas ou polêmicas levaram os juristas a buscar um conhecimento mais profundo das tradições, e os especialistas em tradições a catalogar os dados sobre os ditados e atos do Profeta, a avaliar os méritos individuais de suas origens de transmissão, e a determinar o contexto e a época dos ditos do Profeta para deduzir o conteúdo legislativo deles.

Ach-Cháfi'i especializou-se simultaneamente em direito e nas tradições, e graças às suas elevadas qualidades intelectuais e sua diligência, foi possível descobrir uma síntese entre as duas disciplinas. Ach-Cháfi'i foi o primeiro, na história mundial, a criar uma ciência abstrata do direito, distinguíndo-a das leis no sentido estrito de regras aplicadas em um país.

Outra grande escola (ou tradição) de direito foi fundada por Jaafar As-Sádik, descendente de ‘Ali e contemporâneo de Abu Hanifa. A evolução do direito de herança nessa escola, de um modo especial, deveu-se mais a razões de caráter político. Abu Hanifa, Málik, Ach-Cháfi'i, Jaafar As-Sádik e diversos outros juristas, deixaram, cada um, sua própria escola de direito.

Os seguidores dessas escolas formam sub-comunidades do Islam nos tempos atuais, porém, as diferenças que existem entre estas, tem menos influência ainda que a das escolas filosóficas. Com a passagem dos séculos, tornou-se uma experiência comum constatar que alguns Chafi'itas divergem de Cháfi'i em certos pontos da lei, concordando sobre estes com Málik ou com Abu Hanifa, e vice-versa.

Como acabamos de ver, o Império Muçulmano se estendeu desde logo através de imensos territórios, que eram anteriormente governados por diferentes sistemas legais, como por exemplo, os iranianos, os chineses, os hindus, os bizantinos, godos e outros, e a estes foram acrescentadas as contribuições locais dos primeiros muçulmanos da Arábia.

A possibilidade de qualquer sistema legal estrangeiro em especial, ter o monopólio de influenciar o direito muçulmano está, portanto excluída. Entre os fundadores das escolas também constatamos que Abu Hanifa era de origem persa e Málik, Ach-Cháfi'i e Jaafar As-Sádik eram árabes. O biógrafo Ad-Dhahabi relata que Al-Auza'i vinha originalmente do Sind; e nas gerações subseqüentes, surgiram juristas muçulmanos em todas as raças.

O desenvolvimento do direito muçulmano foi portanto um empreendimento ‘’internacional’’, no qual participaram juristas muçulmanos de variadas origens étnicas, falando idiomas diferentes, e seguindo costumes diferentes.

É um fenômeno constatado em todos os países que certos chauvinistas, e aqueles que carecem de um pensamento independente, desejam sacrificar o espírito, se apegando à letra dos mestres antigos, enquanto outros se aventuram no inconformismo.

São os meio-termos que, entretanto devem prevalecer! Um espírito sem complexo de inferioridade, mas munido das informações necessárias, e dotado ao mesmo tempo da devoção de um crente praticante, nunca terá dificuldade em reconhecer que a interpretação não só é prática, como razoável, a ponto de ser capaz até de modificar as opiniões defendidas pelos antigos. Repare a convicção e segurança com que o grande jurista Pazdawi nos diz que não só as opiniões pessoais, como até o consenso dos tempos antigos, podem ser modificados por um consenso moderno.

Conclusão

O direito muçulmano começou como a lei do estado e da comunidade governante, e serviu aos propósitos dessa comunidade enquanto o domínio muçulmano cresceu em dimensões e se estendeu desde o Atlântico ao Pacífico. Ele tinha urna capacidade inerente para se desenvolver e se adaptar às contingências do tempo e do clima. Ele não perdeu o seu dinamismo nem mesmo nos dias atuais; na realidade, está recebendo um reconhecimento cada vez maior como força ativa para o bem, dos países muçulmanos que estiveram antes sob o domínio estrangeiro político e conseqüentemente, jurídico e que atualmente estão tentando reintroduzir a Chari'ah em todas as atividades da vida.

Fonte: islam.org.br

quinta-feira, julho 30, 2015

Descoberto um dos fragmentos do Alcorão “mais antigos”, pessoas, seja qual for o seu idioma, crença ou sociedade. na Universidade de Birmingham, Reino Unido. 23/07/2015 - Autor: Redacción – Fonte: Canal de Noticia – Traduzido por: M. Yiossuf Adamgy Fonte: http://www.birmingham.ac.uk/news/latest/2015/07/quran-manuscript-22-07-15.aspx

O documento veio a lume quando um investigador de doutoramento quis examinar mais de perto as páginas e decidiu submetê-las a uma análise de radiocarbono.

Isso permitiu descobrir um dos mais antigos fragmentos do Alcorão, o Livro Sagrado do Islão, na Universidade de Birmingham, Reino Unido.

Segundo a análise de radiocarbono, o manuscrito tem, pelo menos, 1370 anos de antiguidade, o que o torna um dos primeiros textos do Alcorão existentes.

De acordo com peritos, o autor pode ter conhecido e ouvido o Profeta Muhammad (p.e.c.e.). As páginas dos escritos sagrados muçulmanos estiveram quase um século na biblioteca da Universidade sem serem reconhecidos. 

O doutor Muhammad Isa Waley, perito neste tipo de manuscritos da Biblioteca Britânica, disse tratar-se de uma “descoberta emocionante” que encherá de “alegria” os Muçulmanos.  

Testemunho em primeira mão 

O manuscrito encontrava-se dentro de uma coleção de livros e documentos do Médio Oriente, sem ter sido identificado como um dos mais antigos fragmentos do Alcorão do mundo.

Veio a lume quando um investigador de doutoramento quis examinar mais de perto as páginas e decidiu submetê-las a uma análise de radiocarbono, com resultados “surpreendentes”.

A diretora de coleções especiais da Universidade, Susan Worrall, declarou que “nem em sonhos” se imaginava que fosse tão antigo.

“Descobrir que possuíamos um dos fragmentos mais antigos do mundo do Alcorão foi incrivelmente emocionante”.

A análise, realizada com a Unidade de Acelerador de Radiocarbono da Universidade de Oxford, revelou que os fragmentos, escritos em pergaminhos de cabra ou cordeiro, estavam entre os textos mais antigos existentes do Alcorão. 

Os resultados indicaram, com uma probabilidade superior a 95%, datas que oscilam entre os anos 568 e 645.
“Poderiam remontar-nos a poucos anos da atual fundação do Islão”, disse David Thomas, professor de Cristianismo e do Islão da Universidade.

“De acordo com a tradição Muçulmana, o Profeta Muhammad recebeu as revelações que formam o Alcorão, as sagradas escrituras do Islão, entre 610 e 632, ano da sua morte”.

O professor Thomas referiu a data dos fólios de Birmingham pode significar que a pessoa que os escreveu viveu ao mesmo tempo que o Profeta Muhammad.

“A pessoa que os escreveu pode muito bem ter conhecido o Profeta Muhammad. Viu-o, talvez o tenha ouvido pregar. Pode tê-lo conhecido pessoalmente, o que é uma ideia realmente evocatória”, disse.

Outros textos antigos

Thomas explicou que algumas passagens do Alcorão foram escritas em pergaminhos, pedras, folhas de palmeira e omoplatas de camelo. A versão final, compilada em forma de livro, foi concluída por volta de 650.

Acrescenta que “as partes do Alcorão escritas nestes pergaminhos podem, muito certamente, datarem de menos de duas décadas após a morte de Muhammad”.

“As partes deveriam aproximar-se imenso à forma em que o Alcorão é lido atualmente, apoiando a tese que o texto sofreu poucas ou nenhumas alterações e que pode ser datado a um ponto muito próximo do momento em que se acredita ter sido revelado”.

O manuscrito está escrito em hijazí, uma forma primitiva do Árabe escrito, o que o cataloga como um dos mais antigos fragmentos do Alcorão.

Dado o fato da datação por radiocarbono originar uma série de possíveis datas, existem alguns outros manuscritos em coleções públicas e privadas que se encaixam dentro desta seriação. 

Por este mesmo motivo, é impossível declarar que este manuscrito é, definitivamente, o mais antigo.

Todavia, a data mais antiga possível do descoberto em Birmingham, colocá-lo-ia entre os mais antigos.  

“Sobrevivente precioso”

O doutor Waley, restaurador deste tipo de manuscritos na Biblioteca Britânica, realça que “estes dois fólios, escritos numa bonita caligrafia hijazí, surpreendentemente legível, datam muito seguramente da época dos três primeiros Califas”.

Os três primeiros Califas foram líderes da Comunidade Muçulmana mais ou menos entre 632 e 656.
 
O doutor Waley disse que, aquando do terceiro Califa, Uthman ibn Affan, foram distribuídas cópias da “edição definitiva”.

“Durante décadas, a Comunidade Muçulmana não era suficientemente rica para acumular peles de animais e produzir uma cópia completa (do Alcorão), ou Mushaf, que exigia imensos pergaminhos”.

Waley indica que o manuscrito encontrado em Birmingham é um “sobrevivente precioso” de uma cópia dessa época que poderá até ser mais antiga.

“Em todo o caso, este, com a beleza absoluta do seu conteúdo e a surpreendente clareza da escrita hijazí, representa notícias que encherão de alegria os corações dos Muçulmanos”. 

O manuscrito é parte da Colecção Mingana, que contém mais de 3000 documentos do Médio Oriente compilados nos anos 20 por Alphonse Mingana, um sacerdote caldeu nascido perto de Mogul, no atual Iraque.

As viagens ao Médio Oriente para a recolha da coleção Mingana foram patrocinadas por Edward Cadbury, da dinastia da empresa de chocolates do Reino Unido.

A comunidade muçulmana em Birmingham expressou já o seu entusiasmo perante a descoberta e a Universidade anunciou que exporá publicamente o manuscrito. 

“Quando vi estas páginas fiquei muito comovido. Os meus olhos encheram-se de lágrimas de felicidade e emoção. E tenho a certeza que pessoas de toda a Grã-Bretanha virão a Birmingham para as ver”, disse Muhammad Afzal, presidente da Mesquita Central de Birmingham. 

O professor Thomas revelou que isto mostrará aos cidadãos de Birmingham que possuem um “tesouro incomparável”.

M. Yiossuf Adamgy - 30/07/2015